O despoletar da guerra civil espanhola, em Julho de 1936, e a sublevação militar, apanhou uma Galiza desprevenida. A resistência Galega era composta essencialmente por civis de múltiplas correntes políticas e apoiantes da República que nada puderam fazer. Só nos primeiros seis meses foram fuzilados 2.500 galegos.
Nos dias e meses seguintes, milhares de galegos fugiram para o País Basco e França. Os das aldeias raianas e de cariz rural e com relações desde o tempo que não havia fronteiras, fugiram para os montes e serras, dedicando-se ao contrabando, ou refugiaram-se em Portugal nas casas dos labradores. Foi assim que Cabril recebeu dezenas de "fuxidos" perseguidos que vinham essencialmente das aldeias de Vila Meã, Torneiros, Lobios, San Paio, Padrendo, Puxado, etc... Espalharam-se um pouco por todas as casas, dormiam em palheiros, comiam pão e sopa, não era muito, mas as casas de lavoura de Cabril não eram ricas. Tinham o que a terra dava, que mal chegava para as suas necessidades, e em troca os Galegos ajudavam nas lides do campo.
Há uma situação que é descrita pelo Adérito de Cavalos, "eu não sou desse tempo, mas lembro-me bem de ouvir falar o meu avô, que era o António Zé de Vila Boa, que tinha afrontado e ameaçado o tenente Rodrigues e avisou-o para deixar os Galegos em paz e que não tocassem em nenhum homem que tinha lá em casa. Eu ainda me lembro de vir um grupo de Galegos, que tinham sido refugiados na casa dele, serra abaixo com umas espingardas as costas, vieram visitar o meu avô, comeram e dormiram lá em casa e no dia a seguir lá foram serra a cima."
As relações de Cabril com as aldeias raianas Galegas não se limitaram só a esta época negra da história, perdurou por muito tempo. Sempre existiu muita solidariedade entre estes povos, pois anos mais tarde foi a vez de as gentes de Cabril fazer o caminho inverso. Iam em trabalhos agrícolas sazonais, sendo uma altura que era bastante comum ver um "bando" de homens a subir a serra de malho às costas, iam cortar e malhar centeio para Lobios, Torneiros e Vila Meã. As pessoas de Cabril quando precisavam de alguma coisa, não procuravam as cidades nem vilas portuguesas, iam a pé pela serra comprar alimentos, utensílios agrícolas e bens de primeira necessidade. Por esta altura, Vila Meã tinha bastante comércio e muita gente, tinha crescido devido ao contrabando e a exploração de volfrâmio, principalmente na Mina das Sombras, onde também trabalhou muita gente de Cabril, tanto na abertura da estrada como na mina, aliás as duas últimas pessoas abandonarem a mina eram de Cabril, foi o guarda Serrinha, já falecido e a sua mulher a "Ti" Antónia da Poça Grande.
Era também para as aldeias galegas, que os rapazes mais novos se iam divertir, iam aos contos de fiadeiro, o "Ti" Domingos da Conceição, de Cavalos, foi muitas vezes, "ó rapaz era uma alegria por essa serra fora, nem se dava conta do caminho e íamos aos seis e sete. Aquilo é que era bailar e tocar, dançar eram grandes festas."
Hoje esse mundo já não existe, os tempos mudam. Deixou de fazer sentido as grandes travessias a pé para ir fazer compras ou ir às festas. O volfrâmio deixou de ter valor e as minas foram abandonadas.
As aldeias da Galiza raiana sofreram muito com a desertificação. A última vez que lá estive, fui à aldeia de San Paio, entrei e sai da aldeia e não vi uma única pessoa, nem tão pouco um cão! Na aldeia de Vila Meã encontrei somente 3 pessoas, já idosas sentadas numa pedra junto a uma parede de uma casa, a ver o tempo passar. Quando me perguntaram de que sítio eu era de Portugal, e eu respondi que era de Cabril, elas logo disseram, "antigamente vinha por aqui muita gente de Cabril: o João da Ponte, o Braga, os Roquinhas, o António Miranda... Havia muito comércio por aqui. Agora não há nada, não existe nenhum comércio, o último fechou há anos, era o Calila, que morreu, as pessoas foram para Vigo, Ourense e Corunha, já nem sequer existem animais na aldeia..."
Para mim não deixa de ser delicioso e fascinante ouvir estas histórias contadas por quem viveu esses tempos difíceis, histórias dos homens de Cabril, a solidariedade que criaram com as gentes da Galiza a entre ajuda dos dois povos que não conhecia fronteiras nem marcos a dividir dois países com gente demasiado igual.
Texto e fotografia de Ulisses Pereira (todos os direitos reservados).
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