quarta-feira, 12 de junho de 2024

Serra do Gerês - De Xertelo à Matança, ou a beleza da (re)descoberta

 


Na verdade, o destino desta caminhada era a imensa Lamalonga, iniciada a jornada em Xertelo. Os planos mudaram quando depois de olhar para as profundezas da Volta da Cuba me vi no extremo da longa crista de Matança.

Por estes dias desperto cedo quando a aldeia ainda não se espreguiçou e o galo ainda dorme o sono dos justos. Por entre o insistente miar da Freya e o seu ronronar, lá me levanto e inicio o habitual processo de alimentar a gatice, estão sempre «todos» à porta.

Romagem para Cabril com o Sol já liberto dos limites do horizonte e subida para Xertelo onde de manhã sopra sempre uma brisa que nos impele à descoberta. A parte inicial da caminhada percorre a longa levada que serve de traçado ao Trilho dos Poços Verdes do Sobroso até chegar à estrada florestal que se alonga até ao Porto da Laje. O meu destino fica noutra direcção e como tal, procuro a «entrada» para a aventura. As mariolas assinalam as passagens do carreiro aqui e ali escondido pela vegetação. Em breve, estamos nas margens do Ribeiro do Penedo e passamos para a sua margem direita à sombra do fantástico tor que se ergue ali perto. O caminho começa então a subir de forma decidida a encosta deixando para trás a Bela do Lobreiro. Continuando a ganhar altitude, o carreiro vai-nos levar até à Laje dos Bois e ao longo do caminho surgem as paisagens associadas às vezeiras e à milenar ocupação do território.




Um ar frio ajuda na jornada e o céu pontilha-se de nuvens que mais a Norte anunciariam chuva para as terras galegas. Por vezes, caminha-se por entre um caos granítico que dá lugar às profundas paisagens da Corga de Sabroso e da imensa encosta dos Chamiçais que se despenha pela Terra Brava. Caminha-se ora por terra húmida, ora por largas placas graníticas usuais destas altitudes na Serra do Gerês. Mais adiante, surge-nos o característico 'S' da Volta da Cuba e o verde do curral com o mesmo nome um pouco a jusante.

Estamos nas profundezas da Serra do Gerês e mergulhamos com reverência na tranquilidade da sua existência. Absorvemos cada momento, cada paisagem, cada som que nos ajuda a compreender as sensações que vão surgindo.

Passando o Curral de Ruaz, mais uns passos e começam a surgir os picos mais elevados a Norte, enquanto a Lamalonga vai completar o cenário que já aguardamos. A grandeza da velha escombreira surge como uma cicatriz na paisagem resultante dos anos de exploração do volfrâmio nas Minas dos Carris.




Inicio então a descida que eventualmente me levaria à parte Sul da Lamalonga depois de passar a Sesta de Lamalonga, mas o vislumbre de uma velha mariola faz-me mudar de planos. Há muito que desejava percorrer a crista de Matança e experimentar a sensação de observar velhas paisagens com novas perspectivas. Subindo e descendo pequenas corgas que se despenham até ao curso de água que agora tem o nome de "Ribeira das Negras", observando cada recanto e a textura do granito, as suas formas peculiares e os intrincados processos que originaram as paisagens daquelas paragens. «Saltando» de alto em alto vou vendo a Lamalonga e as pequenas mudanças na paisagem para os lados do Castanheiro. A certo ponto, surge esquecido de anos um canivete suíço queimado do Sol com uma rolha de cortiça toda carcomida pela passagem dos anos, uma memória esquecida naquele lugar de repasto que agora se junta às recordações das inúmeras caminhadas pelo nosso único Parque Nacional.

Subindo e descendo, trepa-se e pára-se, olha-se e sente-se, por vezes imagina-se! Continuo pela crista e de repente deparo-me com uma bela paisagem de uma grande rocha que a casualidade da evolução geológica deixou assente em três pedras mais pequenas. Um verdadeiro monumento natural que mereceu uma paragem mais prolongada antes de subir ao alto de Matança.




O alto de Matança está já próximo do extremo Norte de Lamalonga. Topónimo peculiar, não é, no entanto, caso único nem na Serra do Gerês nem no Parque Nacional. No entanto, é sem dúvida um local singular, pois a partir daquele ponto a paisagem é abrangente sobre a Lamalonga e sobre a Ribeira das Negras, com o horizonte a alargar-se para lá do Castanheiro.

Foi neste local de acabei por «descobrir» o Círculo de Matança sobre o qual podem ler aqui. São estes momentos de descoberta e de emoção que tornam estas jornadas ainda mais especiais. Do texto assinalado, retiro e sublinho o seguinte para aqueles que têm alguma dificuldade em compreender (se for necessário, leiam mais de duas vezes... não faço desenhos)...

