A noite passada nas Minas dos Carris foi ventosa o que levou a que despertasse por diversas vezes. Por outro lado, o fogo de artifício largado às quatro da manhã e a insistente música que por demais perceptível inundava a montanha, fazia com que o sossego esperado fosse recortado por uma dúbia insónia misturada com o cansaço do dia.
O sono acabaria por chegar aconchegado pelo sabor quente de um chá e pelo som do vento numa sinfonia disforme. Mergulhado numa quase escuridão com a ausência de luar, o contorno da montanha era facilmente perceptível em todo o horizonte. Procurava incessantemente o limite entre o azul escuro e o negro da serra longe da visão fantasmagórica das dezenas de pontos vermelhos que poluem as serras em redor. Dizem que é o desenvolvimento... digo que é a usura e o gozo dos grandes!
De repente o despertador tocava e era hora de o ver chegar, uma vez mais. Porém, o constante despertar da noite levou-se a adormecer por breves, mas irrecuperáveis minutos. Ele não esperou e quando olhei pela rede da frágil tenda que mal se aguentou à noite, já ia alto para lá do horizonte. Aquela bola de fogo cedo iria tornar o ar quente. Apressei-me a registar os momentos seguintes enquanto o espectáculo de cores não se diluía no azul do céu que chegaria dali a pouco.
O resto do grupo ainda dormia o confortável sono dos guerreiros que haviam enfrentado os quilómetros do dia anterior. Este dia levar-nos-ia para outras paragens na Serra do Gerês. No entanto, e enquanto não chegava a hora de levantar campo, ia aproveitando a paisagem matinal dos píncaros serranos que numa lenta metamorfose se ia transformando na visão a que nos habitua durante as fugazes visitas.
Aos poucos o grupo foi despertando pelo calor que ia inundando o interior das tendas. Dali a pouco seria hora de partir e as Minas dos Carris ficariam, de novo, para trás.
Abastecidos de água para a longa jornada, esta levou-nos até ao Curral das Abrótegas e dali para o Curral de Lamas de Homem. Seguindo pelo Quelhão, a passagem faz-nos imaginar a travessia para outra montanha, como que uma porta para outro mundo. A paisagem mostra-nos uma diferente perspectiva dps Chamiçais, da Lagoa do Marinho e da Lagoa, tudo para lá do Couce. Descendo pelo velho carreiro passamos o velho circo glaciar dos Cocões do Coucelinho e dali tomamos o velho trilho mineiro até à Mina de Borrageiros.
A caminhada foi-se fazendo célere e em pouco tempo estávamos a caminhar no estradão que nos conduziria até ao Porto da Lage. Porém, antes, o almoço teria lugar no Sobreiral e na companhia de pastores que ali descansavam da jorna em busca dos gados pela serra. Este foi uma excelente oportunidade de saber um pouco mais e o ganho deu-se logo aos primeiros minutos com a revelação do Curral de Cambedo ali a poucos metros. Foram histórias de minas, de pastores e de carvoeiros que levavam o carvão através do Corgo de Valongo até ao Teixo. Tempos duros e difíceis que esta gente serrana teve de enfrentar e que os fez moldar a serra, tornando-a o mais habitável possível.
Era chegada a hora de apear caminho. Depois das despedidas, voltamos a enfrentar o Sol e o calor seguindo pelo estradão até ao Porto da Lage que nos serviu para refrescar o corpo em meia-dúzia de mergulhos. Mais à frente, chegávamos ao Curral da Touça que deveria ser o nosso local de pernoita. No entanto, chegáramos ali muito cedo e a tarde ainda ia a meio o que nos permitia adiantar caminho para o dia seguinte (onde deveríamos dormir nos Prados da Messe). No entanto, decidimos adaptar a caminhada à nossa necessidade e rumamos para o Curral dos Bicos Altos após vencer o convidativo desnível entre a Touça e o Lagarinho. Infelizmente, o carreiro deixou de ser cuidado e o caminho acabará por se perder caso não volte a ser aberto pelas gentes de Fafião. Parte do seu percurso é já imperceptível e muitas das mariolas encontram-se escondidas pela vegetação. Porém, apesar da dificuldade foi com bravura que o grupo conquistou o desnível e no alto contemplou a distância e a paisagem até ao já longínquo Borrageiro por onde havíamos passado de manhã.
Do Curral de Lagarinho até aos Curral dos Bicos Altos o percurso fez-se sem grandes problemas e à sombra da montanha, dormiríamos o sono dos guerreiros... não fosse o chão ser tão inclinado!
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)