sexta-feira, 11 de outubro de 2024

A carvoaria na Serra do Gerês

 


Não são fáceis de encontrar referências a uma actividade de teve uma importância crucial nas aldeias da Serra do Gerês: a carvoaria.

Em algumas zonas, podemos encontrar as velhas furnas de carvão (tal como a Furna de Carvão de Gestoso, em Seara - Terras de Bouro) ou até escutar histórias soltas sobre o fabrico e a venda de carvão no (Curral do) Teixo, Vale do Alto Homem, ou no Curral do Tirolirão. Era aqui que um Geresiano de nome 'Marujo' permanecia longos dias nos idos dos princípios dos anos 40 do século XX, produzindo carvão numa furna que ardia por 8 ou 9 dias e que era guardada por 5 dos seus filhos. O carvão era depois utilizado para o aquecimento e para as tarefas do dia-à-dia nos ricos hotéis das Caldas do Gerês.


Curral de Tirolirão e Prado Marelo, Serra do Gerês

Na mesma altura o carvão era produzido em diversas zonas da Serra do Gerês, tal como referi no Teixo (imagem inicial), onde ainda se podem encontrar pequenos muros de pedra solta que serviam de abrigo aos carvoeiros. Aqui, o carvão era também vendido vindo às costas em jornadas pela serra desde as aldeias de Fafião, Pincães ou Xertelo. Por outro lado, o grande número de pequenos abrigos de pedra solta em Carris, topo da Corga de Lamalonga ou a caminho do Curral da Amoreiro, também podem ser em parte explicados pela actividade da carvoaria.


Furna de carvão de Gestoso

Um exemplo interessante que surgiu em consequência do fim da utilização do carvão, é o da aldeia galega de Salgueiro. A aldeia de Salgueiro sempre foi uma povoação agrícola e de criação de gado, onde muitas das tarefas eram feitas em modo comunitário. Todos os habitantes tinham gado e, sobretudo, ovelhas e cabras que se vendiam a comerciantes para carne seca. Porém, acima de tudo, foi terra de carvoeiros, ofício que trouxe muito dinheiro à aldeia, mas também penúrias, pois era um trabalho escravo e esgotante. Com o fim da utilização do carvão e o efeito da intensa emigração, a aldeia seria abandonada e hoje é uma povoação silenciosa onde se tenta preservar a sua memória conservando as ruínas ali existentes.

Carvoaria, contrabando, mineração são actividades que marcaram o passado da Serra do Gerês, propositadamente esquecidas num Plano Especial e num Regulamento Geral para o Parque Nacional da Peneda-Gerês que irá (ou pretende) fazer esquecer o passado.

No artigo História do povo de Cabril, da Serra do Gerês, dos Carvoeiros e o burro que pegou fogo e pelas palavras do Ulisses Pereira, "e depois havia ainda os carvoeiros, pessoas que passavam muito tempo na serra a arrancar os torgos de urze e a fazer os buracos para o carvão, como diz o "Ti" João da ponte: «Oh pah!! era um trabalho excomungado, era sempre sujo, todo negro, as mãos estavam todas gretadas, mas prontos dava para ganhar alguns tostões.» O "Ti" João da Ponte fala como uma pessoa conhecedora da realidade, ou não tivesse ele feito muito carvão e dormido muitas vezes nas cabanas da serra, e carregado muito carvão para o depósito no Teixo, é também ele que a determinada altura conta a história do burro que pegou fogo: «naquela época andava-se a fazer o carvão no Cambeiro, andavam lá dois ou três homens, já não me recordo, e o Custódio do Luís e ele trazia um burro com ele, para o ajudar nas cargas, eles acabaram de fazer o carvão e carregou o burro e pôs outro saco as costas e começou a subir a serra pelo Curral dos Bezerros até à Cidadelha, onde naquela altura estavam a dormir, e era na cabana que guardavam a comida, e ele foi a cabana botar uma bucha, que era para depois subir a Revolta até ao Teixo, onde estava o depósito de todo o carvão feito na serra. Também havia lá uma loja que vendia pão e vinho e mais umas coisitas, só que enquanto foi a cabana o burro desapareceu, andou para cima e para baixo e nada do burro, foi dar com ele passado umas horas, todo chamuscado, já perto da Arrocela, estava vento e o carvão não estava bem apagado e pegou fogo, coitado do burro, só parou quando as cordas que atavam o carrego arderam, e ele se livrou do fogo. Andaram um mês a carregar o carvão as costas até ao Teixo, pois o burro teve de vir para a aldeia para recuperar, ainda se queimou bem, eram uns tempos... Mas olha que eu ainda me lembro é tenho saudades desse tempo, apesar da miséria, agora para vós é tudo muito fácil, naquela altura não havia nada de nada era trabalhar par sobreviver, era mesmo só para sobreviver...»"

