terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Histórias do povo de Cabril - Suas crenças e religiosidade e o dia 3 de Maio, o dia de Santa Cruz, o dia dedicado aos pobres


Cabril, assim como grande parte das aldeias do Barroso, foram durante séculos locais isolados, construídas sobre ermos, praticamente inacessíveis durante o Verão e alguns deixavam mesmo de o ser durante os meses de Inverno. Estes pequenos povoados pouco ou nada alteraram ao longo de centenas de anos, a sua forma de vida e o seu viver, eram povos que viviam em locais inóspitos entre fragas e pedras, encravados nas montanhas entre cursos de água, junto à florestas em zonas de difícil acesso, talvez por esse motivo o comunitário forçado e a entreajuda foi uma forma de ultrapassar todas as dificuldades com que se iam deparando e foi desse modo que conseguiram chegar com alguma vitalidade aos dias de hoje. 

Eram povos muito ligados ao sobrenatural, a natureza, viviam em constante promiscuidade com os seus animais, desenvolveram lendas e crenças, criaram mitos e benzeduras, fundiram o passado pagão com o catolicismo, aprenderam as propriedades medicinais das plantas, aprenderam a ver as horas pelo sol, a escutar os sinais da natureza, enfim aprenderam a viver onde era difícil sobreviver. Viviam na natureza e dela sabiam tirar o melhor proveito, e a respeita-la, mas sempre com a consciência que Deus tudo perdoava, mas que a natureza era implacável e nada perdoava, eram povos muito religiosos, demasiado religiosos, respeitavam os dias Santos, as trindades, não tinham a quem recorrer senão a Deus. 

Na semana da Páscoa, na Quinta-feira a partir do meio-dia em ponto, se estivessem a podar as tesouras deixavam de cantar, as enxadas deixavam de cortar terra, as gadanhas e foicinhas deixavam de tombar a erva, as vassouras deixavam de varrer, a roupa ficava por lavar, não se podia fazer terra fresca, era assim até ao meio-dia da Sexta-feira santa.

Outro dia muito importante era o 3 de Maio, o dia da Santa Cruz, que no calendário católico celebra a data da descoberta da Cruz de Cristo, em 326 por Santa Helena e ainda a recuperação da mesma Cruz por Heráclio que a reconquistou aos Persas e a levou as costas para Jerusalém, tendo a entregue ao patriarca Zacarias, no dia 3 de Maio de 630. 

Em Cabril a Santa Cruz era o dia dedicado aos pobres, aos cabaneiros, os cruzeiros e as fontes eram ornamentados de ramos verdes e flores silvestres e muito alecrim. Em casa nada se podia fazer, não se podia trabalhar com o gado, não se podia por o arado na terra, só se podia trabalhar para os pobres, se bem que não havia gente rica, mas havia sempre a mais remediada. Era o dia de ir tirar esterco, lavrar, fazer as bessadas das pessoas que não tinham animais e não tinham como trabalhar as terras, era estritamente proibido trabalhar em casa, tinha que se ir ajudar aqueles que não tinham como fazer o trabalho, e quando alguém não cumpria, havia sempre um fenómeno que acontecia, segundo a linguagem popular, ou era os arados que se partiam, ou os animais que se recusavam a trabalhar, ou então um boi que acabava sempre por se "escanhotar ".

O "ti" João da Ponte conta uma história que um vizinho dele entretanto já falecido, tinha cangado os bois para ir lavrar para um pobre, mas que ao mesmo tempo aproveitou para ir levar para ele um carro de bois carregado com esterco a barcaça, para o passar para a Grova, onde tinha um lameiro, só que ao descarregar o esterco para o barco, o carro de bois virou e foi tudo parar a barragem, e o próprio "ti João que conta :

-"ohh... pá , olha tivemos que tirar os bois com a barca, os bois ainda por cima ficaram presos pela soga, foi o cabo dos trabalhos, eu dei-lhe um grito !!! Ohh home então tu não sabes que é um dia assinalado, olha ,ele virou os olhos ao chão, nem uma nem duas,nem me respondeu, sabes é preciso ter respeito, muito respeito "...

Quanto a mim não sei o que pensar...mas que gosto muito de assim viver e desta forma de vida... Gosto.







Texto e fotografias: Ulisses Pereira

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