quarta-feira, 29 de junho de 2016

Os fornos - o abrigo pastoril na Serra do Gerês


O abrigo pastoril na Serra do Gerês é uma das características da arquitectura popular e rural que mais impressiona aqueles que demandam as lonjuras e profundezas serranas. Muitos destes abrigos mantêm a sua constituição original, enquanto que outros foram abandonados e substituídos por edifícios que fogem da traça original do abrigo pastoril geresiana, apesar de, talvez, oferecer maior conformo a quem os utiliza.

Memória singular da Serra do Gerês, a recuperação de muitos destes abrigos pastoris, denominados 'fornos', deveria ser uma «obra» prioritária de conservação do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Porém, a verdade é que o Parque Nacional põe inúmeras barreiras à recuperação deste singelos pequenos edifícios. Como disse Tude de Sousa, "Conservá-lo, é conservar e respeitar uma típica característica geral do passado."

Nos nossos dias estes abrigos poderiam ter outras funções, nomeadamente de abrigo no caso de situações de resgate na montanha, tal como foi o caso de uma ocorrência em Fevereiro de 2016.

Tude de Sousa, no seu livro "Gerez - Notas Etnográficas, Arqueológicas e Históricas"- publicado em 1927 - faz-nos uma interessante descrição dos abrigos pastoris existentes na Serra do Gerês:

"(...)

Para o estadio em cada curral tem o pastor, como já dissemos, o seu fôrno, ou cabana, onde se recolhe e abriga. São construções tôscas, ligeiras, de pedras sêcas, mal dispostas geralmente, umas revestidas e outras não de torrões, tapando os intervalos. Cobertas umas de telhas redondas, à portuguesa; cobertas outras de torrão, guarnecendo pedras largas e delgadas.


As suas dimensões e capacidade não são grandes: 2 a 2,50 metros de alto, por 2,50 e 3 metros de comprido, com as portas baixas, por onde o homem passe curvado e por elas não entre o gado. Três a seis, ou oito pessoas, é o máximo que nelas caberão.


A cobertura de uns fornos é redonda, aguçada; a de outros com armação em duas águas.


O pavimento coberto de fetos ou mato meúdo para amaciar a dormida e junto da porta, do lado de fora, em muitos formos, a pia, ou pias, cavadas na rocha firme, ou móveis, para a comida e bebida do cão, inseparável companheiro e amigo da montanha. A porta de serventia, única, tapada apenas por alguns gravetos de mato ou ramaria, indicadores só de uma linha de respeito.


O travejamento é tôsco, como a construção em que se emprega, e fornecido sempre pelos carvalhos mais próximos, que os há com fartura na serra, brotando e crescendo com espontânea pujança naquele solo abençoado.


Esta habitação e os costumes que descritos ficam, são mais ou menos comuns a todos os povos da serra, e não só so de Vilar da Veiga, pelo que, a não ser com alguma variação menor, se encontra nos homens e nos usos de Rio Caldo, de Covide, de S. João do Campo e Vilarinho, de Cabril e de Pitões e por aí fora, até termos de Suajo e Londodo, por um lado; até termos de Barroso e Montalegre, pelo outro.


Segue um ensaio de distribuição geográfica:


Perto da Galiza, o curral da Amoreira, gereziano português, mas no usofruto dos gados e dos vizinhos do lado de lá, um dos maiores da serra, de pedra e de torrão.


Na chã do Carvalho e nos Prados Caveiros dois de pedra e terra, pertencentes a Vilarinho e mais de pedra e telha em S. Miguel e Albergaria, e outros mais.


S. João do Campo tem o seu forno de pedra e telha no curral de Leonte de Baixo, e outros, de um e outro tipo dispersos.


Vilar das Veiga, quási todos de pedra e telha, tem os fornos dos currais dos prados da Messe, do Conho, de Leonte de Cima, e outros, tendo caído em desuso os da Mijaceira e Vidoeiro, por estarem cortados e devassados agora pela estrada pública para a fronteira, e Rio caldo tem o Vidoal, de pedra e telha, ao subir de Leonte e antes de chegar à Borrageira.


Esta é a habitação da serra, único refúgio noutros tempos, com alguma para natural, de quem por lá deambulava, simples caminheiro, contrabandista, ou pastor, hoje já acompanhado pelos numerosas casas da guarda florestal, quebrando a solidão da floresta e das fragas.


O forno dos pastores gerezianos, ligado ao regimen comunalista e pastoril que os seus povos têm, é bem ainda, pelo espírito ancestral que representa, o espêlho liso da tradição em que aquela gente, sequestrada do mundo, vivia noutras eras a vida de paz, a vida simples de fraternidade e de amor, que os novos tempos e as covilizações novas lhes vão dia a dia enfraquecendo e quebrando.


Conservá-lo, é conservar e respeitar uma típica característica geral do passado.


(...)"

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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