No artigo Histórias do carvão na Serra do Gerês, "conta-nos João Batista, de Cabril, «Numa ocasião, o meu vizinho, coitado, foi à cabana de pedra, que naquele tempo eram cabanas de pedra, foi levar uma bucha e quando voltou viu o seu burro a fugir. O carvão, que ainda não estava apagado ao sair da terra, tinha pegado fogo no saco e o burro enquanto não ardeu as cordas que seguravam os sacos de carvão, fugiu!...»."

Felizmente, também há quem queira conservar o passado em palavras, tal como o livro "Aldeia de Pincães" (2009) e o livro "Para que a memória não se apague" (2013), ambos da autoria de Fernando Guimarães.

No livro "Aldeia de Pincães", o autor dedica um texto à actividade do fabrico do carvão (págs. 93 e 94), referindo "a forma de os mais pobres, os cabaneiros, conseguirem algum sustento, era fazer carvão para trocar por outros produtos.

As cepas da urze, torgas ou torgos, depois de arrancadas com um alvião ou uma enxada, eram queimadas num buraco escavado na terra para o efeito. Fazia-se uma fogueira com as torgas, indo colocando a quantidade máxima possível. Depois de se encontrarem todas em combustão, eram tapadas com terra, estas iam-se apagando lentamente ficando em carvão. Era preciso ter mito cuidado para que não houvesse nenhum orifício por onde pudesse entrar o ar, porque se isso acontecesse as torgas ardiam na totalidade, ficando em cinza. Dias depois, no mínimo dois, destapava-se a furna. Ensacado, o carvão era vendido por alguns centavos para o sustento da família. No livro de Rogério Borralheiro 'Montalegre Memórias e História', página 219, pode ler-se sobre Cabril: «(...) porém, como de tudo hé pouco pella aspreza da terra para passarem a mizerável vida a maior parte delles vive, de fazer carvão...»

O Padre Diogo Martins Pereiratambém faz referência a esta actividade no seu Manuscrito de 1744.

Todos os lavradores tinham uma forja e uma bigorna para fazer e reparar algumas alfaias agrícolas, afiar picos, ponteiros, brocas e ferrar as éguas ou cavalos. O consumo de carvão era grande. Obtido da raiz da urze, de boa qualidade, chegava ao povoado e a outros lugares transportado por burros. Com a melhoria das comunicações chegou a comercializado em Braga."

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Faltam 4 dias!

 


Faltam 4 dias para poderes dar a tua opinião, fazer a tua reclamação, dar a tua sugestão, fazer uma nova proposta ou concordares com o que o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) propõe para o futuro do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

Até à data em que este texto é escrito, vi que foram feitas 25 participações públicas no portal participa.pt onde «decorre a discussão pública» do Programa Especial do Parque Nacional da Peneda-Gerês e do Regulamento do Gestão. É um número insuficientemente baixo quando está em causa o futuro do nosso único Parque Nacional.

Perante este cenário, estou já a imaginar no futuro os queixumes sobre as limitações que o ICNF poderá vir a impor. Nessa a altura, certamente que a participação terá sido de centenas, senão milhares!

Baseado num Programa Especial medíocre, o Regulamento de Gestão será a ferramenta que irá substituir o actual Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

Este é um regulamento muito restrito para a visitação do nosso único parque nacional e é mais uma tentativa de implementar, mas de forma mais subtil, as intenções que já estavam presentes antes da aprovação do actual Plano de Ordenamento.

O Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) é um território moldado pela presença do Homem ao longo dos últimos milhares de anos, antecedendo a chegada das legiões romanas. Desde o seu começo, o PNPG sofreu das intenções extremistas da protecção de quem não conhece o território que foram ainda mais extremadas ao longo dos anos. A fraca relação com as populações locais, é um triste sinal dessa má relação que se perpetua ao longo dos anos e que sem dúvida será prejudicada com este Programa Especial e com este Regulamento de Gestão onde são estabelecidas regras incompreensíveis de visitação, ao mesmo tempo que se fecha os olhos às actuais obras ridículas a decorrer (Fecha de Barjas e leito do Rio Laboreiro) e ao verdadeiro forró do Verão.

Para que se tenha uma ideia das restrições impostas pelo novo Regulamento de Gestão, o mapa a seguir mostra os percursos que poderão ser utilizados nas actividades de visitação (mesmo quando aconselhados a alterar alguns destes trajectos, como, por exemplo, a ligação entre a Portela do Homem e Pitões das Júnias), os técnicos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas preferiram fazer ouvidos moucos e continuar a aconselhar um percurso que coloca em risco que o utiliza.


Assim, têm 4 dias para participarem no futuro do Parque Nacional da Peneda-Gerês, lendo a proposta que foi criada e fazendo «escutar» a vossa voz com sugestões para que no futuro aquela área protegida não se transforme num couto de poucos.

Fotografias © ICNF

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCLXIV) - Cabeço de Cancela

 


O Cabeço de Cancela é uma paisagem bem conhecida para quem percorre o Vale do Alto Homem, Serra do Gerês. Localizado a meio do vale, é o limite da Encosta do Sol e constituiu um magnífico cenário juntamente com a Água da Laje do Sino por onde se despenham as águas da Ribeira da Teixa das Albas.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Previsão meteorológica para Nevosa/Carris (11 a 18 de Outubro)

 


Os dias de chuva vão-se manter no final desta semana e prolongam-se para a próxima. Céus azuis teremos possivelmente a partir do dia 19 de Outubro.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

"Queda de árvores corta estrada em Terras de Bouro"

 


Notícia do jornal O Minho para ler aqui.

A estrada florestal que liga às freguesias de Campo do Gerês, Covide e Carvalheira, em Terras de Bouro, encontrava-se cortada, na manhã desta quinta-feira, pela queda de árvores, devido ao meu tempo que ontem assolou a região do Minho.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

O Aliados chegam às Minas dos Carris

 


Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o governo de Salazar cria uma Comissão Governamental que tem como função a inventariação dos bens alemães abandonados nas instalações mineiras.

A 18 de Fevereiro de 1946, o Ministro da Economia nomeia uma Comissão Administrativa para as sociedades que eram então classificadas como germânicas e dirigidas pelo grupo Minero-Sílvicola. Esta Comissão era composta por Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão, Leonard Dismore, Herman Kasper e Bernard Blanger, estando sediada nas antigas instalações da Minero-Sílvicola no Porto. Ao mesmo tempo, era nomeada uma Comissão Liquidatária, também liderada por Carlos Mourão, que teria como função vender os bens alemães existentes nas concessões mineiras.

A 26 de Fevereiro de 1945 é elaborada uma listagem por parte da Embaixada dos Estados Unidos em Portugal, que refere as concessões mineiras na posse da Alemanha em território português. Das dezenas de concessões referidas, surgem 16 concessões em nome da Sociedade Mineira dos Castelos, Lda., nomeadamente a concessão do Salto do Lobo, Salto do Lobo 2, Carris 2, Carris 3, Garganta das Negras, Castanheiro, Corga das Negras 2, Lamalonga 1, Lamalonga 2, Lamalonga 3 e Pinhedo, na freguesia de Cabril - Montalegre e destinadas à extracção de volfrâmio; Carris 4 e Carris 5, na freguesia de Cabril e destinadas à extracção de berílio; Cidadelhe e Altar de Cabrões, na freguesia de Vilar da Veiga - Terras de Bouro e destinadas à extracção de volfrâmio.

