Bom, a verdade é que, como disse, já há muito que estava para lá ir e ver afinal o que era aquilo. Não esperava, porém, que todas as sensações e sentidos sofressem tamanho desafio quando lá chegasse: a paisagem é simplesmente de cortar a respiração! Um verdadeiro desafio aos sentidos com o qual nos faltam as palavras e adjectivos para descrever aquilo que vemos e acima de tudo o que sentimos em plena Serra do Gerês.
A Corneda
O caminho para lá chegar é sobejamente conhecido de muitos que visitam este blogue. Iniciando a subida na Portela de Leonte, enveredasse num trilho secular da vezeira que nos leva ao Vidoal (Mourô...). Daqui a paisagem já alcança largos horizontes com o olhar a raspar as serranias do Soajo e da Penada, enveredando-se Espanha adentro e com a Serra Amarela «já ali ao lado». Deixando o Vidoal para trás, tomamos o caminho que dobra o Outeiro Moço à vista de Lavadouros, Pé de Medela e Carris de Maceira, para então chegarmos ao limite do Gerês Florestal na Freza. Aqui o olhar mergulha para Camalhão e Teixeira, vendo o Pé de Salgueiro a guardar a passagem. Continuamos a jornada seguindo na direcção do velho marco e passados alguns minutos a subir (ou a contornar a encosta seguindo um outro carreiro) chegamos à Chã da Fonte, antecâmara da Lomba de Pau algumas dezenas de metros mais acima e depois de passar ao lado da fonte que dá nome à chã mais abaixo e do arco natural do Borrageiro, verdadeiro ex-libris esquecido do Gerês. Se até aqui a neve tinha-se feito sentir sem dificultar a passada, esta tornar-se-ia mais penosa com o aumento da quantidade de neve ainda resistente do mais recente nevão.
De qualquer das formas, o ritmo torna-se ligeiramente mais rápido, pois não havendo acentuados declives a caminhada torna-se mais suave e ligeira... não fosse, aqui e ali, a fraca resistência da neve nos obrigar a passadas mais cuidadosas. Passada a grande turfeira, chegamos a uma zona onde a neve era mais profunda (chegando em algumas zonas a acumular cerca de 1 metro de neve). Caminhando com mais cuidado, ultrapassasse o obstáculo e as pequenas ribeiras alimentadas pelo degelo. O Prado da Lomba de Pau fica agora à nossa esquerda e depois de passar o riacho, chegamos então à varanda que nos permite ver o Gerês profundo com o Curral do Conho já ali em baixo. A vista abarca então já os píncaros do Cabeço da Cova da Porca (Torrinheira) e de Cidadelhe, com o Borrageiro e Porta Ruivas a dominarem parte da paisagem.
A passagem da duas grandes mariolas que marcam a descida para o Conho foi outro momento mais cuidadoso, pois toda a encosta estava ainda coberta com um espesso manto de neve que felizmente sustentava o peso, facilitando assim a progressão. Chegados ao Conho, tempo para algumas fotografias do gigante penedo, e seguiu-se para o meu objectivo: as duas mariolas para lá do Conho. De facto, são mesmo duas mariolas que assinalam os pontos mais elevados daquela área, havendo aqui e ali pelo caminho mariolas mais pequenas que marcavam um velho carreiro há muito desaparecido por entre a urze.
A paisagem é soberba, única! O olhar abarca toda a imensidão dos Prados da Messe e do Curral da Pedra, balançando o olhar entre as Albas e o Canterelo. Ao lado das Albas, o Vale do Ribeiro do Porto das Vacas inicia-se só para terminar ao pé das Fichinhas. O som das quedas de água é presença constante naquele momento onde o vento se amaina perante soberba criação. Do Canterelo o olhar agitasse e vai percorrer os píncaros serranos, imaginando a passagem pelo estremo da Corga da Água da Pala a caminho do cabeço da Cova da Porca e de Cidadelhe. De um salto, chegamos ao Borrageiro e imaginamos o Corgo de Valongo antes de chegar a Porta Ruivas, verdadeiro altar pagão no meio do Gerês. De Porta Ruivas mergulhamos no vazio para chegar ao Rio da Touça antes de iniciarmos a escalada pelas escarpas das Velas Brancas até ao Iteiro de Ovos e Meda de Rocalva. No momento, uma vontade de tudo abarcar com um só olhar e fechar os olhos, tentando gravar na retina para todo o sempre aquela paisagem, uma eloquência da Natureza, que nos enche a alma com uma imensidão difícil de compreender. As paisagens repetem-se em ambos os pontos altos, como que numa tentativa de firmar tudo aquilo que acabamos de ver.
Interessante naqueles escarpados que mergulham aos nossos pés, velhas mariolas que espreitam do passado como que a guardar velhos segredos de outros tempos e a convidar para outras aventuras. Tudo a seu tempo!
Fotografias © Rui C. Barbosa
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