quarta-feira, 12 de junho de 2024

O Círculo de Matança

 


Para mim, caminhar na montanha é muito mais do que fotografias bonitas e declarações no Facebook. Uma caminhada sem uma «descoberta», uma caminhada sem algo de novo, quase que acaba por ser tempo perdido. E chegamos a uma altura em que, de facto, tempo é coisa que não queremos perder.

Assim, todos os sentidos estão em alerta! Em alerta por marcas da História, e ignorá-la é apenas uma marca da ignorância e estupidez. A História marcou a paisagem e a simbiose entre Homem e Montanha, e ignorar os seus sentimentos, o que ela nos diz só porque pensamos que somos o centro de tudo, o que somos o objectivo máximo de ali estar, é só uma tentativa de justificar o que fazemos quando o que fazemos não é nada do que estamos a fazer.

Em alerta pela vida que nos rodeia na montanha; quer seja a vezeira, quer sejam os animais e a Natureza que está na sua casa; quer seja respeitar quem ali vive. Se não for assim, então é tudo um vazio... tão vazio como as publicações de vã glória e de um efémero nas redes sociais.

Em alerta por nós próprios. Se não saímos dali mais ricos e melhores do que quando ali chegámos, então foi tempo perdido.

Neste dia, estive particularmente atento às marcas da História. Na verdade, elas estão por todo o lado, só temos de estar conscientes de que as vemos, mas para isso é necessário estarmos alerta para essas marcas que nos podem escapar por entre os olhares sacádicos com os quais perscrutámos a paisagem.

Percorrendo a crista ao longo da Lamalonga, Serra do Gerês, visitei todos os altos que delimitam o largo vale marcado pelas escombreiras das Minas dos Carris. Quem está no complexo mineiro e olha para aquele vale, logo se apercebe da imensidão de «areia» que o cobre. Na realidade, o que vemos é a grande escombreira que ao longo das décadas se foi instalando no vale, cobrindo as margens da ribeira.

Ora, os altos sempre foram locais onde as marcas da História podem surgir. Podem surgir na forma de um marco geodésico, de um marco triangulado ou de pequenos aglomerados de pedras que os assinalam por serem o que são, altos entre a paisagem. Não me irei aqui debruçar sobre o topónimo Matança, ao qual o Jorge Louro dedica algumas publicações no seu blogue e que podem ser lidar aqui, aqui, aqui e aqui.

Percorrendo, então, os altos que estão sobranceiros à Lamalonga, cheguei (ao alto da) Matança e qual não foi o meu espanto quando me deparo com uma circunferência em baixo relevo desenhada na plataforma rochosa! O meu primeiro pensamento foi estar perante um círculo solar, recordando a alegre descoberta das figuras rupestres de Absedo (ver aqui e aqui)! Mochila fora das costas, coração em batimento rápido, emoções ao rubro... primeiras fotografias antes que pudesse acordar do sonho e outras com o bastão para fazer a escala. Ajoelho-me perante a «descoberta» e com a mão direita meço-lhe o diâmetro... 4 palmos. Quatro palmos certos! São 88 cm de diâmetro... Mais fotografias e começo a procurar sinais de outros círculos tal como acontecera em Absedo; porém, tal não encontro, mas já começo a ver figuras por todos os lados desenhadas nas diaclases do granito. Abandono a emoção de um Indiana Jones e visto fato de uma personagem mais metódica... seguem algumas fotografias para amigos arqueólogos e não só... as opiniões dividem-se! Entre sugestões de algo vindo da Idade do Ferro até um trabalho mais «actual».



Sentado por largos minutos a olhar o círculo, lembro-me da carta militar topográfica de 1949, "de certeza que lá vem assinalado um marco geodésico na Matança..." Contacto feito e confirma-se a ideia, de facto está lá assinalado.

Fazendo uma análise «a olho» até parece que isto surge em linha com o Marco K e o marco geodésico do Castanheiro... já vi um círculo destes antes! Sim, no alto do Campadre há algo semelhante! Por outro lado, as pedras aparentemente arrumadas junto do Círculo da Matança parecem indicar que teriam outro destino que não estarem ali, naquele sítio.


Em cima: O Círculo do Compadre

Tendo como hipótese inicial ser algo milenar, acho que posso agora concluir com uma profunda certeza, tratar-se de alto mais recente. Ora, os marcos geodésicos começaram a ser construídos no século XVIII, no reinado de D. Maria I, quando esta convidou a Academia Real da Marinha a iniciar os trabalhos de triangulação geral do território, para a criação da Carta Geográfica do Reino (ver aqui).

O que vemos em Matança (e no alto do Compadre) parecem ser os trabalhos iniciais de instalação de marcos geodésicos ou apenas o assinalar com um círculo em baixo-relevo de pontos de triangulação com marcos geodésicos ou marcos triangulados. Estes podem também ser trabalhos efectuados no princípio do século XX pelos Serviços Florestais que fizeram um levantamento cartográfico mais preciso da Serra do Gerês.

Não sendo uma memória física da presença milenar do Homem na Serra do Gerês, esta (e outras) «descobertas» mostram que estes territórios escondem verdadeiros tesouros à espera de ser encontrados revelados... só temos de estar atentos.




Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

1 comentário:

joca disse...

Obrigado por me lembrares que "tenho" um blogue estacionado por aí. ;)