sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

A epopeia dos mineiros dos Carris no Inverno de 1955


"O sr. engenheiro António Castilho, director de máquinas da Junta Autónoma de Estradas, dirigindo os serviços do corte de neve, em que foi utilizado um poderoso tractor".

Passados que são 63 anos desde os acontecimentos que aqui irei relatar de novo, resolvi republicar uma série de artigos que em Janeiro de 2008 e em Fevereiro de 2016 publiquei sobre este assunto.

A republicação é ainda mais premente tendo em conta as actuais previsões meteorológicas que apontam para um possível cenário de queda de neve extrema para os nossos padrões, nas Minas dos Carris em finais de Fevereiro e princípios de Março de 2018.

Estes artigos relatam duas situações interessantes: a primeira destas situações está relacionada com a forma como a Internet nos permite tomar conhecimento de factos que de outra forma apenas iriam surgir muito mais tarde num processo de investigação; a segunda está relacionada com os factos históricos que apesar de relatados à época, nos passam despercebidos nos nossos dias.

Assim, os textos destes artigos foram já publicados aqui no blogue, mas em Janeiro de 2008, e este facto é em si mesmo uma barreira para aqueles leitores que não altura não o eram, ou então que já se esqueceram destes textos.

Com a preciosa colaboração de José Manuel Rodrigues de Sousa e Carlos Sousa, tomei conhecimento da publicação de um artigo na revista 'O Século Ilustrado' que relatava uma odisseia vivida há muitos anos na Serra do Gerês e que até aqui desconhecia. Infelizmente os dados disponíveis sobre a data de publicação de tal artigo eram muitíssimo escassos. O artigo deveria ter sido publicado entre 1951 e 1958 e mergulhado numa pesquisa única na Internet que envolveu a análise dos registos meteorológicos disponíveis, acabei por me deparar com um artigo intitulado "Epopeia na Serra do Gerês" publicado no jornal 'O Século' e na revista 'O Século Ilustrado'.

Este artigo é acompanhado por uma série de fotografias que aqui reproduzo bem como os respectivos textos. Surge assim a épica história de duas centenas de homens que durante vários dias lutaram contra os elementos no alto da Serra do Gerês, uma história que agora mais uma vez vê a luz do dia e que serve de homenagem a esses homens há muito esquecidos mas que representam uma narração do nosso país.

O seguinte texto é da autoria de António Gonzalez que assina a respectiva reportagem gráfica...

"Durante mais de uma semana, nevou intensa e continuadamente na serra do Gerês de tal maneira que, em alguns pontos, a camada branca chegou a atingir cerca de quatro metros de espessura, tornando impossível o trânsito de veículos e mesmo peões. A 1570 metros de altitude, nas minas de volfrâmio que pertencem à Sociedade das Minas do Gerês, Lda., os mineiros e o pessoal técnico e administrativo num total de cerca de duzentas pessoas ficaram isolados nas sua instalações, tornando-se problemática a situação que, de dia para dia, o estado do tempo lhes foi criando. Pelo telefone, uma vez que os fios resistiram ao peso da neve, foi sendo mantido contacto, até que as notícias se tornaram alarmantes: o pessoal, em especial os mineiros (que eram cento e vinte) estavam sem pão nem legumes, com escassa roupa e cada vez mais à mercê dos lobos que uivavam famintos, noite e dia, por aquelas redondezas. (...) uma brigada de socorro saiu de Leonte e percorreu em penosas circunstâncias os sete quilómetros que separam esta povoação de uma outra chamada Água da Pala, onde entrou em contacto com o pessoal dos Carris. Os mineiros tiveram de descer até ao ponto de contacto, ligados uns aos outros por uma corda e meio enterrados na camada de neve".


Parte do grupo que participou no resgate dos mineiros dos Carris

"Foram necessários oito dias de trabalho insano para desobstruir as vias de acesso às minas bloqueadas. Vinte e oito operários ofereceram-se para essa difícil tarefa, a fim de se conseguir passagem para uma camioneta carregada de pão, visto ser este o alimento que fazia mais urgente falta e não ser possível levar simultaneamente legumes e roupas. Após trabalho fatigante e perigoso, pôde a brigada fazer chegar a camioneta ao ponto combinado onde os mineiros esperavam, havia bastante tempo, sob um frio cortante e com receio de que não desse resultado o plano que se traçara".

Sem uma expedição de socorro realizada em finais de Fevereiro de 1955, os mineiros dos Carris arriscavam-se a ficar isolados até ao mês de Maio. A queda de neve tinha sido tão intensa que em certas zonas o manto branco atingiu uma espessura de seis metros.

O jornal "O Século" noticiou por várias vezes os esforços da missão de socorro e a revista "O Século Ilustrado" publicou em Março de 1955 uma reportagem fotográfica descrevendo a odisseia vivida na Serra do Gerês.


Percorrendo sete quilómetros a pé por zonas de intensa neve, a equipa de socorro que em finais de Fevereiro de 1955 foi enviada para transportar mantimentos para os mineiros dos Carris demorou quase quatro horas a percorrer a distância que a separava do ponto de encontro na Água da Pala.

"Quase quatro horas durou a heróica escalada daqueles sete quilómetros. Por fim viveu-se outra faceta da dramática e abnegada aventura: os mineiros tardavam a chegar ao ponto combinado e, dada a intensidade do nevão que caía e que tapava os sulcos abertos horas antes, receava-se que os homens se perdessem ou, ligados uns aos outros, perecessem todos na tragédia da queda em algum precipício encoberto. Quando o telefone retiniu com a boa nova da chegada, soltaram-se gritos de entusiástica alegria."


"Este camião abastecedor de gasóleo esteve retido nas minas durante doze dias. O pessoal que se encontra nas minas já está fora de perigo".

A expedição de socorro que partindo desde a Portela de Leonte, percorreu sete longos quilómetros em condições difíceis para levar artigos de primeira necessidade, tais como pão e legumes, para os mineiros dos Carris, foi organizada em condições difíceis. Os mineiros esperavam pela expedição da Água da Pala, ponto de encontro previamente combinado. No entanto, a descida até à Água da Pala foi uma proeza heróica com momentos de tensão. Os mineiros e outro pessoal da mina percorriam a estrada coberta por um espesso manto de neve, agarrados uns aos outros por cordas. Por vezes, e para elevar o ânimo de todos, os homens entoavam "A Portuguesa", lutando assim contra as terríveis condições que iam encontrando.




"Um aspecto das minas dos Carris, já depios de as portas das instalações mineiras terem sido abertas com pás, por estarem cobertas de neve".


"Os directores das Minas dos Carris, lendo as notícias publicadas pelo jornal «O Século» sobre a grande epopeia vivida no Gerês. Na Água da Pela encontravam-se numa corte muitas cabras e cabritos de poucos dias. Alguns dos animais estavam já mortos mas os operários da brigada de socorro puderam salvar os restantes, metendo-os na camioneta e transportando-os para Leonte, onde foram alimentados e postos ao abrigo do frio. Os trabalhos exteriores das minas estiveram paralisados, mas prosseguiram no subsolo. As várias oficinas da lavaria cessaram de funcionar por a água ter gelado nos tubos."

Fotografias: © O Século Ilustrado / Rui C. Barbosa

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