Não são fáceis de encontrar referências a uma actividade de teve uma importância crucial nas aldeias da Serra do Gerês: a carvoaria.
Em algumas zonas, podemos encontrar as velhas furnas de carvão (tal como a Furna de Carvão de Gestoso, em Seara - Terras de Bouro) ou até escutar histórias soltas sobre o fabrico e a venda de carvão no (Curral do) Teixo, Vale do Alto Homem, ou no Curral do Tirolirão. Era aqui que um Geresiano de nome 'Marujo' permanecia longos dias nos idos dos princípios dos anos 40 do século XX, produzindo carvão numa furna que ardia por 8 ou 9 dias e que era guardada por 5 dos seus filhos. O carvão era depois utilizado para o aquecimento e para as tarefas do dia-à-dia nos ricos hotéis das Caldas do Gerês.
Na mesma altura o carvão era produzido em diversas zonas da Serra do Gerês, tal como referi no Teixo (imagem inicial), onde ainda se podem encontrar pequenos muros de pedra solta que serviam de abrigo aos carvoeiros. Aqui, o carvão era também vendido vindo às costas em jornadas pela serra desde as aldeias de Fafião, Pincães ou Xertelo. Por outro lado, o grande número de pequenos abrigos de pedra solta em Carris, topo da Corga de Lamalonga ou a caminho do Curral da Amoreiro, também podem ser em parte explicados pela actividade da carvoaria.
Um exemplo interessante que surgiu em consequência do fim da utilização do carvão, é o da aldeia galega de Salgueiro. A aldeia de Salgueiro sempre foi uma povoação agrícola e de criação de gado, onde muitas das tarefas eram feitas em modo comunitário. Todos os habitantes tinham gado e, sobretudo, ovelhas e cabras que se vendiam a comerciantes para carne seca. Porém, acima de tudo, foi terra de carvoeiros, ofício que trouxe muito dinheiro à aldeia, mas também penúrias, pois era um trabalho escravo e esgotante. Com o fim da utilização do carvão e o efeito da intensa emigração, a aldeia seria abandonada e hoje é uma povoação silenciosa onde se tenta preservar a sua memória conservando as ruínas ali existentes.
Carvoaria, contrabando, mineração são actividades que marcaram o passado da Serra do Gerês, propositadamente esquecidas num Plano Especial e num Regulamento Geral para o Parque Nacional da Peneda-Gerês que irá (ou pretende) fazer esquecer o passado.
No artigo História do povo de Cabril, da Serra do Gerês, dos Carvoeiros e o burro que pegou fogo e pelas palavras do Ulisses Pereira, "e depois havia ainda os carvoeiros, pessoas que passavam muito tempo na serra a arrancar os torgos de urze e a fazer os buracos para o carvão, como diz o "Ti" João da ponte: «Oh pah!! era um trabalho excomungado, era sempre sujo, todo negro, as mãos estavam todas gretadas, mas prontos dava para ganhar alguns tostões.» O "Ti" João da Ponte fala como uma pessoa conhecedora da realidade, ou não tivesse ele feito muito carvão e dormido muitas vezes nas cabanas da serra, e carregado muito carvão para o depósito no Teixo, é também ele que a determinada altura conta a história do burro que pegou fogo: «naquela época andava-se a fazer o carvão no Cambeiro, andavam lá dois ou três homens, já não me recordo, e o Custódio do Luís e ele trazia um burro com ele, para o ajudar nas cargas, eles acabaram de fazer o carvão e carregou o burro e pôs outro saco as costas e começou a subir a serra pelo Curral dos Bezerros até à Cidadelha, onde naquela altura estavam a dormir, e era na cabana que guardavam a comida, e ele foi a cabana botar uma bucha, que era para depois subir a Revolta até ao Teixo, onde estava o depósito de todo o carvão feito na serra. Também havia lá uma loja que vendia pão e vinho e mais umas coisitas, só que enquanto foi a cabana o burro desapareceu, andou para cima e para baixo e nada do burro, foi dar com ele passado umas horas, todo chamuscado, já perto da Arrocela, estava vento e o carvão não estava bem apagado e pegou fogo, coitado do burro, só parou quando as cordas que atavam o carrego arderam, e ele se livrou do fogo. Andaram um mês a carregar o carvão as costas até ao Teixo, pois o burro teve de vir para a aldeia para recuperar, ainda se queimou bem, eram uns tempos... Mas olha que eu ainda me lembro é tenho saudades desse tempo, apesar da miséria, agora para vós é tudo muito fácil, naquela altura não havia nada de nada era trabalhar par sobreviver, era mesmo só para sobreviver...»"
No artigo Histórias do carvão na Serra do Gerês, "conta-nos João Batista, de Cabril, «Numa ocasião, o meu vizinho, coitado, foi à cabana de pedra, que naquele tempo eram cabanas de pedra, foi levar uma bucha e quando voltou viu o seu burro a fugir. O carvão, que ainda não estava apagado ao sair da terra, tinha pegado fogo no saco e o burro enquanto não ardeu as cordas que seguravam os sacos de carvão, fugiu!...»."
Felizmente, também há quem queira conservar o passado em palavras, tal como o livro "Aldeia de Pincães" (2009) e o livro "Para que a memória não se apague" (2013), ambos da autoria de Fernando Guimarães.
No livro "Aldeia de Pincães", o autor dedica um texto à actividade do fabrico do carvão (págs. 93 e 94), referindo "a forma de os mais pobres, os cabaneiros, conseguirem algum sustento, era fazer carvão para trocar por outros produtos.
As cepas da urze, torgas ou torgos, depois de arrancadas com um alvião ou uma enxada, eram queimadas num buraco escavado na terra para o efeito. Fazia-se uma fogueira com as torgas, indo colocando a quantidade máxima possível. Depois de se encontrarem todas em combustão, eram tapadas com terra, estas iam-se apagando lentamente ficando em carvão. Era preciso ter mito cuidado para que não houvesse nenhum orifício por onde pudesse entrar o ar, porque se isso acontecesse as torgas ardiam na totalidade, ficando em cinza. Dias depois, no mínimo dois, destapava-se a furna. Ensacado, o carvão era vendido por alguns centavos para o sustento da família. No livro de Rogério Borralheiro 'Montalegre Memórias e História', página 219, pode ler-se sobre Cabril: «(...) porém, como de tudo hé pouco pella aspreza da terra para passarem a mizerável vida a maior parte delles vive, de fazer carvão...»
O Padre Diogo Martins Pereiratambém faz referência a esta actividade no seu Manuscrito de 1744.
Todos os lavradores tinham uma forja e uma bigorna para fazer e reparar algumas alfaias agrícolas, afiar picos, ponteiros, brocas e ferrar as éguas ou cavalos. O consumo de carvão era grande. Obtido da raiz da urze, de boa qualidade, chegava ao povoado e a outros lugares transportado por burros. Com a melhoria das comunicações chegou a comercializado em Braga."
Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)