Com o resgate que ocorreu no dia 4 de Agosto de 2024 na Serra da Peneda, o tema da cobrança dos resgates na área do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) ganhou uma certa ordem do dia, ou melhor, uma ordem do dia volátil impulsionada pelos ventos da efemeridade das redes sociais, nomeadamente pelas palavras do Comandante dos Bombeiros Voluntários dos Arcos de Valdevez.
Sobre o assunto, e como é usual, as opiniões divergem... existe quem é a favor, existe quem é contra e existe quem deseje o castigo das fogueiras da inquisição aos mais incautos e azarados. Da mesma forma, surgem as comparações - algumas absurdas - com outras situações de resgate ou emergência.
Surgiram algumas reportagens sobre o assunto em vários órgãos de comunicação social e a estação estatal RTP produziu a reportagem "Resgates no Gerês. Autoridades e autarcas preocupados com riscos", que pode ser vista e escutada aqui.
Nesta reportagem temos a opinião do Comandante dos Bombeiros Voluntários dos Arcos de Valdevez, do edil da Câmara Municipal de Terras de Bouro e do edil do município dos Arcos de Valdevez...
On-line, a reportagem vem acompanhada do seguinte texto...
Autarcas e autoridades querem que sejam tomadas medidas no Gerês para que se evitem riscos nos passeios no Parque Nacional.
No passado fim de semana, uma operação de resgate demorou mais de dez horas. Desde então ressurgiu a discussão sobre quem deve pagar os custos do salvamento.
Filipe Guimarães começa por descrever a operação de resgate que os «seus» homens tiverem de empreender para resgatar a vítima, referindo que "infelizmente o português só aprende quando lhe entra no bolso." Não deixa de ter razão e é uma boa verdade que pode ser constatada todos os dias em diversas situações onde a responsabilidade deveria ter primazia nas decisões de cada um. Filipe Guimarães refere ainda que defende o pagamento destas operações em situações de nítida negligência e irresponsabilidade.
Os resgates "gratuitos"
A reportagem refere que a ideia do Comandante dos Bombeiros Voluntários dos Arcos de Valdevez não é nova, isto é, que os resgates 'gratuitos' não o devem ser em caso de negligência ou irresponsabilidade, e que nos últimos anos terão sido vários os presidentes de câmara a apontar nesse sentido. Porém, a medida nunca avançou.
Manuel Tibo, Presidente da Câmara Municipal de Terras de Bouro, surge a referir que, na sua opinião, as Portas do Parque Nacional deveriam fazer um registo "de todos aqueles que são montanhistas, com as empresas, com os seus guias, que possam visitar os locais." Prossegue sugerindo a existência de uma pulseira electrónica que deveria ser utilizada por esses visitantes. Infelizmente, a reportagem corta a palavra do Presidente da Câmara Municipal de Terras de Bouro, não se sabendo o objectivo desta pulseira, juntando com a opinião sobre os resgates, "é lógico que, eu, sou a favor que sejam passadas coimas a todos aqueles que possam ir para locais para os quais não estão autorizados. Agora, o socorro tem de estar assegurado no território nacional."
Há mais de dez anos, quando se discutiu no Parlamento e nos Grupos Parlamentares, a taxa a pagar pelos pedidos de autorização para caminhar no Parque Nacional da Peneda-Gerês, uma das várias soluções apresentadas foi a possibilidade dessas mesmas autorizações serem emitidas nas Portas do PNPG ou mesmo através de um sistema electrónico baseado nas ATM, pois já na altura era evidente que os serviços do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e do PNPG, não teriam a capacidade de, em tempo útil, emitir as autorizações solicitadas.
No entanto, há nas palavras de Manuel Tibo uma certa confusão sobre quem origina os pedidos de resgate. Sei que é uma distinção elitista de se fazer, mas se olharmos para os resgatados nos últimos anos, estes foram ocasionados pelos 'banhistas de fim de semana' ("Não se pode ir para o Gerês como se vai para a praia") e não pelos 'montanhistas'. Não é conveniente se incutir este tipo de confusão no debate por receio de influenciar a opinião pública, induzindo-a em erro. Por outro lado, a legislação que sanciona a caminhada em "locais para os quais não estão autorizados" já existe, pois a caminhada - por exemplo - em Área de Protecção Total sem autorização constitui uma contra-ordenação ambiental muito grave. De facto, no resgate ocorrido a 9 de Agosto de 2016 e que envolveu mais de 90 operacionais numa operação que demorou mais de 12 horas, às três pessoas resgatadas apenas foi aplicada uma coima por não possuírem autorização para caminhar numa Área de Protecção Total.
João Manuel Esteves, Presidente da Câmara Municipal dos Arcos de Valdevez, refere, no entanto, que os resgates não devem ser pagos... "não estamos a falar de pagar o resgate. Estamos a falar é, eventualmente, se vier apurar que houve circunstâncias que (...) se não estivermos preparados, se não estivermos autorizados, que podem causar esta circunstância, aí, sim, eu acho que pelo menos devemos ponderar..."
A reportagem depois apresenta a opinião de duas grandes especialistas em montanha... Nem uma palavra proferida por alguém que, de facto, pratique alguma destas actividades desportivas de montanha.
A liberdade e a libertinagem
O tema dos resgates e do socorro em montanha será sempre delicado. Porém, num país onde existisse cultura de montanha e onde os restantes desportos - além do futebol - merecessem os devidos apoios e divulgação, este tema não seria discutido desta forma, pois a consciencialização seria muito maior.
