terça-feira, 4 de junho de 2024

Trilhos seculares - Caminhada a Porta Roibas

 


A jornada pela Serra do Gerês que nos leva a Porta Roibas, é uma experiência única de montanha em todo o Parque Nacional da Peneda-Gerês. A caminhada leva-nos por largas paisagens, férteis currais e cenários de rocha em vales profundos. Esta é uma caminhada que não é fácil devido à sua extensão e mais difícil se torna nos dias quentes. Este dia começou já quente e sem uma brisa que ajudasse a acalmar os primeiros passos; um cenário que - felizmente - se iria alterar em altitude.

Porta Roibas apresenta-se quase como um marco montanhoso em toda a Serra do Gerês e a jornada até lá leva-nos a percorrer uma das zonas mais selvagens da serra, seguindo por um percurso que iniciado nos Prados da Messe e dirigindo-se para Nascente nos poderá levar a Borrageiros e à mina que se abriga à sua sombra.




Em Porta Roibas encontramos um pequeno curral, exemplo do aproveitamento dos espaços por parte do homem serrano que viu ali como que uma fortaleza para guardar os seus animais durante os longos dias de vezeira. Se uma parte está defendida pelo promontório granítico que o caracteriza à distância, o curral abre-se para o abismo da Corga de Valongo encimado pelas Quinas da Arrocela. Mesmo ali adiante, o alto de Borrageiros é outro ponto distinto na paisagem, um colosso titânico adormecido e para o qual olhamos com reverência e respeito.

O percurso para chegar a Porta Roibas iniciou-se na Portela de Leonte passando pela Chã do Carvalho após ultrapassar o inclinado caminho que ora nos surpreende pelo ziguezaguear encosta acima, ora nos surpreende para dimensão de uma «calçada», fruto de árduo trabalho de há séculos. Atrás de nós, o gigante farol da serra vai ganhando corpulência e o Pé de Cabril ergue-se majestoso contra os céus que o veneram como um Deus adormecido. Para lá da chã, e num declive mais suave, chegamos ao Vidoal contemplando a imponência do Pé de Medela e de Carris de Maceira na continuação de um quadro rochoso que nos assombra ao passar pelas profundezas dos Cântaros, pela verticalidade da Roca d'Arte e pela altivez de Lavadouros.



Deixando o Vidoal para trás, e ladeando o Outeiro Moço por Norte, chegamos ao Colo da Preza para contemplar o longo Vale de Teixeira. Daqui, sobe-se à Chã da Fonte após contemplar o comprido vale entre o Camalhão (Cambalhão) e Teixeira, e continua-se para o Curral do Conho por Lamas de Borrageiro, Chã de Gralheira e Lomba de Pau, subindo e descendo pequenas corgas.

Antes da descida para o Conho, facilmente se observa o nosso destino logo a seguir à imensa garganta que se abre em Fechinhas. Passando o Curral do Conho e seguindo o percurso da vezeira com as Albas como pano de fundo, passa-se o Ribeiro do Porto de Vacas e segue-se para o Curral da Pedra. Antes de chegar aos Prados da Messe devemos flectir à direita e descobrir as mariolas que nos levarão a entrar no Gerês quase selvagem.




Após entrarmos no pequeno vale que se segue aos Prados da Messe e de seguir pelo Rendeiro com o seu portelo, vamos superar a primeira encosta caracterizada por uma série de mariolas e aqui teremos duas opções para chegar a Porta Roibas. Seguindo o percurso devidamente assinalado por grandes mariolas, vamos chegar perto do Curral de Premuinho. De facto, é mesmo na corga anterior que devemos seguir à direita também por um carreiro marcado com mariolas e recuperado, e que nos levará a Porta Ruivas! Ou então, mesmo antes de chegar a uma pequena corga, podemos baixar ao Curral de Bezerros e a partir daqui, olhando com atenção para a vertente que segue em direcção ao nosso objectivo, descortinar as velhas e pequenas mariolas que vão resistindo à passagem do tempo e que nos idos passados marcavam a ligação até às planuras que antecedem Porta Roibas e que nos levam a contemplar o imenso vale glaciar que se abre da Mourisca até Fechinhas.