Para mim, caminhar na montanha é muito mais do que fotografias bonitas e declarações no Facebook. Uma caminhada sem uma «descoberta», uma caminhada sem algo de novo, quase que acaba por ser tempo perdido. E chegamos a uma altura em que, de facto, tempo é coisa que não queremos perder.

Assim, todos os sentidos estão em alerta! Em alerta por marcas da História, e ignorá-la é apenas uma marca da ignorância e estupidez. A História marcou a paisagem e a simbiose entre Homem e Montanha, e ignorar os seus sentimentos, o que ela nos diz só porque pensamos que somos o centro de tudo, o que somos o objectivo máximo de ali estar, é só uma tentativa de justificar o que fazemos quando o que fazemos não é nada do que estamos a fazer.

Em alerta pela vida que nos rodeia na montanha; quer seja a vezeira, quer sejam os animais e a Natureza que está na sua casa; quer seja respeitar quem ali vive. Se não for assim, então é tudo um vazio... tão vazio como as publicações de vã glória e de um efémero nas redes sociais.

Em alerta por nós próprios. Se não saímos dali mais ricos e melhores do que quando ali chegámos, então foi tempo perdido.

Descendo do alto de Matança, e depois de «estudar» mais alguns locais, segui para a Eira de Matança, pois o esforço já merecia uma paragem e o corpo pedia alimento.



Com um dia excelente para a caminhada de montanha, o calor fez-se sentir ao princípio da tarde ao reatar a jornada que agora me levaria ao alto do Castanheiro para visitar a sua zona mineira. O caminho leva-nos pelo alto do Vale da Ribeira de Biduiças até chegar ao sopé do Castanheiro. Tomando um carreiro a Poente, em breve estava junto do marco geodésico que nos oferece uma magnífica panorâmica da Serra do Gerês.

No Castanheiro a paisagem é soberba por entre o granito fragmentado e quebrado pelas estações; os gelos do Inverno que se intercalam com o braseiro dos dias de Verão, tornam aquele granito num aspecto peculiar, como se a Natureza tivesse o especial cuidado de o polir de uma outra forma. Daquele alto, a paisagem alarga-se de forma única, iniciando-se nas alturas da Roca Negra e Borrageiros, passando pelos píncaros do Outeiro do Pássaro, das Lamas de Homem, dos Carris e Nevosa, até à serra de Pitões das Júnias com os seus Cornos da Fonte Fria. Mas não só destas elevações se espanta o olhar, pois a profundidade das corgas e a lonjura dos vales marcam a paisagem como se um quadro se tratasse. 

Os mais atentos, irão notar não muito longe as marcas da exploração do volfrâmio realizada nas décadas de 40 e 50 do último século. Para além das três concessões na proximidade dos Carris, a Sociedade Mineira dos Castelos, Lda., que detinha as concessões mineiras perto do marco geodésico dos Carris iniciou também a exploração da concessão do Castanheiro localizada a cerca de 4 km a Sudoeste das concessões principais.




No plano de lavra datado de 3 de Julho de 1943 e elaborado por Francisco da Silva Pinto, Director Técnico da concessão, é referido que a concessão se situa nos limites do lugar de Lapela, freguesia de Cabril, e que o ponto de partida para a sua demarcação é o centro geométrico de uma casa denominada ‘Casa da Cabana’ localizada no sítio do Castanheiro, estando o ponto de partida devidamente ligado à rede geral de triangulação nacional por intermédio das pirâmides geodésicas de Lamas, Cerdeira e S. Bento. Tal como acontece nos altos serranos, a topografia do local é bastante acidentada com terrenos baldios, sem culturas e não apresentando aspectos especiais ao nível da geologia. Na área estava reconhecido um único filão volframítico, mas supunha-se poder ocorrer o aparecimento de mais filões pois as características dos filões já reconhecidos noutras concessões apontavam sempre para a presença de vários filões paralelos semelhantes ao que havia sido reconhecido.

O filão do Castanheiro apresentava-se em veios de quartzo com impregnações de volframite, pirites e óxidos de ferro, tendo uma direcção geral de Nordeste e inclinação vertical. A sua possança era variável, apresentando-se em bolçadas mais ou menos extensas com uma possança média de 0,20. Na altura da apresentação do plano de lavra, o filão estava reconhecido em cerca 350 metros não havendo na altura reconhecimento de aluviões por não terem sido realizados trabalhos de reconhecimento com esse intuito.

