terça-feira, 7 de junho de 2016

239... Ao longo do Vale do Homem até às Minas dos Carris


Minas dos Carris, 4 de Junho de 2016

Ao fim de tantas caminhadas, o que se pode esperar de novo numa caminhada até às Minas dos Carris pelo Vale do Homem?

Começar na Portela do Homem, ponto de passagem das legiões de César pelos ermos selvagens da Lusitânia ou imaginar as investidas monárquicas de Paiva Couceiro no alvorecer da Primeira República Portuguesa. Embrenharmos por breves momentos na velha mata que esconde segredos de ermitas e currais que em tempos serviam de guarda às vezeiras da submersa Vilarinho da Furna. A passagem pelo Curral de S. Miguel trás o eco das quadrigas, o longínquo ribombar dos canhões e as abafadas vozes de comandos dos exércitos a defender a fronteira. Ao longe, parece ecoar também uma fugaz sonoridade francesa quando os exércitos de Napoleão atravessavam as nossas verdejantes florestas.

Atravessando o Rio Homem, escutam-se as histórias de outras pontes que ali já erguidas foram. Se agora se mantém sólida a ponte, em tempos idos do princípio do antepassado século, era cambaleante a passagem na ponte de madeira. Sim, ainda por lá se vêm as marcas, mas só os olhos mais atentos as distinguem.

Como em muitas e incontáveis outras ocasiões, o caminho percorre-se pelo velho estradão que um dia foi mineiro e sempre o há-de ser. Umas vezes suavemente, outras mais a jeito, o caminho vai vencendo o vale. Em tempos, um velho carreiro de montanha que levava as gentes serranas às altas pastagens nos píncaros da montanha; outras local de passagem a salto para uma vida melhor ou para fugir a um regime velho e peçonhento; outras ainda, como fugaz passagem do contrabando vindo do outro lado da serra para ser vendido ou comprado em Torneiros ou Lobios; muitas vezes passagem do minério em direcção ao Porto onde as os barcos das hostes bárbaras o esperavam.

Em pouco tempo se chega a Abelheirinha, local quase obrigatório de paragem para saborear a água que brota de uma singela fonte que até nos dias de Verão refresca as gargantas mais secas. A paisagem é toda ela dominada pelos picos serrados que vão cortando os céus. Passamos Porto Monteiro e Negrelos (à direita) e a Ravina do Cantarelo juntamente com a Corga do Tapado mostram que a serra, por muitas vezes vista, vai-nos surpreender a cada passo que damos. Mais adiante a vista abre-se para corgas profundas que se elevam sobre nós. A Corga do Palão, a Corga dos Vidos e a Corga das Bezeiras constituem um dos aspectos deslumbrantes do Vale do Homem que muitas vezes passam despercebidos enquanto que caminhamos a fintar as rochas no caminho.



À medida que a montanha se vai elevando, tal como o caminho, somos assombrados pela enormidade do que se revela perante nós. Um pouco antes de chegar à Água da Pala, elevam-se na margem direita as paredes alcantiladas da Bela Ruiva. Ao longo do Rio vão-se formando lagoas naturais onde o Homem aproveita para descansar na sua imparável torrente em direcção ao Cávado. A Água da Pala foi o local onde o velho carreiro de montanha cruzava a vau o Homem para a sua margem direita onde se esconde por entre a vegetação o que resta do carreiro e um sem número de abrigos toscos em tempos utilizados pelo homem serrano (Os abrigos perdidos no Vale do HomemPara um estudo da ocupação humana do Vale do Alto Homem). Também na Água da Pala existia um antigo viveiro dos Serviços Florestais e foi neste local onde a expedição de socorro se encontrou com os mineiros dos Carris em princípios de Março de 1955 (A epopeia dos mineiros dos Carris no Inverno de 1955).

