Percorrer os velhos trilhos na Serra do Gerês é penetrar num mundo quase esquecido de histórias e paisagens únicas em Portugal. Não digo que são comparáveis a outras paisagens noutras paragens longínquas, pois estas paisagens estrangeiras não nos transmitem o orgulho na terra e imensidão da nossa alma.
O objectivo da sortida de hoje era atingir o Curral de Lagarinho nos domínios de Fafião. Localizado foram do fantástico Trilho da Vezeira de Fafião, o Curral de Lagarinho representa um prémio apetecível a todos aqueles que percorrem aquelas paragens. Por outro lado, e tal como se constata ao percorrer o trilho da vezeira, o Curral de Lagarinho foi construído com o mesmo cuidado e o mesmo saber que as gentes de Fafião aplicaram em todos os currais que são percorridos nos dias quentes das vezeiras e por onde os gados vão pastando calmamente.
A jornada começa na Tribela e segue em direcção à Ponte de Servas onde atravessámos o Rio do Conho. Subindo em direcção ao Curral de Pinhô a nossa visão é sempre atraída pela épica paisagem que embeleza o fundo do Vale do Rio Conho com o Cutelo de Pias (ou Roca de Pias, à direita) e a Roca Negra (à esquerda) que parecem representar duas colunas que marcam a passagem para o Gerês profundo. São como que dois gigantes que guardam a montanha... Passando o Curral de Pinhô, enveredamos por um estradão em terra batida ladeado pela Roca de Pinhô, até atingirmos uma pequena represa (ou tanque) e um pouco mais à frente entramos num caminho de pé posto junto a um grande sobreiro. Este caminho fazer-nos-á passar entre o Curral de Pousada e a Chã de Touro de Trigo, entrando por algumas centenas de metros no percurso do Trilho da Vezeira de Fafião para o abandonar mais adiante, enveredando à direita («ao lado» do Curral de Pousada) para seguirmos para o Curral de Bicos Altos.
Seguindo esguio e serpenteando entre a penedia, chegamos a um vale fechado na sua extremidade Norte e ladeado a Este pelos Bicos Altos que sombreiam um característico curral serrano. A paisagem é envolvente e a nossa dimensão toma outra escala à vista dos píncaros que parecem nos esmagar numa torrente de calhaus e pesadas pedras em equilíbrios periclitantes. É do Curral de Bicos Altos que vamos seguir para um outro local de pasto, o Curral da Amarela. A caminhada leva-nos quase ao bordo do imenso Vale do Rio de Fafião por onde se vê seguir o bem definido Trilho da Vezeira de Fafião. Ao ganharmos altitude, e à medida que a serra vai descendo, tornam-se distinguíveis vários cumes da Serra do Gerês, tais como Borrageiros (nas paragens de Xertelo), Porta Roivas e Iteiro d'Ovos. O perfil do Iteiro d'Ovos é como que o perfil de um deus na montanha, marcando a sua presença ao longo de vários quilómetros à medida que nos aproximamos do nosso objectivo e à medida que nos iremos afastando dele.
Após vencermos e declive que se iniciou no Curral de Bicos Altos, vamos entrar numa zona plana já à vista do Curral da Amarela. É a partir daqui que faremos a descida para o Curral de Lagarinho. De facto, parecem existir duas ou três opções para descermos para Lagarinho. A primeira será a mais fácil, seguindo o carreiro marcado por uma mariola que se encontra à direita logo à chegada à Amarela. Este carreiro levar-nos-á a um trilho bem definido e «recentemente» aberto pelas gentes de Fafião. A segundo opção será um carreiro que se inicia após o Curral da Amarela e que irá encontrar Lagarinho vindo do Norte. A terceira opção será uma descida quase a festo em direcção a Este, chegando a Lagarinho pelas «traseiras» do abrigo dos pastores lá existente.
Tal como a maioria dos currais serranos, o Curral de Lagarinho é um oásis de beleza, natureza e engenho humano na Serra do Gerês. Tirando partido da geografia do terreno, o curral encontra-se abrigado dos ventos fortes que ali podem soprar, sendo aberto somente para Sul. Embelezado por enormes carvalhos, é um local de visita quase obrigatória.
Após uma curta pausa para líquidos (tanto entradas como saídas...) prosseguimos a caminhada seguindo em direcção a Norte. O nosso objectivo era agora o Vale do Rio Laço! Mais uma vez tiramos partido dos carreiros recém-abertos que nos facilitou a orientação. Nesta altura o vento soprava muito forte com rajadas que certamente atingiriam os 60 km/h ou 70 km/h, sendo por vezes haver uma boa estabilização para fotografas ou mesmo para caminhar. Este facto toldou ainda mais a vertiginosa descida que iríamos fazer nos minutos seguintes. Após deixarmos Lagarinho, tínhamos de descer em direcção ao Vale do Rio Laço à vista do Curral da Touça e de Porta Ruivas. Foi uma descida cheia de adrenalina de cerca de 200 metros através de um estreito caminho que ia perdendo altitude aproveitando os declives do terreno e ziguezagueando encosta abaixo. No final da vertiginosa descida ficou a vontade de voltar a fazer aquele caminho, mas agora no sentido contrário e vencendo o declive ao ganhar altitude em direcção ao Curral de Lagarinho.
Estávamos agora no leito do Rio Laço e impunha-se uma passagem pelo Curral da Touça antes de iniciarmos a subida do Vale do Rio Laço que nos levaria ao Estreito e de volta ao Trilho da Vezeira de Fafião. O vale leva-nos desde os 810 metros de altitude até aos 1140 metros de altitude através de um magnífico percurso ladeado pelo Iteiro de Ovos e pelas escarpas serranas que servem de contraforte aos Bicos Altos muito mais a Sul. Pelo caminho, e após atravessar o Rio Laço e outros pequenos cursos de água, passamos pelo Curral do Laço, um pequeno curral escondido por entre carvalhos e arvoredos, e que mais uma vez demonstra o aproveitamento de algumas zonas serranas para pastagem ou guarda dos gados. À medida que íamos ganhando altitude, o vale ia-se abrindo ao nosso olhar, mostrando a sua forma característica. A Touça e Porta Roivas iam ficando mais longe à medida que nos aproximávamos do Estreito que nos permitiria ver a Roca Negra, a Rocalva e pensando já numa próxima caminhada ao Iteiro de Ovos.
O resto do percurso levou-nos a Pradolã e daqui à Carvalhosa passando a Norte do Curral de Pousada e descendo para o Curral de Pinhô à vista dos Portelos do Rio Conho e dali para a Tribela através da Ponte de Servas finalizando assim um percurso de cerca de 21 km.
Algumas fotos do dia...
Fotografias © Rui C. Barbosa
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