quarta-feira, 21 de junho de 2023

Caminhada do Solstício de Verão pela Serra do Gerês

 


Para marcar o Solstício de Verão 2023, decidi fazer uma longa jornada pela Serra do Gerês ligando o Campo do Gerês e as Caldas do Gerês. Foram mais de 39 km por paisagens únicas em Portugal que me levaram por diversos aspectos do Parque Nacional da Peneda-Gerês, marcando a sua história, fauna e flora, e a presença humana milenar por estas serranias.

O dia já clareava quando deixei a pacatez matinal do Campo do Gerês. Tirando os cães que me saudavam à minha passagem e o chilrear matutino da passarada, a tranquilidade reinava por entre o casario. Em pouco tempo chegava à Estrada da Geira e a paisagem da Serra Amarela e da albufeira da Barragem de Vilarinho das Furnas ia fazer-me companhia nos primeiros quilómetros.



Os sons do bosque serviam de fundo aos meus passos à medida que passava pela Bouça da Mó, Bico da Geira, Vale dos Porcos, Volta do Covo e Balsada, antes de atravessar as pontes de madeira sobre o Maceira e o Forno, já na Albergaria. Seguindo o traçado da Geira Romana até Ponte Feia, segui depois para a estrada para depois entrar na subida da Costa de Sabrosa e ganhar altitude até à Lameira das Ruivas. Deixando a paisagem da Mata de Albergaria e do Vale do Rio Homem enquadrada pela Costa de Varziela e Calvos, o cenário era agora das grandes penedias graníticas com o Cabeço do Cantarelo e o Cantarelo a dominar a paisagem à medida que me aproximava da Lomba de Burro depois de passar a Corga dos Vidros. Da mesma forma, e a qualquer hora do dia, a profundidade e as vertentes do Vale do Rio Forno encimadas pelo Pé de Medela, pelas Albas e pelo Corno Godinho, espantam e assombram à passagem.



Passando a Lomba de Burro iniciou-se a descida para os Prados da Messe com a sua velha ruína dos Serviços Florestais. Estas ruínas fizeram parte de um edifício construído pelos Serviços Florestais que foi finalizado em Setembro de 1908. A prova disso encontra-se no livro "Mata do Gerês" (Tude Martins de Sousa, 1926, regente florestal à época) onde é referido (pag. 132), "Não havendo nenhuma casa, ou abrigo, para o pessoal florestal na extensa zona da serra alta, desde a Pedra Bela aos Prados, havia sido solicitada a construção de uma pequena casa no curral dos Prados, que foi feita neste ano (1908). Sendo certo que nenhuns trabalhos haviam sido ainda por ali realizados, não era menos certo que aquela parte da serra era de elevada importância, por ser um dos mais aproveitados centros de pastoreação dos gados vizinhos e ainda por ter a curtas distâncias bons núcleos de arborização espontânea. Ao mesmo tempo, aproveita-se a oportunidade de prestar um bom serviço aos vezeiros de Vilar da Veiga, a quem o usufruto do curral pertence e cujas boas relações de vizinhança convém absolutamente manter, proporcionando-se lhes melhor acolhida do que a que o seu forno lhes dá, o que se fez, destinando-se-lhes metade da referida casa, que em Setembro ficou já concluída."

Após uma curta paragem junto do abrigo pastoril dos Prados da Messe, encetei caminho para o meu próximo objectivo, o Alto do Borrageiro. Seguindo os trilhos carreteiros, passaria nas imediações do Curral da Pedra para chegar ao Porto de Vacas e iniciar a subida para o Curral do Conho, seguindo depois para os Portelos do Conho e Lomba de Pau. Aqui, fui agraciado com a presença de várias cabras-montesas que agora povoam tranquilamente a serra, seguindo depois pelas Lamas de Borrageiro para o Alto do Borrageiro com a sua magnífica panorâmica sobre todo o Parque Nacional.



Não estive muito tempo nas alturas, iniciando então a descida para o Curral de Roca Negra, à sobra do colosso do mesmo nome, e segui de imediato para o Curral de Rocalva onde tive a oportunidade de observar as maravilhosas bolas-de-algodão que ainda vão resistindo nas zonas mais húmidas.