A 31 de Janeiro de 1946 chegavam a Portugal os três membros de uma Comissão que seria responsável pela inventariação e posse dos bens alemães. Esta Comissão era composta por Bernard A. Blanger (França), Leonard H. Dismore (Grã-Bretanha), Herman Kasper (EUA) e Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão (nomeado pelo Ministério da Defesa Português).


Carlos Vasco Mourão


Leonard H. Dismore

Após procederem à posse dos bens no edifício da Companhia Mineira Lisbonense, e que também servia de sede da Companhia Minero-Silvícola, localizada no n.º 441 da Rua da Constituição, Porto, a 4 de Fevereiro, os membros da Comissão, acompanhados por um funcionário da Inspecção do Comércio Bancário (de apelido Pedroso), deslocaram-se à Serra do Gerês a 6 de Fevereiro.

O complexo mineiro dos Carris era então considerado a segunda mais importante instalação mineira em propriedade da Alemanha em Portugal. O relatório da Comissão descreve a sua localização numa "região extremamente selvagem e montanhosa, a cerca de vinte minutos a pé da fronteira Espanhola." O relatório da Comissão refere que "devido à natureza difícil da zona e por apenas ser servida por uma estrada, estas minas estão completamente afastadas da civilização durante o mau tempo e em ocasiões no passado, o pessoal teve de ser abastecida por meios aéreos."

Após referir que além da extracção de volfrâmio, a mina (abrangendo mais de 249 concessões - certamente referindo-se às concessões na posse da Sociedade Mineira dos Castelos, Lda. na Serra do Gerês) fornecia esmeraldas, níquel e águas-marinhas, os membros da Comissão foram recebidos por José Rosas Bastos, que chegava ao complexo num carro alugado desde o Porto. Segundo o próprio José Rosas Bastos, ele seria o responsável pelos guardas da mina e pela manutenção da estrada. Questionado sobre a sua presença naquele momento nas Minas dos Carris, Bastos responde que havia sido informado de que a Comissão havia visitado as Minas de Bejanca, referindo que normalmente visitava as Minas dos Carris três vezes por semana. Porém, devido às más condições meteorológicas que haviam ocorrido nos últimos dez dias, não teria conseguido visitar as minas mais cedo. Este facto foi confirmado posteriormente por um Guarda Florestal que acompanhou os membros da Comissão.

Durante a permanência no complexo mineiro, os membros da Comissão examinaram as instalações referindo a existência de um armazém, posto de primeiros socorros, um conjunto de edifícios idênticos, uma cabana, edifício de escritórios, cantina e armazém, um galpão de abrigo de maquinaria, lavaria, galpão de motor, edifícios de armazenagem, cozinha, casa para os casais, vários edifícios de armazenagem com diverso equipamento.

No final da visita, os guardas foram avisados para que não permitissem o acesso ao complexo mineiro por parte dos antigos donos da Sociedade Mineira dos Castelos.

Durante a estadia em Portugal, os membros da Comissão composta pelos representantes Aliados visitaram vários edifícios e instalações que foram utilizados pelas empresas mineiras alemãs. A Garagem Imperial, no Porto, foi visitada por esta Comissão, mas sendo um espaço público, não se pôde proceder à sua selagem para segurar as viaturas, tendo a Comissão feito uma lista das mesmas e avisado o proprietário de que os antigos donos não poderiam ter acesso às mesmas.

Apesar de registadas em nome de outras companhias mineiras, as seguintes viaturas teriam sido utilizadas durante as operações de mineração registadas nas Minas dos Carris pela Sociedade Mineira dos Castelos.

