Certo dia, disse que este seria o último dos trilhos homologados que faria no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Tal coisa foi proferida porque achava que este percurso era de fraca qualidade e riscava-se por locais de pouco interesse onde dominavam as mimosas. A situação piorou com os incêndios de 2010 e desde então o Trilho dos Miradouros ficou fora do meu radar.
Porém, em 2015 a curiosidade voltou devido ao elevado número de ocorrências de pessoas resgatadas que se registavam neste percurso situado a escassos quilómetros das Caldas do Gerês. Desde então, fiquei curioso para saber o que levava tanta gente a perder-se neste trilho.
Em 2015 o percurso acabaria por ser limpo e alterado em alguns troços, deixando de fora, por exemplo, o Mirante Velho e o Mirante Novo (ao contrário do que está indicado no texto explicativo do folheto do percurso). No entanto, estas alterações fazem com que o percurso do Trilho dos Miradouros fuja um pouco à estrada que liga as Caldas do Gerês a S. João do Campo, tornando-o um tanto ou quanto, paradoxalmente, mais seguro.
O folheto do percurso pode ser descarregado aqui enquanto que o antigo traçado pode ser obtido aqui. O PR6-TBR é um percurso predominantemente ambiental e paisagístico e a distância total a percorrer são cerca de 10 km, com o percurso a iniciar e terminar nas Caldas do Gerês. Uma outra alteração em relação ao percurso original prende-se com a localização da «placa de início de percurso». Esta anteriormente localizava-se à entrada na vila no início da Av. Manuel Francisco da Costa, mas agora foi transferida para outra localização já no «final do percurso».
O percurso inicia-se nas Caldas do Gerês e embrenhando-se por algumas ruas, acaba por nos levar até ao Penedo da Freira. Este está localizado no Zanganho, antiga Cova do Castelhano, e nos nossos dias reza a lenda que foi aqui que ocorreu uma história de amor entre uma freira e o seu amante. Neste local existe uma velha lápide cujas inscrições não se conseguem ler (somente utilizando luz rasante) e que supostamente marca o local da velha paixão. Infelizmente, é um local pouco visitado e que merecia um melhor cuidado, pois o interesse da sua lenda é deveras peculiar. Transcrevo aqui, mantendo o português original, o texto de Tude de Sousa publicado na sua obra de 1927 "Gerez (Notas Etnográficas, Arqueológicas e Históricas)"...
A Casa da Freira
Tem todos os visos de verdade aquela história de amor aventuroso da freira do Pôrto, que à sombra e aos murmúrios das árvores e das águas do Gerez se recolhera com o amante e que a tradição guardou com encanto até agora.
Na verdade, assim o confirmam as notas que próprio punho de Camilo Castelo Branco escreveu à margem do seu exemplar da Crónica de Cister, por Fr. Bernardo de Brito, edição de 1602, que pertencera ao mosteiro de S. Bento da Ave Maria, do Pôrto, e por onde as noviças faziam as suas leituras durante as refeições.
Nessas notas dizia Camilo que haveria então (1865) uns oitenta anos que uma freira fugida do convento se refugiara na serra do Gerez com o amante, indo ambos depois para Roma impetrar do papa licença para se casarem, o que com o tempo vieram a conseguir.
Tiveram filhos, e em Roma todos se ficaram, não impedindo, porém, êsses laços de amos e de sangur que o descaroável amante os abandonasse e á mãe, que por um irreflectido, ou impulsivo arrebatamento de paixão, rompera a clausura na forma em que o fêz.
Como à freira de Beja, o amor foi para esta desventurada o grande calvário da vida.
A todos valeu a protecção do papa Ganganelli, que educou os filhos da freira na vida clerical e lhes deu bom arrumo na vida.
Não dizem as notas de Camilo, nem o diz a tradição, os nomes dos dois heróis desta aventura, indicando apenas aquelas que a freira era tia de um professor do liceu do Pôrto na data em que êle as escreveu e esta que êle seria um castelhano; mas parece não ser, talvez, difícil reconstituir o drama em tôdas as suas prováveis minudências, seguindo o rasto que deixam bem aberto as alusões do romancista (1).
No nosso livro Serra do Gerez (Pôrto, 1909), referindo o caso dos amorosos foragidos, dávamo-lo como andando na tradição e reproduziamos um soneto que se dizia a êle referente.
Êsse soneto teve origem do seguinte:
Publicado aquele nosso livro, o falecido e sábio arqueólogo e professor, filho amantíssomo da serra, Padre Martins Capela, fêz-lhe várias anotações e referências em artigo publicado na revista católica Estudos Sociais, de Coimbra, no número de Junho de 1910 e, aludindo ao caso de lá se dizer que a lápide onde o soneto está gravado fôra encontrada por uns pastores de Vilar da Veiga e levada depois para o Bom Jesus de Braga, diz o seguinte:
«Há nisto um equívoco. A lápide, que ainda há poucos anos vi no Bom Jesus, nunca esteve no Gerez.
