segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Do Campo do Gerês à Louriça e Casarotas

 


Tal como os últimos dias neste Outono suspenso, este acordou frio e com geada no Campo do Gerês, mas o céu limpo fazia logo adivinhar as horas primaveris que iriam rechear os belos momentos que se seguiriam até voltar.

O objectivo era atingir o ponto mais elevado da Serra Amarela, a Louriça, seguindo o traçado da GR 34 Grande Rota da Serra Amarela. A ideia inicial de se prosseguir para Lindoso foi abandonada, decidindo regressar ao Campo do Gerês passando pelas Casarotas.


Assim, atravessando a Barragem de Vilarinho das Furnas, prossegui pela estrada que percorre a Encosta da Aguieira até à aldeia submersa de Vilarinho da Furna, prosseguindo depois pelo Porto do Carvalhal até ao Peito do Chão da Fonte onde se toma o carreiro que, vencendo um acentuado declive, nos leva a Chã de Toutas. Esta parte do percurso é deveras impressionante pois ao apreciarmos a velha calçada que vai resistindo à passagem do tempo, fazemos uma ideia do engenho e força dos habitantes de Vilarinho da Furna ao construir aquele troço de percurso. O tamanho de algumas pedras impressiona numa façanha somente comparável ao fojo do lobo que se encontra não longe das Casarotas!


Passando a Chã de Toutas prosseguimos para a Chã de Porto Covo, com o percurso a entrar numa pequena corga (o Fraguedo) e a prosseguir em cota suave para o Curral de Ramisquedo.

De forma geral, o percurso está bem assinalado. No entanto, o troço que se segue (neste sentido) após a Chã de Ramisquedo para fazer a ascensão para a Louriça, carece de alguma limpeza e pode constituir um problema para os mais distraídos.

Deixando o Curral de Ramisquedo para trás, o traçado vai voltear a Encosta de Ramisquedo e iniciar uma subida penosa em direcção à Chã da Fonte e para o Alto da Casa da Feira, podendo fazer um pequeno desvio até atingir o ponto mais elevado da Serra Amarela (a Louriça) com os seus 1.359 metros de altitude.

Com um dia de céu limpo a paisagem é deslumbrante atingindo os altos e limites da Serra da Peneda e Serra do Soajo e os píncaros encrespados na sombra da Serra do Gerês a Sul ou o esplendor do Vale do Homem a Este. Todo o cenário compõe uma sublime imensidão!

Nesta zona da Serra Amarela, mesmo no seu alto mais pujante, realizava-se em tempos uma feira de gado que aliás terá dado origem ao topónimo "Alto da Casa da Feira". Nos nossos dias não se fica indiferente à paisagem de antenas de comunicações a apontar para os céus (retransmissor do Muro) e dificilmente se imagina o burburinho intenso de uma feira de gado naquelas paragens. 

Deixando a Louriça para trás, prosseguiu-se pelo Colado do Araújo na direcção do Muro, com o percurso a levar-nos pelo Couto do Muro e Chã do Muro, permitindo em simultâneo a visão do Fojo do Lobo de Vilarinho da Furna e do Fojo do Lobo da Ermida (Fojo Novo) logo abaixo da Cabana de Ventozelo. Baixando à Chã do Muro, e assim abandonando o traçado da Grande Rota da Serra Amarela, passa-se sobre o Pojo Velho em direcção das paredes do Fojo do Lobo de Vilarinho da Furna e prosseguindo para o Chão de Minpereira antes de chegar à Chã do Salgueiral onde podemos encontrar as enigmáticas Casarotas, local de amor de Alda e Rogélio num frio dia primaveril: "Colaram-se por fim as bocas, e as mãos foram percorrendo nas roupas os contornos do corpo, e alcançaram a pele, e o frio primaveril parecia recuar a cada nova labareda daquele incêndio humano. Os olhos abriam-se nos abismos das profundidades insondáveis, e os dois corpos entregaram-se à generosa predação que invoca todas as lágrimas e todos os risos e conduz à extinção mutuamente consentida, essa aventura perigosa que, uma vez completada, vai reencontrar os amantes numa espécie de renascimento exausto nos braços um do outro. No silêncio supremo que depois se seguiu, perdurava neles contudo o travo paradoxal de uma transformação demasiado íntima para ser partilhada. Então, cada um se entregou a uma espécie de projecção de si para fora do tempo, procurando conjugar a ideia de êxtase com a ideia de súmula, num desejo de recuperar racionalmente a vivência da soma que acaba de ter lugar, uma reflexão que apenas a cada um respeita, porque resulta ao mesmo tempo de uma excessiva lucidez e de uma excessiva abstracção, e por isso não pode ser traduzida ou verbalizada no momento, a não ser pelas palavras recobertas de sons em que se convertem as terminantes declarações de amor que os amantes felizes pronunciam nesses momentos. Mas Alda e Rogélio nada diziam." (excerto do romance "Rio Homem", de André Gago, Edições ASA).

As Casarotas serão talvez dos lugares mais enigmáticos existentes na Serra Amarela e talvez em todo o Minho. Posições defensivas da fronteira, branda de pastoreio... as opiniões são divergentes. Situadas numa área definida entre (o alto das) Casarotas, Torneiro e Poulo do Vidoal, são num total de 19 edificações em ruína às que se associam uma trincheira. A natureza castreja destas construções é adiantada por Jorge Dias, mas referindo também poder "...haver uma relação com as cabanas dos pastores e talvez fosse conduzir a uma curiosa solução, que traria também um elemento de grande interesse para a etnografia. Poderia ser uma antiga branda dos pastores de Vilarinho. Uma branda há séculos abandonada, porque os habitantes da região descobriram uma maneira mais cómoda de aproveitar as pastagens altas."

No entanto, Rosa F. Moreira da Silva no seu livro "O Gerês: de Bouro a Barroso", refere "(...) somos da opinião que Jorge Dias não se apercebeu do enquadramento das Casarotas na célula defensiva da Portela da Serra Amarela", fundamentando na sua obra a sua opinião.

Uma outra hipótese que se poderia adiantar seria o facto de estas serem apenas construções temporárias utilizadas nas batidas aos lobos, pois o Fojo do Lobo de Vilarinho da Furna fica a escassas centenas de metros das mesmas.

Voltando a encontrar o traçado da GR34, prosseguimos pela encosta que se vai tornando mais íngreme numa descida que irá pôr à prova a reserva de forças para o final do dia, chegamos ao Chão de Cima e prosseguimos pela Lomba do Alto até ao Chão de Baixo, subindo depois para o Couto da Aguieira e, após contemplar a magnífica paisagem sobre a albufeira que nos leva aos limites da Mata de Palheiros e Mata de Albergaria, descemos pelo Peiro de Gemesura em direcção à Barragem de Vilarinho das Furnas.

Ficam algumas fotografias do dia...



































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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