Tal como aconteceu com várias concessões, os trabalhos realizados na mina do Castanheiro constavam de uma série de sanjas ao longo do filão com uma profundidade média de 5 metros e com uma largura de 2 metros. Estes trabalhos haviam sido realizados pelo proprietário anterior que haviam sido suspensos, estando na altura a Sociedade a proceder a trabalhos de entivação e aterro de modo que os trabalhos pudessem ser executados “segundo as regras da arte de minas.” O plano de lavra previa a divisão do filão em maciços de desmonte que seriam limitados por galerias e chaminés segundo o filão. Para a obtenção do maior número de frentes de trabalho, estava prevista a abertura de galerias em direcção aos níveis 1060 m, 1080 m, 1100 m e 1120 m. As galerias dos 1060 e 1100 eram consideradas de circulação e extracção e teriam secções trapezoidais com base de 2,00 X 1,50 metros e altura de 2,00 metros, sendo as restantes também em secção trapezoidal com base de 1,50 X 1,20 e altura de 1,80 metros. As chaminés teriam 1,00 X 1,00 metros de secção. As galerias e chaminés seriam protegidas por paredes e pilares naturais que não seriam desmontados. Os desmontes seriam sempre feitos de baixo para cima pelo sistema de degraus investidos, tal como era utilizado na concessão do Salto do Lobo, e só seriam iniciados quando houvesse 3 a 4 maciços definidos, isto é, haveria sempre pelo menos um maciço pronto para desmontar entre o avanço da mina e os trabalhos de desmonte. A extracção e circulação seriam feitas pelas galerias em direcção e sempre pelo nível inferior. O sistema de traçagem apresentado seria suficiente para proporcionar uma boa ventilação da mina e o esgoto seria feito através das galerias.

O reconhecimento da mina do Castanheiro só seria executado em 1946, já com a Sociedade regida por uma Comissão Liquidatária nomeada pelo Governo, e com o respectivo relatório a ser escrito a 12 de Novembro de 1946. Na altura o estradão de acesso à mina do Salto do Lobo estava já consolidado através do Vale do Alto Homem, sendo por essa razão que o relatório refere que “um caminho de pé posto de cerca de 4 km põe esta mina em comunicação com as instalações da mina ‘Salto do Lobo’, onde chega um estradão construído pela requerente, que liga com a Portela do Homem, a 9 km daquela mina.” O relatório continua referindo que o jazigo ficava “encravado na mancha granítica do Norte do país e é constituído por um filão quartzoso, vertical com a direcção média Norte – 70º – Nascente e com uma possança média de 0,15 mineralizado pela volframite. Além deste existem vários filetes de diferentes direcções, mas ainda insuficientemente reconhecidos.” 

Em relação aos trabalhos já realizados, descreve-os referindo que “constaram de quatro sanjas e de duas pequenas galerias em direcção, que permitiram reconhecer a regular mineralização e mostrar que a mina ‘Castanheiro’ tem valor para poder ser objecto de concessão.” A demarcação da mina seria feita no mesmo dia da data do seu auto de reconhecimento e seria executada pelo Agente Técnico de Engenharia de Minas Adelino dos Santos Lemos da Circunscrição Mineira do Norte. Ainda na mesma data surge a informação sobre um pedido de reclamação efectuado contra este pedido de demarcação por parte da Sociedade Mineira dos Castelos e feito peça Sociedade Mineira de Cadeiró, Lda. baseando-se na alegação de que estava em posse de um pedido de demarcação denominado ‘Carris de Cima’ e que era baseado em registo mais antigo. A reclamação não foi atendida por parte da Circunscrição Mineira pois o referido pedido já havia sido anulado.

O alvará de concessão provisória 4045 será redigido a 9 de Janeiro de 1948 e seria publicado no Diário do Governo a 11 de Fevereiro desse ano, sendo concedido por um período de três anos. Uma nova demarcação da mina seria feita no princípio dos anos 50, no entanto, os registos históricos mostram que entre 1957 e 1959, e em 1961 não se efectuaram trabalhos de exploração mineira. Estas datas marcarão assim o período de abandono definitivo do Castanheiro.
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Deixando o Castanheiro para trás, segui na direcção do Curral de Baixo percorrendo um velho carreiro da vezeira que passa à direita do Alto das Eiras e pela margem direita do Ribeiro da Fecha do Castanheiro, ladeando depois o Alto das Portas do Castanheiro e o Espigão das Lama de Pau, bordejando a Corga do Gargalão, descendo à Chã de Suzana onde entramos no velho estradão florestal da EDP. A parte final do trajecto fez-se inicialmente através da estrada florestal que dali liga a Xertelo, mas depois seguindo um "atalho" que me levou de volta ao traçado do Trilho dos Poços Verdes do Sobroso de volta ao ponto de partida e terminando assim uma jornada de 22,4 km com um D+ 730 m.

Ficam algumas fotografias do dia...































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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