segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Trilhos seculares - Entre a Pedra Bela e a Rocalva caminhando pelo Cando

 


São os carreiros seculares aqueles que melhor definem as serras do Parque Nacional da Peneda-Gerês e em especial a Serra do Gerês.

Caminhos calcorreados durante séculos que marcam a paisagem e a define; sim, a paisagem do Parque Nacional é uma simbiose entre Homem e Natureza. Tentar negá-lo, definindo de forma artificial zonas «wilderness» é só estúpido.

Haverá um ou outro trilho homologado que nos transmita essa sensação de grandeza, mas os velhos carreiros levam-nos a lugares que são únicos naqueles momentos quando por lá passamos. Nunca voltam a ser o mesmo e cada passagem é, em si só, única.


O percurso que fiz neste dia levou-me desde a "Pedra de Velar" até às profundezas da vezeira de Fafião, com as suas histórias de vivência serrana que se abrigam à sombra da alba roca. Assim, manhã cedo e o Sol espreitava já por entre os pinheiros que povoam a paisagem do miradouro que se debruça sobre o Vale do Rio Gerês. O ar, estava ainda quente do braseiro do dia anterior, mas por vezes, fazia-se sentir uma brisa com os resquícios do ar fresco da noite.

Por entre o cantar da passarada, passei o Curral da Espinheira e segui então o traçado da Grande Rota da Peneda-Gerês, passando perto da Pala do Cando de Cima e descendo à estrada florestal do Arado pelo Cocão. O ambiente estava tranquilo sem os Instagramers e Influencers de serviço, reinando a usual tranquilidade matinal que me fez revigorar a vontade de subir a escadaria de acesso ao Miradouro da Cascata do Arado e daqui aceder, mais acima, ao carreiro que me levaria à Corga do Urso. Em pouco tempo, caminhava já no Curral de Coriscada (Portelos) e daqui segui para as encostas de Arrocela já com o meu objectivo à vista na distância.


Seguindo já pelo caminho de Inverno, passava na Fonte da Meda da Arrocela sobre o abrigo pastoril da Arrocela e segui então para a entrada do Vale do Cando sobranceira à Encosta do Cando. Entrava assim numa das paisagens singulares da Serra do Gerês! Tendo como figura principal a Roca de Pias, o vale parece dividido em dois pelo Quinão do Meio, um amontoado granítico que realça a verticalidade da parede que o precede. Imensa, a Roca de Pias destaca-se na paisagem longínqua da estrada nacional a caminho de Chaves e é uma das paisagens singulares do Parque Nacional. Sobre nós, a profundidade do vale despenha-se nas águas dos rios que correm lá, no fundo. Entre a vegetação esconde-se um manancial de vida e uma pequena paragem revela-nos os pequenos segredos que a montanha pode ter para nos contar.

O caminho vai agora seguir ao longo do vale à medida que o fundo deste, rasgado por pequenas fechas, se aproxima de nós, encontrando-nos já perto do abrigo pastoril do Cando. Antes, muito antes, já somos absortos pela paisagem que se forma com a Roca Negra imensa a coroar aquela obra natural. Atravessa-se então pequeno ribeiro e inicia-se a subida das faldas do Quinão do Meio para a imensa chã que nos vai presentear com a rainha de serra. A Meda de Rocalva assume-se dona e senhora da paisagem que nos espanta em qualquer altura do ano. "Roca Alba", das primeiras a ser presenteada com os primordiais raios de Sol de cada dia, é um marco na paisagem. Aqui, longe das burocracias dos ICNFs deste país, o Parque Nacional renova-se a cada ano em força de natureza pura e em simbiose com o Homem a sua forma de estar que se adapta às suas necessidades, preservando-a, pois esta é o seu futuro.


Depois de uma curta paragem para um retemperante café, rumo em direcção ao velho e alagado Curral de Roca Negra e daqui traço o azimute para o Borrageiro. A paisagem vai-se transformando e as alturas levam o meu olhar para lá das serras, para as lonjuras de Trás-os-Montes, O Reino Maravilho de Torga, que se resguarda. Porém, infelizmente, não por muito tempo, pois a ânsia do lucro irá em breve esventrar as entranhas da Terra em busca de uma esperança que no final será sempre efémera no ocaso de uma vida melhor.

Por entre giestas e carquejas, percorro os caminho onde o zimbro já se faz notar, seguindo as velhas mariolas que assinalam a direcção a seguir. O granito desnuda-se à vista da velha antena no alto dos 1.430 metros e ali permanece como um monumento, mais um, à má gestão de um Parque Nacional agonizantemente de joelhos. Após a costumeira paragem junto do centenário marco geodésico, inicio a descida que me levará ao Arco do Borrageiro e depois busco para fresca água da Fonte da Borrageirinha.

O meu olhar varre o horizonte à minha volta, percorrendo as alturas do Minho. O horizonte a Poente carrega-se de nuvens, mas o interior é ainda banhado por um estranho Sol que ainda aquece um ar que se enche agora de humidade. Desço mais um pouco e passo pela chã onde terá existido o Curral de Chã da Fonte (tema de um próximo artigo) e sigo para a descida da Pegada das Ruivas que me levará aos metros finais da Garganta da Preza. Atravessando o ribeiro, surge já à vista o Curral de Camalhão onde finalmente paro para um já merecido almoço.

A parte final do percurso vai-me levar pela Encosta da Boca do Suero na vertente Poente do Vale de Teixeira, através de um carreiro pastoril para o Curral da Lomba do Vidoeiro e depois pelo Curral da Carvalha das Éguas, terminando então no ponto de partida, já no burburinho da Pedra Bela com os seus Instagramers e Influencers...
































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

3 comentários:

Francisco Ascensão disse...

Há indícios de um abrigo na chã da fonte?

Rui C. Barbosa disse...

Tude de Sousa lista um curral em Chã da Fonte e de facto há por lá algo.

http://carris-geres.blogspot.com/2023/04/cha-da-fonte-razao-de-um-nome.html

Francisco Ascensão disse...

Ah sim, já me lembro deste post, é mesmo impressionante passar-se nestes locais, pensamos que já vimos e conhecemos aquela zona mas na verdade não, lá está algo para nos provar que ainda não conhecemos nem metade do que ali existe. Será que poderia ser algo parecido ao que hoje vemos no curral da laja?