Descendo para o Vale do Cando, o Homem reverencia-se perante a visão da Roca Negra que se eleva altaneira com as suas vertentes alcantiladas sobre o imenso vale. Seguindo pelo carreiro na Encosta do Cando, chegaria à visão da imensa Roca de Pias e da Quina do Meio, à medida que o próximo desafio se ia perfilando na paisagem. Perdendo por momento a visão do vale, este voltaria a surgir no colo junto da Arrocela quando - e tendo às minhas costas a Corga Giesteira - a vista se afunda para Entre Águas e percorre, encosta acima, o carreiro que desde lá do fundo me levaria ao Estreito.


Passando os seculares teixos, a descida fez-se de forma compassada e cuidada pela vertente. Por esta altura, o dia continuava ameno, mas a ameaça de chuva era cada vez mais presente. Esta tornava-se real quando na chegada ao Estreito, a visão das pesadas nuvens cor de chumbo fizeram-me pensar no próximo refúgio que seria a paragem do almoço, nas planuras de Pradolã. A paisagem do Estreito é daquelas paisagens que não deixa ninguém indiferente! A profundidade do vale e a violência das vertentes, quais muralhas intransponíveis de um imenso castelo cujas torres se elevam nas alturas da Amarela e do Iteiro d'Ovos, fazem surgir exclamações de espanto, assombradas pelo quadro terrorífico de um céu que se enche de fúria. Porta Roibas, verdadeira entrada para o Mundo Maravilhoso, faz corar de inveja os melhores cenários de Tolkien e George R. R, Martin, e o longínquo perfil de Borrageiros faz-nos lembrar que por muito que se conheça, haverá sempre muito mais para conhecer nas paisagens que não nos são estranhas!

A chegada a Pradolã trouxe um já merecido repasto e um descanso de muitos quilómetros. Com o suor a empapar a roupa, a necessidade de hidratação torna-se quase imediata e a partir daqui foi quase uma constante. Curiosamente, o cérebro encarrega-se de lembrar ao corpo que, mesmo não havendo sede, a necessidade de beber água é premente e cada vez mais presente.

Conselho de leitura: A Complete Guide to Solo Hiking.

Conselho de leitura: Solo Hiking: What You Need to Know to Hike Alone.



Com o percurso traçado para os próximos quilómetros, deixava Pradolã e iniciava a descida para Pousada, seguindo depois pelo bosque em direcção a Pinhõ, Ponte de Servas e Tribela. Aqui, tive o prazer de ajudar alguns turistas que já demandavam o Poço Azul, pois aparentemente, todos eles traziam um track de GPS que os fazia seguir em frente na Tribela, não virando à esquerda para a Ponte de Servas. No total, terão sido uns seis ou sete grupos com o mesmo percurso...

Passando o Curral dos Portos e o Curral da Malhadoura, chegava então ao Arado e no entroncamento das Rocas decidi seguir pelo traçado da GR50 Grande Rota da Peneda-Gerês, passando pela Pala do Cando de Cima, Curral de Espinheira e chegando ao cruzamento da Pedra Bela, já após ter abandonado o traçado da GR50. Daqui, segui pela Encosta do Cocuruto e Encosta do Azeral, entrando de novo no traçado da GR50 e descendo pelo Forno Novo para a Fonte do Azeral, seguindo pelas Voltas do Azeral para Pentelhas e baixando para o Rigor, chegando então às Caldas do Gerês no momento em que a chuva, após tantas ameaças, fazia o seu aparecimento após um trovão!

Foram mais de 39 km e mais de 1.500 m D+, na minha maior caminhada do ano... por enquanto.

Ficam algumas fotografias do dia...


































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

3 comentários:

Francisco Ascensão disse...

Incrível! Que caminhada! Do campo do Gerês à rocalva, pinhô, e caldas do Gerês! Só faltava subir outra vez para o campo do Gerês! Brutal!

Francisco Ascensão disse...

Quantas horas rui?

Rui C. Barbosa disse...

Cerca de 9h 30m de caminhada.