Na garagem encontravam-se os seguintes veículos: 

- Graham 1934 com a matrícula AC-95-92 da Companhia Mineira das Beiras

- Chevrolet 1939 com a matrícula HF-10-93 da Companhia Mineira Lisbonense

- Chevrolet 1940 com a matrícula HD-11-05 da Companhia Mineira Lisbonense

- Buick 1935 com a matrícula AD-46-60 da Companhia Mineira das Beiras

- International Ambulance com a matrícula AB-13-60 da Companhia Mineira das Beiras

- Ford 1937 com a matrícula FB(?)-10-22 da Companhia Mineira Lisbonense

- Klöckner-Deutz 1943 com a matrícula NT-10-59 da Companhia Mineira Lisbonense

- Klöckner-Deutz 1942 com a matrícula NS-10-88

- Studebaker 1938 com a matrícula CC-10-69 da Companhia Mineira Lisbonense

- Mercedes-Benz (em reparação nas Oficinas Palhinhas)

- Lancia (na altura a ser utilizado por Carl Heinrich Jakob e que foi ordenado para ser depositado na Garagem Imperial).

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCLXIII) - Ponte Feia

 


A passagem da Ponte Feia, Serra do Gerês, com o ruidoso Rio Homem após uma noite de chuva e vento forte.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)


quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Obrigado!

 


Pessoalmente, agradeço trabalho realizado por estes militares na protecção do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

O Plano Operacional da Peneda-Gerês (POPG) assume-se como um instrumento proativo, de gestão operacional conjunta, que permite planear, organizar e coordenar um Dispositivo Conjunto de Defesa da Floresta Contra Incêndios no Parque Nacional da Peneda-Gerês (DCDFCI – PNPG), constituído por meios e recursos das entidades intervenientes, de forma a salvaguardar as áreas consideradas de maior interesse.

O período de vigência do presente Plano é de 1 de julho a 30 de setembro de cada ano, sendo ativado ou desativado, quando a análise das condições meteorológicas e operacionais, assim o justifiquem.

Nesta senda, para assinalar o término desta missão conjunta, a Companhia de Intervenção de Proteção e Socorro 11 recebeu uma pequena lembrança, oferecida pelo Posto de Busca e Resgate em Montanha do Parque Nacional da Peneda-Gerês, pelo bom relacionamento e espírito de camaradagem vivido no período em que partilharam as mesmas instalações.

Fotografia: GNR - UEPS

Voluntariado - Descasque de austrálias

 


Esta acção de voluntariado na Serra de Soajo irá decorrer a 19 de Outubro de 2024.

Os trabalhos dos Serviços Florestais na Serra do Gerês em 1909-1910 (parte II)

 


Esta é a segunda parte do artigo sobre os trabalhos realizados pelos Serviços Florestais na Serra do Gerês no ano económico 1909/1910. A primeira parte pode ser lida aqui.

Tendo ocorrido em Dezembro de 1909 grandes temporais por todo o país, foi solicitado aos serviços presentes no Gerês a elaboração de uma informação sobre todos os efeitos desse mesmo temporal na Serra do Gerês. Esta informação foi enviada a 31 de Janeiro de 1910...

O período de intensas chuvas que teve o seu término nos últimos dias de Dezembro, com consequências desastrosas em todo o território - sobretudo as zonas banhadas pelos rios Tejo e Douro - passou pelo Gerês sem deixar más consequências, nem nada de perdurável, pois nada originou de anormal.

Não foram registados desmoronamentos, enxurradas ou mesmo árvores arrancadas, como seria de esperar pela violência do temporal; apenas aqui e ali se registou uma quebrada de monte e uma ou outra rara árvore caída, o que, aliás, não causou qualquer estranheza, até porque casos destes já tinham ocorrido de maior vulto.

Porém, foi referido que, "é possível que nas regiões altas e mais afastadas da serra, onde agora não é possível ir, houvesse alguma grande desagregação de monte, devida à completa desnudação em que ainda se encontra e onde a acção corrosiva das águas poderia operar intensamente, mas na bacia do rio, que vem de Leonte ao Cávado e na vertente de Leonte ao Homem, e no curso deste rio, desde a sua nascença, até ao ponto em que sai do Perímetro Florestal do Estado, nada se produziu de extraordinário: as ravinas cresceram abundantemente, despejando-se nos vales, onde as águas encontravam os seus cursos de derivação para os grandes rios, mas a queda das águas fazia-se e faz-se sempre sem desmandos, porque todas as ravinas destas vertentes são fartamente arborizadas."