«O soneto foi composto por um professor de retórica, dr. Jerónimo, aqui de Braga, e mandado insculpir por uma roda de literatos românticos, com intenção de o irem lá colocar na tal cova ou quinta do Castelhano, o que, aliás, não realizaram. Isto tendo de uma testemunha contemporânea, digna de todo o crédito. Quanto à lenda, se algum fundo tinha de verdade, é presumível fôsse ampliada, por amor da arte, na mão dos românticos da época, que de muito menos faziam cousas bem maiores.»
Também Albano Belino, publicando o soneto no seu livro das Inscripções e letreiros da cidade de Braga e algumas freguezias ruraes (Pôrto, 1895), dia que a pedra fôra encontrada em 1844 ao abandôno, atrás da Igreja do Bom Jesus e que êle (o soneto) alude a um facto histórico acontecido na serra do Gerez, facto que, aliás, não explica.
A Casa da Freira, de que hoje não há restos, nem memória firme de situação, parece ter sido no local designado por Zanganho, antes chamado a Cova ou Quinta do Castelhano, logo após a saída das Caldas, à direita, no caminho para S. João do Campo, quanto aos versos evocadores da infortunada freira, que tanto padeceu por muita amar, são como segue e vem no livre de Belino:
Passageiro! êste chão que vês diante,
Na encosta dêste monte desabrido,
Dim castelhano foi que, perseguido,
Aqui se recolheu co'a terna amante.
Quebrando por êle a fé constante,
Que havia ao espôsp eterno prometido,
Trocou por ermo agreste e desprovido
Sua cela mimosa e abundante.
A era em que isto foi vai indo perto;
Mas da choça que aos dois prestou abrigo
Nem sequer um calhau se aponta ao certo.
Tudo o tempo varreu, levou consigo,
E só tradição no livro incerto
Se encontra o caso que eu aqui te digo (2)
Mas, nem só os velhos românticos de Braga se impressionaram com o sabor apaixonado da lenda da probre freira: o tema, próprio para excitar as fibras de maior sensibilidade dos corações, deu rebate também à inspiração deliciosa de Azul, um distinta Senhora (D. Zulmira Franco Teoxeira Falcarreira), que muiyo queria ao Gerez, para o soneto que se segue, por ela publicda em Agôsto de 1913 (3), e que aqui fica também a perfurmar a suavíssima tradição da que trocou as delícias da clausura e do hábito, pelos espinhos cruciantes da aventura e do pecado, embora êle, talvez por necessidade de rima, altera bastante a tradição.
A Casa da Freira
(Lenda gereziana)
Para a mais pitoresca e recortada
Serra que existe - a Serra do Gerez -
Fugiu, segundo a lenda, uma vez,
Uma freira professa e excomungada.
Segue-lhe os passos pela rude estrada
Um desertor, oficial francês;
De amor funde-se o hábito e o arnês
No seio de uma brenha ensombreada
Trinta anos sofre a natureza bruta
Os amores sacrilegos da gruta,
Que a mêdo as águas segregando vão...
E ainda hoje, em sonhos, julga o forasteiro,
Verna rocha uma espada de guerreiro
Envolvida num véu de profissão.
(1) As interessantes notas vêm reproduzidas no livro Camilo, 16 de Março, 1825-1925, comemorativo do centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco, editado pela Comissão, a páginas 57 e 58, em artigo que o seu autor, o sr. J. M. Cordeiro de Sousa, teve a amabilidade de nos comunicar e para o quel remetemos o leitor.
(2) Este soneto tem umas pequenas variantes o que vem publivado no nosso livro e que não nos recorda já onde e como o obtivemos. Talvez no jornal de Lisboa O Século, de 11 de Setembro de 1908, onde, em artigo datado de Braga e assinado, A. R. se diz: «Ao lado do Hotel do Sul, na encantadora estância do Bom Jesus do Monte, ergue-se e mostra-se uma elegantíssima fonte... Por detrás mesmo dessa fonte... está o tal granito onde se gravou com esm~ero e cuidado, o ligeiro drama de amor que teve por scenário a cordilheira do Gerez». Ainda sôbre êste assunto, dizia-nos em Janeiro de 1913 o distinto publicista sr. Alberto Veloso de Araújo: «O soneto que V. apresenta no seu belo livro Gerez mereceu do velho Guimarães da Estamparia do Bolhão. Êste Guimarães falecido aos 94 anos de idade, foi íntimo amigo do Dr. Advogado, velho cliente e autor do soneto. Há mesmo dêste advogado lisboeta uns lindos versos de consagração às águas do Gerez. O velho Guimrães recitou muitas vezes êsse soneto ao genro, que o possui e conhece muito bem a lenda». Também nos nossos apontamentos encontramos a nota, cuja autenticidade não pudemos verificar, de que um jornal de Braga publicava em 1885 ou 86 um artigo do falecido dr. Pereira Caldas, relativo a êste assunto.
(3) Em um jornal, cremos que o Diário de Notícias, de Lisboa, de onde ao tempo o recortámos.
Fabulosa história sem dúvida!