O «respeito pela montanha» é, acima de tudo, um respeito por nós próprios, é sabermos os nossos limites físicos e mentais e até que ponto estamos dispostos a correr os riscos que a montanha ou que um ambiente selvagem e desconhecido nos impõe. Esse desconhecimento e esse desrespeito leva ao acidente, acidente esse que acontece em muitos aspectos do nosso quotidiano.
No seu artigo "Os fatores de risco real nas atividades de montanhismo", Moacyr Enner define o Montanhismo como "uma modalidade de aventura abrangente, por generalizar uma considerável quantidade de práticas distintas. O montanhismo moderno abrange um largo espectro de atividades/jogos/desportos, indo das caminhadas e escaladas em blocos de rochas às escaladas em paredes com grande nível de complexidade, de formas extremas em altas montanhas e expedições em grandes altitudes. Cada uma das diferentes modalidades têm objetivos, técnicas, equipamentos, estratégias e regras próprias, além de poderem ser praticadas em superfícies e localizações diversas, o que confere a estas modalidades uma parcela considerável de riscos e a presença constante do perigo."
Para lá da liberdade e da libertinagem de cada um ("eu vou para onde quero e ninguém tem nada a ver com isso!"), o tema deve ser debatido com a seriedade que merece. De desporto elitista a modalidade democratizada, o montanhismo tem cada vez mais aderentes (em Espanha é já o desporto nacional com 8 milhões de praticantes) e o número tem tendência a aumentar. As federações desta área desportiva já, por esta altura, deveriam ter emitido a sua opinião sobre o tema, mas pelos vistos - ou eu ando distraído - continuam silenciosas a "ver a procissão a passar", surgindo inúmeras opiniões pessoais nas redes sociais e afins.
Exceptuando alguns casos, muitas das actividades de montanha em Portugal são realizadas em áreas protegidas (PNPG, Parque Natural da Serra da Estrela, Parque Natural do Alvão, Parque Natural de Montesinho, etc.). Da mesma forma, em Portugal não se tem consciência do que é que estas áreas protegidas representam! Protecção e preservação da Natureza? Reservas de «índios» para servir um turismo de massas sazonal do qual muitos se queixam, mas que muitos desejam?
Sobre outras áreas protegidas na Europa onde o turismo de montanha é a maior fonte de rendimento, faço eco das palavras de Alexandre Pinto, que refere que no Parque Nacional de Ordesa e Monte Perdido, Espanha, temos "pequenas vilas e aldeias com excelentes apoios a nível de alojamento e restauração onde se vive montanha; trilhos cuidados e irrepreensivelmente sinalizados; na época alta acesso automóvel ao coração do Parque Nacional fechado, acesso por Bus com saídas regulares; agentes Florestais com formação de montanha, que fiscalizam e fazem cumprir as normas; acessos para observação das cascatas de forma a serem vistas em segurança, mas onde os mergulhos são proibidos; refúgios de montanha com qualidade para os mais aventureiros a altitudes mais elevadas; apesar da obrigatoriedade de deixar o carro afastado, são centenas e centenas de pessoas a fazerem caminhadas por trilhos até ao vale (10 km), e uns 50 que continuam para as zonas mais elevadas acima dos 2000 m, todos devidamente equipados; apesar das inúmeras proibições para proteger a natureza, mesmo após um dia de muita chuva e temperaturas que não passavam dos 10° as aldeias, as vilas e trilhos estão apinhados de turistas de montanha; mesmo com tanta gente nos trilhos, apenas me cruzei com um lenço de papel caído já junto ao parque; os verdadeiros turistas de montanha vão bem equipados para realizar os trilhos e pagam para terem boas condições de segurança. São turistas de qualidade que o PNPG e a sua população necessita... Saio de coração cheio do Parque Nacional Ordesa e Monte Perdido, mas com uma certa angústia porque gostava de ver o meu querido Parque Nacional Peneda Gerês exactamente assim... A realidade não é uma utopia! O Parque Nacional Peneda Gerês continua a ser um talho com uma montra cheia de peixe."
O exemplo do Parque Nacional Ordesa e Monte Perdido, e de muitos outros, poderia e deveria ser paradigmático para nós, «nós» é que NÃO QUEREMOS!
Fotografia: RTP
1 comentário:
Rui, certamente este já é um debate discutido por muitos à algum tempo, e que agora me voltei a lembrar devido ao exemplo do parque nacional ordesa e monte perdido. Será que se deveria proibir os banhos no parque nacional? Qual é a sua opinião sobre o assunto? Ao mesmo tempo que obviamente se preservaria um dos mais importantes elementos do parque, por outro lado o contacto humano com a água pura do parque eu diria que é quase algo sagrado e uma benção da natureza, mas nem de perto a maioria dos visitantes olha desta forma, nem tem sensibilidade para tal. Pelo menos esta é a minha percepção. Quando respeitamos a montanha devemos respeitá-la no seu todo. Assim como vamos a um cume, temos a vontade de dormir na serra, visitamos um prado, uma simples árvore, devemos também respeitar a água. Mas isso quer dizer não entrarmos nela? Ou deveremos saber medir e sentir o que devemos fazer? A mesma coisa para pernoitar na montanha. Deve ser totalmente proíbido só por um ideal conservacionista exacerbado? Devemos privar dessa maneira o contacto humano com a serra e com o planeta numa vista mais abrangente? Temos de enfiar todos num parque de campismo?A verdade é que impor essa proibição seria uma regra, e não me parece que pudesse haver exceções a tal. Que soluções?
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