A caminhada às cimeiras geresianas erodidas pelos elementos é sempre um desafio físico, sendo um prazer quando mergulhamos na tranquilidade profunda da montanha. Mesmo a caminhada por carreiros muitas vezes já percorridos, leva-nos a novas sensações, pois o dia é outro, o estado de espírito é outro e a companhia é outra. E a montanha é isto mesmo; a partilha de emoções e a emocionante gratificação pela emoção do outro.
Isto acontece amiúde quando caminhamos por caminhos já caminhados ainda recentemente, mas tendo em mente o objectivo a atingir. Desta feita, seria a Torrinheira e o Curral de Premuinho.
A tranquilidade matinal da Mata de Albergaria recebe o visitante do Parque Nacional como se este estivesse no passado. Escutamos o correr das águas do Forno e do Maceira que juntam forças antes de alimentar o Homem, e o lento balancear do arvoredo na brisa da manhã torna a paisagem mais dinâmica.
Costa de Sabrosa acima, o mundo ia-se afundando atrás de mim enquanto as paredes graníticas do Cantarelo se encrespavam por entre o caos de rochas aprumadas que limitavam o horizonte. Por aqui, a subida é sempre feita em força, pois a montanha obriga-nos à sua veneração olhando o profundo vale do Rio Forno que se vai fechando e elevando ao formar as paredes alcantiladas do Cabeço do Corno Godinho e as muralhas do Pé de Medela. Com largos horizontes, a paisagem alarga-se pela albufeira da Barragem de Vilarinho das Furnas e eleva-se para o Pé de Cabril, para a Serra Amarela e para os altos de Soajo e Peneda, entrando Galiza adentro.
Percorrendo a encosta e passando sobre o Canto do Rio Forno, a larga trepada leva-nos à Lameira das Ruivas e prossegue pelo topo da Água dos Vidros até perto da Lomba de Burro já nas imediações dos Prados da Messe. Ladeando-a numa flexão à esquerda através de velhos carreiros, continua-se a subida à vista da imensidão do Cantarelo que realça a beleza dos Prados Caveiros agora engalanados de Primavera à medida que estes se ocultam na volta da Lomba do Cantarelo e se vai ganhando altitude para chegar à Chã do Cimo da Água da Pala.
Caminhando já à vista de imensos horizontes, o nosso olhar vai mergulhar no imenso vale do Rio da Touça e no Vale de Fechinhas, sendo este coroado pelos altos de Rocalva e Roca Negra. Para Sul, Porta Ruivas faz-se notar e a Nascente o promontório granítico de Borrageiros é indisfarçável.
O primeiro objectivo do dia seria o cume da Torrinheira (também conhecido como 'Cabeço da Cova da Porca' ou 'Estorrinheira') que é facilmente atingido pela «face» Norte. Nas imediações encontramos os restos de uma pequena exploração mineira ali feita nos anos 40 do século XX.
Após uma curta pausa, inicia-se a descida ao longo do bordo da profunda Corga de Cagarouço que se abre para o Rechão, já no Vale do Alto Homem. Apreciando a Ravina da Cova da Porca, um só poderá imaginar como as gentes do Campo do Gerês subiam aquelas paredes para conseguir chegar a Absedo? O vale é profundo e de certa forma grotesco na forma como se afunda no granito; simplesmente magnífico, simplesmente majestoso!
Descido o bordo da corga e flectindo à direita, chegamos ao enigmático Curral de Absedo cuja sua visão acompanhara-nos na descida. Perfeitamente circular e com um muro de divisão mais ou menos orientado no sentido Nascente - Poente, o curral é um dos mais extremos da Serra do Gerês. A sua localização representa quase como que uma representação da «luta» do homem na sua sobrevivência nestas serras. Com o seu forno pastoril alagado, o curral é ainda visitado pelos animais nas suas longas deambulações pela serra. O local traz-nos a tranquilidade e o silêncio dos locais longínquos numa montanha perdida nas grandes cordilheiras do mundo.
Deixando para trás o Absedo e as suas rupestres figuras, segue-se em direcção ao Curral de Premuinho percorrendo o topo superior da Corga de Valongo que se afunda na terra por entre imensas paredes de granito. Premuinho fica já nas imediações do carreiro que liga os Prados da Messe a Borrageiros, e o seu forno pastoril foi recentemente reparado e identificado. É por este carreiro que se enceta o regresso, passando pelo Rendeiro e Prados da Messe, prosseguindo depois por Porto de Vacas, Cural do Conho, Lomba de Pau, Gralheira, e descendo então para a Chã da Fonte, Preza e Vidoal. A caminhada neste imenso dia terminaria na Portela de Leonte.
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)