Ponderando descer ao Curral de Bezerros, o vislumbre do matagal primaveril na encosta a seguir convenceu-me a seguir o carreiro usual que passa nas imediações do Curral de Premuinho e que nos leva a Porta Roibas. Esta parte do carreiro oferece-nos (mais) uma paisagem de assombro ao caminharmos ao longo da Corga de Valongo e com o alto de Borrageiros a dominar a paisagem. O cenário que aqui se cria, colorido de granito e recheado de vazio pelos alcantilados que se projectam desde o fundo dos vales, é digno de um poema, uma jóia cénica que a Serra do Gerês nos oferece e que espanta a cada visita.




O já, mais do que merecido descanso fez-se então à sombra do pequeno carvalho que contempla o Curral de Porta Roibas por entre a imensidão do silêncio que se instala. Ali, domina a tranquilidade e a grandeza dos grandes espaço!

A jornada de regresso foi inicialmente marcada pela necessidade de abastecer de água. Por esta altura, com os ribeiros já em depressão e com a presença das vezeiras na serra, a recolha de água deve ser feita com cuidado para evitar dissabores. Felizmente, a Fonte de Premuinho é uma nascente da qual sempre brota água em todo o ano. Assim, saindo de Porta Roibas e experimentando diferentes carreiros que me levaram em parte do caminho pelo bordo da Corga de Valongo, segui em direcção a Premuinho.

Por muitas vezes que caminhe por estas paragens, haverá sempre algo que me desperta a curiosidade e me leve a decidir voltar «em breve». Isto pode ser o vestígio de um velho abrigo, um carreiro manhoso ou várias mariolas perdidas por entre paisagem no meio do nada. Compreender os locais por onde passámos e conhecer a sua história, ajuda-nos a sentir a caminhada de modo diferente. Ignorar a sua história e achar que aquilo está ali somente por nossa causa, é apenas egoísmo e pura estupidez de quem não sabe e nem compreende onde está. Não falta gente assim... Na distância, e enquanto percorria um pequeno vale, tive o vislumbre de velhas mariolas em contra-luz. Foi o mote para deixar o carreiro onde caminhava e ir investigar o que acabara de ver. Chegando àquele ponto onde estava a primeira mariola, logo surgiram mais duas ou três assinalando uma passagem abrupta na encosta para o fundo da Corga de Valongo. Nos tempos idos, a corga serviu de passagem pelo Cambeiro para os que iam vender o carvão ao Teixo, no Vale do Homem, e de facto pode-se ainda observar com atenção e «olhos de ver» os vestígios do velho carreiro no fundo do vale. Fica para uma próxima visita...

Abastecido de água na Fonte de Premuinho, segui pela encosta da Torrinheira (Cabeço da Cova da Porca) para tomar o caminho que me levaria aos Prados da Messe. Já numa caminhada anterior, ao descer para a Chã do Cimo da Água da Pala, notei no OSM o traçado de um caminho carreteiro no lado oposto por onde caminhava, porém, e por muito esforço que tivesse feito, não vi qualquer vislumbre da sua existência. De facto, e ao olhar com mais cuidado para o seu traçado, só se pode chegar à conclusão que por ali nunca teria passado num caminho e no OSM este traçado surgiu há muito pouco tempo. Esse traçado fantasma «vem» do Cabeço do Cantarelo, atravessa o topo da Corga da Água da Pala e segue depois em linha recta (!) na direcção da Torrinheira, atravessando a direito todas as corgas que lhe surgem adiante.

Lembro-me que em tempos, na aplicação Wikiloc, surgiam muitos traçados que tinham mesmo a «carinha» de serem feitos no Google Earth e depois transferidos para essa plataforma, assim mostrando a «larga experiência» de quem os, supostamente, teria percorrido. Os resultados dessa palermice não tardaram a aparecer, com muita gente a ter sérios problemas com esses ficheiros quando no terreno surgiam largas áreas impenetráveis e intransponíveis. 

Passando a Sul do Cantarelo, descia então para os Prados da Messe, local de repor forças para a parte final da jornada que me levaria a subir pela margem esquerda do Ribeiro do Porto de Vacas até ao topo da Corga dos Cântaros e daqui segui para o Curral de Carris de Maceira, descendo então para as Tábuas e Curral de Maceira. A parte final do percurso levou-me a passar junto do Curral de S. João do Campo e da velha fonte dos Serviços Florestais, já nas proximidades da Casa Florestal de Leonte de onde havia partido de manhã.

O percurso teve uma extensão de 23,2 km e um D+ 1.048 m.






















Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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