Por esta mesma razão, as encostas - quase todas revestidas nas vertentes dos rios Gerês e Homem - estabelecem já bem a regular distribuição das águas pela superfície do terreno, não produzindo arrastamento notável de terra ou de pedras, como acontecia ainda não há muitos anos, o que levava à inundação dos campos de cultivo situados a altitudes mais baixas.

Nas Caldas do Gerês estas situações eram, então, bem recentes, bem como era o efeito produzido na povoação pelo estrondo originado pelo choque de grandes rochas que eram arrastadas rio abaixo.

Este arrastamento de pedras ainda se produzia nesta altura, porém, não de pedras que provinham da montanha, mas das que o rio tinha no seu leito e que a pouco e pouco vão rolando à mercê das fortes cheias que aconteciam. No entanto, este facto era explicado pelo grande desnível e curta distância que o rio percorre entre Leonte, onde se encontra a sua nascente, até à sua entrada no Cávado. 

Curiosamente, e para evitar a possível ocorrência de "perigosas corrosões e escavações futuras" chegou-se na altura a sugerir a construção de "uma série de sólidas barragens que se estabelecessem desde a extrema sul do Perímetro até à Mijaceira e Água de Mourô, que é onde começam a afluir as ravinas que mais água trazem ao rio."

"Não permite a ignorância e a teimosia dos povos vizinhos afirmar que eles creiam na utilidade dos trabalhos florestais, sob este ponto de vista especial, mas é certo também que bastantes indivíduos há já, que veem, sentem e reconhecem esses benefícios e os confessam."

Por esta altura, as encostas de Nascente e de Poente, desde a extrema Sul até às vizinhanças do maciço de Leonte, estavam quase todas completamente revestidas de sementeiras de penisco de diferentes idades, caminhando do vale para os altos, e de arborização espontânea, esta sobretudo nas ravinas; a bacia de Leonte ao Homem e Portela tem bastante arborização natural e alguma sementeira, e as vertentes do Homem - aparte do percurso de S. Miguel até à sua origem e daí para diante, tinham por igual muito arvoredo, devendo assinalar-se o grande maciço de Bargiela e a encosta de Palheiros, onde todas as grandes clareiras estavam ocupadas por pinhal.

Curiosamente, já nesta altura Tude Martins de Sousa apontava uma diferença que ainda nos nossos dias é evidente: "Da Portela do Homem e em grande parte da linha divisória do reino desce sobre a Galiza a vertente espanhola da serra do Gerês, que está nua e onde os incêndios são continuados no verão, o que para nós constitui uma péssima vizinhança."

As fortes chuvas de Dezembro afectaram de forma significativa o Xurês, pois "ali houve desastres importantes e a pequena povoação de Vila Meã, que fica em baixo no vale, teve prejuízos calculados em mais de 2 contos de reis. Duas pontes perto de Vila Meã (...) que ficavam sobre pequenos rios que correm da Portela do Homem e do Altar de Cabrões, foram arrastadas na corrente e o vale e muitos campos ficaram inundados."

Não se pode dizer que os dias que noutros pontos do país ocorreram desastres devido às fortes chuvas, fossem no Gerês os de maior pluviosidade. O Posto Meteorológico da mata acusou 44 mm de água no dia 23 de Dezembro, quando já nos dias 17, 19 e 20 havia registado - respectivamente - 50, 59 e 64 mm.

A temporada de chuvas foi de facto longa, começando a 27 de Novembro, foi interrompida até 12 de Dezembro, faltando os dias 13 a 15 para continuar até 25 de Dezembro, parando depois até ao fim do mês.

