Escondida à vista de todos, a Corga de Pena Calva leva-nos para as profundezas da Serra do Gerês através de um carreiro que se afunda nas proximidades de um ribeiro tumultuoso. A cada recorte do granito, procuramos a visão de algo distinto sem nos apercebermos que o fechado e alcantilado vale que nos envolve é, em si próprio, distinto.
Por muito que calcorreie a geresiana serra com as suas épicas montanhas e dantescas corgas, jamais me deixo de surpreender de assombro com a visão que tais paisagens me proporcionam. Já em tempos disse que estas montanhas podem ser «pequenas», mas são gigantescas em personalidade reduzindo-nos à nossa insignificância perante enormidade da sua grandeza!
Para este dia tinha três objectivos: percorrer a Corga de Pena Calva, visitar o misterioso curral nas margens do ribeiro da Corga Mão de Cavalo e subir o velho carreiro para o Fojo de Alcântara.
O dia começou soalheiro, mas frio nas terras do Campo do Gerês, e soalheiro e frio se mantinha nas alturas de Xertelo, onde começo a caminhar seguindo traçado do Trilho dos Poços Verdes de Sobroso. O percurso leva-nos pelo Cubo de Baixo (passando por um típico moinho de cubo vertical) permitindo uma bela paisagem sobre o vale de Cabril, da Surreira do Meio-dia e do Fojo do lobo de Xertelo. Seguindo a levada, seguimos pela encosta de Xertelo e Alto do Facho até chegar ao estradão no bordo do Rio Laboreiro. Atravessando a ponte para a encosta da Bela do Lobeiro, o percurso vai então descer para passar pela mini-hídrica onde inicia o regresso. Neste ponto, fiz um desvio para a Laje dos Infernos e segui então o carreiro que, percorrendo a Ladeira de Pena Calva, aprofunda-se na Corga de Pena Calva. O vale onde caminhamos é imenso, fechado e profundo, tendo ao fundo a quase intransponível Ladeira de Chamiçais que termina no alto que domina a paisagem naquelas paragens. O caminho vai-se perdendo por entre a vegetação que cresce rebelde e as mariolas escondem-se esguias na paisagem. A parte final, seguindo na direcção Oeste pela margem das sucessivas ruidosas quedas de água, é feita a prumo pondo à prova toda a resiliência. Somos nós e a montanha, nada mais!
Vencida a Ladeira de Pena Calva surge-nos a imensidão do Couço coroada pelos altos titânicos de Borrageiros. Diante de nós, a tranquilidade de Lagoa espreia-se por entre os seus cuidados currais. É tempo de refrescar o corpo e saciar a sede, pois o caminho continua e a Primavera ainda vai no princípio!
Chegando de novo à estrada florestal que agora desce na direcção do Porto da Laje, arrepiamos caminho aqui e ali, ladeando o Alto de Lagoa e descendo, descendo já à vista das Portas do Abelheiro enquanto a Corga Mão de Carvalho (nas cartas topográficas designado como "Corga Mão de Cavalo") vai-se desenhando e o vale se abre numa sucessão de pequenos vales que mergulham na profundidade do horizonte. Ao fundo, eleva-se a parede de Lagarinho que guarda no seu alto um curral a qual devo uma adiada visita há já muito tempo.
O segundo objectivo surge então nas profundezas, com o pequeno e incógnito curral abandonado a localizar-se na margem esquerda da Corga Mão de Carvalho. O seu forno pastoril encontra-se alagado e parte tomado pela vegetação. Daqui, a paisagem é imensa, solene até! As paredes sobranceiras às corgas que derivam do Fojo de Alcântara formam uma muralha enorme, dando a sensação de se precipitarem sobre nós. Os sentidos estão todos atentos aos mais pequenos detalhes, seja ele o som que nos arrepia a pela, o vislumbre da sombra que chama a atenção, a sensação da brisa fria que nos lambe a pele e os cheiros primaveris que polvilhão a serra. Tudo é grande! Tudo é imenso! Tudo é Serra do Gerês!
Após o descanso, um bom almoço e um reconfortante café em montanha, 'botei botas ao caminho e precipitei-me serra acima no sentido das velhas mariolas que me conduziriam ao misterioso Fojo de Alcântara. Chegando de novo ao caminho florestal, o velho carreiro inicia-se junto de uma fonte e logo de início mostra que não será trepada fácil. O passar dos anos e a pouca utilização do carreiro fizeram com que este desaparecesse, restando apenas as grandes mariolas que nos orientam encosta acima. Por vezes, a demanda não é fácil e o terreno arenoso de granito quebrado avisa-nos de que a subida terá de ser paciente. Atrás de nós, o vale afunda-se à medida que ansiamos as alturas e as paredes tornam-se mais verticais. Sou surpreendido pela majestosa beleza da torre granítica que se eleva nas Portas do Abelheiro e a que baptizo de "Quina das Portas do Abelheiro". Uma obra magistral de paciência e de beleza da natureza!
Caminhando por um caminho há muito duvidoso, encontro de novo as velhas mariolas já muito próximo do velho e decrépito fojo do lobo esquecido nas alturas e que já merecia uma intervenção de conservação. Local que nos lembra a eterna luta entre Homem e Lobo, a zona é surpreendentemente silenciosa e magistralmente bela!
Chegado então ao Fojo de Alcântara, era hora de encetar o longo regresso a Xertelo, seguindo pela estrada florestal que me levou a passar nas imediações da Roca Alta e dos Currais de Virtelo, passando a Corga de Virtelo e a Corga das Quebradas antes de chegar ao desvio que fiz para a Corga de Pena Calva.
Ficam algumas fotografias do dia...
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
1 comentário:
Rui, simplesmente magnífico que descrição do percurso! A tempos que ansiava por ler uma investida de alguém na corga de pena calva. Espetacular!! Sem dúvida que é um lugar (muito) pouco visitado e que no verão convida a banhos. É incrível como a serra do Gerês esconde os currais mesmo ao lado de um estradão, onde passa tanta gente. Merecia uma intervenção de cabril e pincães esse curral. Fico a "espera" de lagarinho!
Saudações montanheiras.
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