Mais adiante, e depois de olharmos para trás para apreciarmos a beleza da Serra Amarela que parece fechar o vale ao longe, vamos entrar nos domínios do Cagarouço (ou Cagarrouço). Antes, vemos à nossa direita a Corga (ravina) da Cova da Porca e a Corga da Cova do Teixo, chegando então á Corga do Cagarouço onde encontramos belos exemplares do teixo, árvore centenária protegida.


Depois de ultrapassar um mar de rochas no caminho, somos chegados às Curvas do Febra. A paisagem que vemos na segunda curva sobre o vale só é ultrapassada pela paisagem que nos espera à sombra do Modorno (Madorno). Antes de entrarmos no Vale do Modorno, já nos deslumbramos com a Água do Concelho e com a imensa queda da Água da Laje do Sino. O Cabeço do Modorno eleva-se aqui como um gigante que guarda todo do vale. Inóspito, rochoso e imenso, é pouco e refúgio das cabras selvagens que desta vez não nos quiseram receber. A encosta do Modorno é uma zona singela; apesar de inóspita e inclinada, nela podemos encontrar estranhos vestígios de abrigos toscos de pedra solta que nos fazem lembrar atalaias de um exército desconhecido. Os abrigos naquela encosta são mais estranhos ao sabermos que o caminho por ali não passava na sua caminhada pelo Vale do Alto Homem acima.

Aqui o Vale do Alto Homem oferece-nos uma paisagem esmagadora. É como se todo o vale estivesse a nossos pés, mas sem termos uma sensação de grandeza da nossa parte. É com paisagens como esta que sabemos o nosso lugar neste frágil mundo. Quanto mais não fosse, a caminhada valeria por esta paisagem!


Continuando a jornada somos logo brindados com a visão da Água da Laje do Sino que se despenha vindo quase da raia. Nascendo no sopé da Laje do Sino, o pequeno ribeiro torna-se magnificente naquela queda para o abismo. Saindo do Vale do Modorno, entramos de novo no curso do Rio Homem e já mais adiante surge-nos a paisagem desolada do que restou do incêndio que ali lavrou em Setembro de 2013. Felizmente, a vegetação começa já a  recuperar o fulgor de outros tempos e em breve o vale será novamente todo verde. O caminho segue na direcção do Outeiro Redondo ladeando o pequeno Curral do Teixo e as velhas construções que em tempo deram abrigo ao fabrico e comércio do carvão naquele lugar. Aqui, as águas que percorrem a Corga dos Salgueiros da Amoreira, encimada pelo Outeiro da Meda, vêm desaguar no jovem Rio Homem vindo das Águas Chocas por onde passamos pouco depois. A zona das Águas Chocas foi também muito fustigada pelo incêndio que pôs à mostra vestígios dos tempos da mineração e velhos carreiros que nos levam a Cidadelhe e mais além.

O caminho torna a jornada mais suave e prepara a chegada ao Curral das Abrótegas, local de pernoita da caçada venatória que na primeira década do século XX ali foi organizada. Chegados à Chã das Abrótegas a serra acalma-se e abre um pouco o horizonte, deixando-nos ver os seus píncaros mais elevados: os Carris, a Cabreirinha e o Altar de Cabrões, já na raia seca. Na Ponte das Abrótegas vemos parte das Lamas de Homem onde o Rio Homem começa a ver a luz do dia. É por esta pequena corga que segue o carreiro que nos leva ao Curral das Lamas de Homem e depois, seguindo pelo Quelhão, chegamos aos Cocões do Coucelinho, Couce, Minas do Borrageiro (Borrageira, Borrageirinha) Lagoa de S. Ane e Lagoa (Lago) do Marinho.

O final do caminho e a proximidade do complexo mineiro anima a jornada e em pouco tempo estamos nas Lamas da Carvoeirinha. Estas antecedem o Salto do Lobo que depois se abre para a Lamalonga. O caminho começa de novo a subir pela Corga da Carvoeirinha antes de flectir à direita, levando-nos ao complexo das Minas dos Carris.

De facto, porque se percorre tantas vezes este vale e se faz esta caminhada?...





















































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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