No seu relatório, Tude de Sousa remata com a referência a uma enxurrada na ravina da Galeana que, saindo do seu curso no ponto onde ela entra no terreno particular de Emílio Biel, que atravessa, veio abrir caminho na encosta e cortar em baixo a estrada real entre Braga e o Gerês. Porém, este incidente ocorreu devido ao facto de a abertura da parede da propriedade do alemão, além de insuficiente, se ter tapado com paus e ramadas, e a água, não encontrando ali a sua corrente natural, parou e depois, encostando-se à parede, veio-lhe cavando os alicerces, lançando-a por terra, causando assim alguns prejuízos ao proprietário do terreno e menos à mata do Estado.

As alturas máximas que atingiu a água nos rios Gerês e Homem, acima do seu curso normal, foram, respectivamente, 1,85 metros e 4 metros, medidas tomadas sobre rocha e o cunhal onde assenta a ponte junto do Estabelecimento Termal (Rio Gerês)  e sobre rocha na Ponte Feia (Rio Homem).

Texto adaptado de "Mata do Gerês - Subsídios para uma Monografia Florestal" (Tude Martins de Sousa, 1926)

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCLXII) - Rio do Forno na Albergaria

 


O Rio do Forno na sua passagem pela Albergaria, Serra do Gerês, após uma noite de tempestade.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Rio do Forno e Rio Homem após a tempestade Kirk

 


Os caudais do Rio do Forno e do Rio Homem extremamente volumosos após uma noite de chuva e ventos fortes na Serra do Gerês devido à tempestade Kirk.


Rio do Forno na Albergaria


Rio Homem no Poço da Ponte Feia


Rio Homem no Poço da Ponte Feia


Rio Homem

Vídeos © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCLXI) - Poço da Ponte Feia

 


O irreconhecível Poço da Ponte Feia após uma noite de chuva e ventos fortes na Serra do Gerês devido à tempestade Kirk.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Previsão meteorológica para Nevosa/Carris (9 a 16 de Outubro)

 


O dia 10 de Outubro deverá trazer uma acalmia nas condições meteorológicas para que os dias 11 e 12 nos voltem a brindar com mais chuva.

Arqueologia, o parente pobre das áreas protegidas

 


Enquanto olhava a chuva que caia e ao pensar nas oportunidades que se perderam no Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) ao fim de 53 anos de existência, constatei - numa verdade já há muito consciencializada - que a arqueologia, em todas as suas formas, é o parente pobre das nossas áreas protegidas e em especial no PNPG.

Não é que espere ver um arqueólogo assumindo o papel de um Indiana Jones a percorrer as montanhas, vales e planícies das serranias do PNPG, mas numa proposta de futuro para o nosso único Parque Nacional surgir uma lista do que apenas está à vista, é um mau trabalho e um mau presságio.

De facto, nem o PNPG preserva o seu próprio património histórico - onde pára o arquivo dos Serviços Florestais ou mesmo o arquivo dos primeiros anos do PNPG? Estará na cave da sede do PNPG, naquela sala bafienta e a cheirar a humidade? Terá sido arquivado? Ou, ao melhor costume nacional - e tal como acontece com muita da documentação que estava nas instalações do Vidoeiro - foi todo parar ao lixo?

Posso estar enganado, mas que trabalhos recentes foram realizados pelo ICNF/PNPG? O que se descobriu, o que se preservou?

Porque é que na listagem elencada no Programa Especial do Parque Nacional da Peneda-Gerês não surgem as figuras rupestres de Absedo, as inúmeras construções existentes em pequenos vales e corgas das serranias do PNPG (como, por exemplo, no Curral do Pássaro, Serra do Gerês), as inúmeras áreas mineiras que constituem um património mineiro e uma memória colectiva destas montanhas, a possível anta em Lomba de Pau, a listagem das referências físicas que ajudaram a cartografar o território e construídas no século XIX? Porque se esconde as histórias e existência de velhos povoados medievais? Porque se ignora a História da presença dos Serviços Florestais nas serras do PNPG e o que se fez para preservar o seu património material e imaterial? 

A resposta é simples, tão simples que até dói: pois isto acontece porque quem dirige o PNPG simplesmente não quer gente no território e assim esconde-se ou ignora-se o que por lá possa existir para além daquilo que «já está à vista»!

A Arqueologia é a parente pobre da cultura e necessita de ser apoiada.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)