quinta-feira, 30 de junho de 2022

Serra do Gerês - Caminhada às Velas Brancas

 


As Velas Brancas são daqueles locais no Parque Nacional da Peneda-Gerês que nos ficam gravados na memória desde a primeira vez que os vemos! A imensidão das escarpas que se debruçam sobre Fechinhas e a imponência do quadro montanhoso que se eleva desde as profundezas de um abismo, mostram que as montanhas geresianas têm sempre lugar por entre o imaginário de qualquer um de nós que percorra aquelas paisagens.

Neste dia, e ao longo de mais de 17 km, percorri algumas das paisagens mais deslumbrantes da Serra do Gerês e do nosso único Parque Nacional. Foi esta minha «viagem»...


O dia apresentou-se ameno na Portela de Leonte com uma brisa fresca que incentivava ao caminho. Este, começou a subir na direcção da Chã do Carvalho, seguindo pela velha calçada pastoril que leva às pastagens mais altas daquelas paragens. É um caminho habitual para quem usualmente demanda aquela área geresiana e que vai sendo agraciado com a vista do Pé de Cabril que domina a paisagem até esta se expandir para os horizontes da Serra da Peneda e da Serra do Soajo, e mais para além para as lonjuras galegas. Por outro lado, a Serra do Gerês mostra então os píncaros do Pé de Salgueiro, por um lado, e do Pé de Medela e Carris de Maceira por outro, ou então fazemos o olhar mergulhar no mar de verde que a Mata de Albergaria nos oferece, um tapete que se forma antes da rudeza das encostas da Serra Amarela.

Chegados ao Prado do Vidoal o nosso olhar prende-se no abismo da Corga dos Cântaros e nas paredes da Roca d'Arte encimada pelo Cabeço de Lavadouros, enquanto a sombra do Outeiro Moço vai-se diluindo nas horas da manhã que passa.


O caminho leva-nos então ao Colo da Preza, varanda privilegiada sobre o Vale de Teixeira que em tempos foi candidato à construção de um sanatório devido à pureza dos seus ares. Desço a Garganta da Preza e à passagem do Curral do Junco observo a pasmaceira do gado que por ali descansa, ao lado do velho e alagado abrigo pastoril. A ideia é seguir o carreiro até chegar à base da Pegada das Ruivas que subo com entusiasmo, aproveitando ainda as poucas sombras que sobrevivem à escalada do Sol pelo céu de Verão. A imagem do Pé de Salgueiro acompanha-nos durante quase toda a subida e o Pé de Cabril, escondido na paisagem na primeira parte da trepada, ganha o seu lugar como pano de fundo do Curral do Junco já quase no final da subida. 

A Pegada das Rubias leva-nos ao Chã da Fonte e daqui segue-se caminho para passar junto do Arco do Borrageiro, abastecendo água na Fonte da Borrageirinha. O Arco do Borrageiro, cliché dos tempos do Gerês Termal, é uma curiosa formação rochosa na qual o granito foi esculpido do longo de eras pela erosão dos elementos.



Sigo então para as alturas do Borrageiro com a sua velha antena de comunicações e sigo para a Chã de Roca Negra, passando ao largo do seu alagado abrigo pastoril. O caminho mariolado leva-me entre o silêncio para as planuras de Rocalva guardadas pela imponência da sua meda. No Curral de Rocalva faço uma pequena paragem para um reforço alimentar à sombra do velho carvalho e troco dois dedos de conversa com dois turistas israelitas que naquela manhã percorrem também as paisagens do Gerês.

Continuando a jornada, sigo para o Curral de Vidoeirinho e mais adiante, tomo o velho carreiro que me leva ao Curral de Iteiro d'Ovos visitando então o seu abrigo pastoril. Segundo José Cunha-Oliveira na publicação "Outeirinho, Outeiro" no seu blogue "Toponímia galego-portuguesa e brasileira", iteiro é uma variante dialectal de 'outeiro', 'oiteiro' e 'eiteiro'. Por outro lado, o blogue "Beijós XXI (2005-2009)" na sua publicação "Iteiro" refere que "Normalmente um cerro / morro que se destaca como acidente de terreno. Em várias regiões serviam como limites, términos, marcos da confluência de diferentes territórios, em particular nas civilizações pré-romanas. É esse o significado toponímico de Itero em Castela e Leão." Vejamos uma interpretação para Iteiro d'Ovos! Sem dúvida que se trata de uma elevação característica naquela zona serrana e a sua localização situação nos limites concelhios de Terras de Bouro e de Montalegre. Uma interpretação mais difícil será os 'Ovos'; penso que este nome poderá estar relacionado com a grande quantidade de pedras que compõem aquele morro ou então poderá estar relacionado com um antigo local de nidificação de aves de rapina. Nenhuma destas tentativas para explicar o nome 'Ovos' tem base científica e é apenas a minha especulação.


Daqui, o caminho turva-se na memória e por entre a vegetação que paulatinamente reocupa os espaços que o Homem já não usa. Subindo pela vertente Poente do Iteiro d'Ovos, o carreiro conduz ao esquecido Curral de Soengas. O carreiro vai-nos levar a entroncar no traçado do Trilho da Vezeira de Fafião, mas antes flecti à direita e segui em direcção às vertentes do abismo que me esperava mais adiante. Pelo caminho, o colosso granítico do Iteiro d'Ovos marca a paisagem que fica para trás, tendo a Roca Negra e a Meda de Rocalva os seus perfis desenhados no horizonte não muito longínquo. Adiante, os promontórios de Porta Roibas e o alto do Pinto começam a sobressair na paisagem que se forma diante de nós.

Em pouco tempo, somos chegados aos limites daquele conjunto que se denomina por 'Velas Brancas' ('Vela Branca', 'Bela Branca') e parece que chegamos à proa de um barco que navega por entre o mar de granito que torna a paisagem num oceano imenso. Lá ao fundo o Curral de Fechinhas surge como um oásis verde por entre o granito. A paisagem é toda ela uma imensa paleta de altos e ravinas que tentamos identificar... Muro, Iteiro d'Ovos, Meda de Rocalva, Roca Negra, Borrageiro, Albas, Cantarelo, Torrinheira, Cidadelhe, Carris e Nevosa, Borrageiros... A enormidade daquilo que se eleva perante nós é indescritível, bem como a profundeza dos abismos perante os quais nos recolhemos na nossa pequenez.


Foi neste lugar feito de tranquilidade, pensamentos e sentimentos imensos, que me sentei por longos momentos sentindo o pulsar da montanha que me envolvia como um manto de leveza que há muito já não sentia. Fui abraçado por aquela sensação de algo conquistado, o regresso a uma paisagem que já não via há muitos anos, apesar de estar sempre ali, à espera do meu regresso.

As sensações foram tão fortes que os minutos pareceram passar mais devagar, mas como em todos os bons momentos, chegara a hora de regressar e o regresso seria feito descendo para a Lameira da Mourisca antes de subir para o Curral do Conho e daqui seguir para a Lomba de Pau, passar a Gralheira e descer para o Colo da Preza a caminho do Vidoal, terminando então o dia de volta à Portela de Leonte.

Ficam algumas fotografias do dia...










































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)