Em termos pessoais sinto o Outono como a estação mais expressiva do ano. A chegada dos dias mais frios, a transmutação da paisagem e do ser, marcam uma época especial no calendário assinalada pelo Magusto ou pelo Samhain.
Esta é uma festividade, que noutros países onde a cultura Celta permanece viva, recebe a designação de Samhain (Irlanda), Samhuinn (Escócia), Hop tu Naa (Ilha de Man), Calan Gaeaf (País de Gales), Kalan Gwav (Cornualha) e Kalan Goañv (Escócia), tendo vínculos entre todas as variantes atlânticas da festividade.Assim, a ligação entre o ser que caminha e a Natureza parece tornar-se mais forte à medida que os dias se encurtam e à medida que caminhamos para o Inverno. A verdade, é que a cada dia que passa a Natureza transmuta-se através de uma palete de cores que vai dando um aspecto distinto à Mata de Albergaria. Em poucos dias, a paisagem muda e a mata vai-se tornando cada vez mais outonal até à chegada das grandes intempéries que a irão despir à entrada das longas noites.
Neste dia, a caminhada deu-se entre o Bico da Geira e a Ponte Feia, seguindo pela Estrada da Geira que cobre a Geira Romana.
A Milha XXXI, localizada no Bico da Geira, freguesia de S. João de Campo, a uma altitude de 610 metros, apresenta magnificas evidências da forma como os miliários eram extraídos dos afloramentos graníticos, distinguindo-se num deles as marcas rasgadas para a implantação das cunhas em madeira, tendo o trabalho sido abandonado já depois de terem sido abertas as cunheiras. Ainda hoje se observa um esboço de miliário que nunca chegou a ser completado.
Neste local, para além da pedreira de onde foram retirados os miliários, foi exumado um conjunto de 21 miliários, dos quais sete conservam as inscrições: Adriano (117-138), Décio (249-251), Caro (282-283), e Licínio (308-324). De realçar que aqui foi também encontrado um pequeno miliário semi-enterrado, que conserva traços de pintura a ocre. Perante esta evidência é possível que também os outros miliários fossem, regularmente, pintados.
Para além dos miliário e da pedreira, observam-se restos de uma calçada com pedras bem fincadas, de forma a facilitar a passagem de uma ribeira que desce da montanha. Nesta zona a via já transcorre a Mata de Albergaria, um imponente carvalhal, onde também se notam inúmeros azevinhos.
O traçado do caminho romano desta milha à seguinte foi coberto pela estrada florestal.
A Estrada da Geira segue então em direcção à Volta do Covo passando pela vertente da Pedra Furada e pelo Cancelo. Na milha XXXII, situada na Volta do Covo, freguesia de S. João de Campo, a uma altitude de 640 metros, conservam-se 23 miliários, dos quais 16 são anepígrafes. A bibliografia refere 7 miliários com epígrafes. Um de Adriano (117-138), datável do ano 135; dois de Maximino e Máximo (235-238), datáveis do ano 238; um de Décio (250); um de Caro (282-283); um de Magnêncio (350-353) e outro de Decêncio (351-353)
Não é possível afirmar que os miliários se encontrem in situ, já que teriam sido agrupados, provavelmente, quando se abriu a estrada florestal, tanto mais que parte deles estão junto a uma estrutura muito tardia, já referida por Mattos Ferreira.
No trajecto entre as milhas XXXII e XXXIII conservam-se vestígios de duas pontes romanas, que permitiam transpor as ribeiras da Maceira e do Forno.
Da Volta do Covo à zona de confluência das duas ribeiras mantém-se a estrada florestal. No local onde se juntam as ribeiras observa-se cerâmica romana de construção o que nos leva admitir que neste local terá funcionado uma mutatio, tal como na Bouça da Mó.
O troço entre a Ponte sobre a Ribeira do Forno e a milha XXXIII está relativamente bem conservado observando-se algumas calçadas e rodados marcados na rocha.
A passagem pela Volta do Covo dá-nos uma magnífica perspectiva do Vale do Rio Homem na sua passagem pela Albergaria, bem como da vertente do Peito de Albergaria mais acima, encimada pelo Cabeço do Cantarelo e pelas vertentes do Corno Godinho. Passando a Balsada, vamos então chegar à Albergaria com os seus antigos viveiros de trutas e a sua Casa Florestal. Atravessando as duas pontes de madeira, depressa chegamos à Ponte Feia, onde se localiza mais um interessante conjunto de marcos miliários na Milha XXXIII.
No local desta milha, (...), a uma altitude de 660 metros, conservam-se 20 miliários. Sem escavações não é possível afirmar se estão no local original, ou se foram repostos em épocas posteriores.
Actualmente apenas se conseguem ler as inscrições em quatro miliários. De acordo com a bibliografia as inscrições referem-se ao século III: Maximino e Máximo (238); Décio (250); Tácito (276); Carino (283-285) e Maximiano (285-305).
No trajecto entre a milha XXXIII e a ponte de S. Miguel podem observar-se os seguintes elementos relacionados com a via romana: uma pedreira para extracção dos miliários; uma das pedreiras que terá alimentado a oficina de talhe dos blocos que serviram para erguer a Ponte de S. Miguel (margem sul); uma passagem a vau sobre a ribeira de Monção, com sólidos blocos de granito de tosco aparelho.
O pavimento da via entre a milha e a ponte, embora sendo plano, encontra-se mal conservado, estando reduzido a uma camada de calhaus, ou seja ao leito de preparação. Da ponte de S. Miguel em diante sobe suavemente, distinguindo-se diversos trechos de via pavimentada com calçada.
Entre o Bico da Geira e a Portela do Homem a via sobe cerca de 140 metros numa extensão de três milhas. No entanto, o pendor da subida é mais marcado entre a Ponte de S. Miguel (670 m.) e a Portela do Homem (750 m.).
Na Portela do Homem dividem-se as bacias dos rios Homem e Lima Trata-se, pois, de um ponto estratégico, a porta de entrada para a vasta bacia do rio Lima.
No regresso fiz um pequeno desvio pela Casamata da Albergaria e entrei por momento no Vale do Rio Forno, seguindo depois pelo velho carvalho para o Curral de Albergaria e chegando de novo à Estrada da Geira.
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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