As previsões apontavam para neve que poderia cair aos 200 metros, logo uma razão para mais uma sessão de fotografia na Serra do Gerês tirando partido do que poderá ser o último fôlego deste Inverno. Assim, deixei de parte as minhas tentativas de identificar o Laspedo e o Peito de Escada e dediquei-me a fazer uma curta volta por carreiros já conhecidos.
Saída então da Portela de Leonte já pintada de branco. Se assim era, o resto do caminho prometia! Durante todo o percurso nunca parou de nevar, raramente isso me acontece, mas desta vez foi a levar com neve do princípio ao fim. Subida prudente até ao Vidoal com o Pé de Cabril sempre coberto por um nevoeiro impenetrável. O primeiro vislumbro do seu pitão foi já ao sair do Vidoal em direcção à Preza (Freza)... oportunidade logo para uma foto com o cume como se de uma ilha se tratasse a aparecer por entre as nuvens. A caminhada foi-se fazendo sempre com prudência, a melhor amiga na montanha, pois o gelo cobria grande parte do caminho. Lá nos píncaros em tons de cinza as pinceladas de neve eram muito mais fortes.
Chegado à Preza, um vislumbre enevoado do Camalhão e de Teixeira lá no fundo, levemente pintados de branco. A neve, essa, continuava a cair por vezes calma numa paz profunda, por vezes puxada a um terrível vento frio. Altura para decidir qual o caminho a seguir: ou Raiz ou Lomba de Pau. Já conhecendo a Lomba de pau pintada de branco, decidi-me pela Raiz, assim descida para o Curral do Junco com o seu destruído forno e tanque escondido e posterior ligeira subida para o carreiro que me levaria ao Curral da Raiz que esperava de branco imaculado. Ao longe, a silhueta do Pé de Salgueiro rasgava o horizonte com farrapos de neve e gelo a reluzir com a luz do Sol que agora se fazia sentir, mas com a neve sempre a cair. Mesmo quando por vezes o céu se tornava azul como num truque de magia, os cristais de gelo reluziam suspensos no ar e em correntes que rodopiavam dançando em espirais caóticas.
Na ânsia de encontrar o caminho para a Raiz, acabei por seguir um outro carreiro que me levaria por pequenos prados abandonados com árvores decrepitas. Apesar da vegetação ali crescer como se não houvesse amanhã, notava-se que em tempos teriam sido zonas de pastagem, mas fui incapaz de notar a presença de fornos ou outros abrigos. Cheguei a um ponto numa corga profunda guardada por um gigante granítico. O granito ali forma construções naturais que mais parecem colunas de velhos templos aos deuses de outrora. Agora locais abandonados, escondem certamente outras passagens que antes da chegava da Primavera ainda serão visitados e talvez me levem ao tão desejado Curral do Arenado. O dia chegará...
Para não entrar mais na vegetação fechada, regresso pelo mesmo caminho e sigo então em direcção ao Curral da Raiz que infelizmente por esta altura já havia perdido o seu manto branco. No entanto, a neve continuava a cair mas no chão já não resistia ao calor da terra e desaparecia numa existência efémera como que só ali tivesse aparecido para compor o quadro da minha passagem. Como disse o João Gil, vemos sempre a nossa presença na montanha de forma poética...
Nesta altura decido então regressar ao ponto de partida percorrendo o carreiro repartido entre a Costa ad Cantina e a Corga de Mouro em direcção à estrada nacional. Porém, e um pouco depois de deixar o Curral da Raiz para trás, reparo numa mariola que certamente me levaria ao meu destino mas seguindo um trajecto «novo». Assim, imbuído de um espírito de conquista (...isto é poético, não é?), arremessei as botas ao caminho e em pouco tempo estava em plena Corga de Mourô vendo velhas paisagens através de novas perspectivas. Por vezes, o conhecimento da serra leva-nos a ignorar certos sinais e foi assim que durante muito tempo estes pequenos troços de história me passaram despercebidos... eu não os via, mas eles estavam lá. Possuído (...) de renovada energia, dei comigo no velho carreiro de acesso ao Vidoal, mas agora em sentido contrário. Um pouco mais abaixo decidi seguir por um caminho alternativo que me levaria um pouco mais abaixo na estrada nacional, mas com a oportunidade de vislumbrar o Curral de Cubatas.
A neve já havia desaparecido de Leonte, mas continuava a cair em pequenos flocos de gelo como que num último respirar, o último fôlego, deste Inverno... ou talvez não!
Algumas fotografias do dia...
Fotografias © Rui C. Barbosa