É na saída do Penedo da Freira que os mais distraídos poderão encontrar alguma dificuldade na localização do percurso caso não tenha um mapa auxiliar. As velhas marcas de sinalética não estão visíveis, mas estas indicam que se deve virar à esquerda e seguir um pouco pela estrada até encontrar um desvio à direita que nos vai levar ao Campo de Futebol da Pereira, local onde antigamente ficava localizado um antigo viveiro e observatório florestal.
Este edifício em tempos teve uma importância única em Portugal, sendo um observatório meteorológico equipado com um conjunto de instrumentos únicos no nosso país. O antigo Observatório Meteorológico foi transformado na sede do Grupo Desportivo do Gerês, tendo no entanto perdido parte do seu aspecto original com o desaparecimento da torre de observação. A fotografia seguinte datada dos princípios do Século XX mostra o observatório no seu aspecto original rodeado de viveiros dos Serviços Florestais.
Tude de Sousa descreve da seguinte forma o Observatório Meteorológico: "Na chã da Pereira, junto do viveiro florestal, funcciona um posto meteorologico, na altitude de 493 metros, onde existem os melhores instrumentos para modestas installações d'esta natureza, como o barometro de Fortin, psychrometro e thermometros diversos de Negretti e Zambra, e os registadores barographo, psychrographo, anemographo e anemoscopio de Steffen e muito outros ainda." Seria interessante tentar pelo menos perceber se alguns destes instrumentos se encontram nas Caldas do Gerês...
Deixando o Campo da Pereira para trás, vamos entrar num pequeno bosque que nos leva até à estrada que liga as Caldas do Gerês a S. João do Campo. Aqui, viramos à direita e um pouco mais adiante, o percurso vai subir à esquerda para a Fraga Negra. O miradouro da Fraga Negra encontra-se próximo das Caldas do Gerês sobre o Zanganho. Foi instituído em 1962 pelos Serviços Florestais, e principalmente por iniciativa do Dr. Manuel Braga da Cruz. O miradouro permite-nos uma abrangência do vale do Rio Gerês desde a Portela de Leonte.
Após a Fraga Negra inicia-se uma «longa» subida por entre as mimosas que nos levará ao Miradouro da Boneca. É nesta parte do percurso que haverá a maior probabilidade de as pessoas se perderem. Em zonas cruciais, a sinalética deveria ser renovada ou mesmo melhor salientada pois em zonas de viragem de direcção, ele simplesmente não existe em alguns casos.
O miradouro da Boneca encontra-se a uma altitude de 750 metros e permite-nos uma perspectiva completa do vale do Rio Gerês. O nosso olhar percorre o vale desde os limites da Portela de Leonte até a uma parte da albufeira da Caniçada em Rio Caldo com as suas pontes. O equipamento existente no miradouro foi melhorado há já alguns anos, mas a falta de manutenção e principalmente a falta de limpeza de matos tem levado a uma lenta degradação e abandono do local que merecia uma melhor atenção da entidade encarregue do seu cuidado. De qualquer das formas, é um local a não perder na visita à Serra do Gerês, mesmo numa visita que não contemple o percurso total do Trilho dos Miradouros.
Saindo da Boneca, o percurso vai-nos levar pela paisagem de Lamas até chegar ao último miradouro do trilho, o Miradouro da Junceda. Tal como o Miradouro da Boneca, o Miradouro da Junceda permite-nos uma perspectiva completa do vale do Rio Gerês com o nosso olhar a percorrer o vale desde os limites da Portela de Leonte até a uma parte da albufeira da Caniçada. Além disso, perante nós alonga-se de Norte a Sul a vertente nascente do Vale do Rio Gerês e são bem distintos os píncaros serranos das Albas, Pé de Medela, Carris de Maceira, as fragas de Lavadouros, Borrageiro e Pé de Salgueiro.
Nesta altura do ano, o percurso apresenta-se com poucos pontos de água. Tirando um ou outro pequeno ribeiro com pouca água e uma ou outra fonte quase seca, só encontramos água numa fonte que se encontra para lá da Casa Florestal de Junceda já no percurso do Trilho das Silhas dos Ursos. Nesta parte do percurso, quando se inicia a longa descida final, deveria haver uma indicação de um ponto de água perto.
Passando ao lado da Casa Florestal de Junceda, vamos então iniciar a descida final que irá percorrer a encosta sobranceira à Cabeça da Pereira, passando por detrás do Parque de Campismo do Vidoeiro. O percurso irá ainda atravessar o Rio Gerês já perto do Parque das Termas (antigo Parque Tude de Sousa) e terminar nas Caldas do Gerês.
Em última análise pode-se dizer que o PR6 TBR 'Trilho dos Miradouros' é um percurso de dificuldade média que se pode tornar de certa forma um pouco elevada atendendo aos declives que apresenta na fase inicial até ao Miradouro da Boneca. O número de ocorrências de resgates neste percurso ficou-se sem dúvida a dever ao lastimável estado do equipamento por altura das ocorrências. Porém, é minha opinião (já referida aqui) que a sinalética deverá ser substancialmente melhorada.
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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