terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Histórias do povo de Cabril - "A aldeia de Pincães, a sua fecha e o impacto do turismo"

 


As primeiras aldeias eram criadas próximas dos rios ou pontos de água, de modo a usufruir da terra fértil e água para seres humanos e animais. Por isso o Rio de Pincães, tem uma enorme importância para a aldeia, assim como a sua fecha, que atualmente é mais conhecida pela cascata de Pincães, e acho que tivemos sorte... Poderia ser por cachoeira como dizem nas novelas brasileiras, ou então ainda pior... Como aqueles turistas que pararam o carro e perguntaram:

- Olhe, por favor, sabem-me dizer como se chega a cascata Dulce Pontes? 

- Não... Isso não é por aqui.

- Más é, é em Cabril.

- Olhe que não, isso não existe por aqui.

- Existe sim, eu vi na Internet. 

- Ah... Pois.

Depois de se ver a fotografia, lá se deu conta que afinal era Cela Cavalos. Mas já dizia o infame Ministro da propaganda Nazi, Joseph Goebbles: "Uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade."

E é assim que começamos a "ganhar" uma nova toponímia nas nossas aldeias, até já temos um Tahiti, umas cascatas Dulce Pontes, as Sete Lagoas, vários novos poços, outras tantas montanhas, etc... Até Sistelo, já é o pequeno Tibete Português... Eu ando "mortinho" por saber onde vai aparecer a Austrália Portuguesa!

O importante é que para os locais e residentes, a Fecha será sempre a Fecha, pois foi com a sua queda de água e a poça por debaixo do seu rochedo que as pessoas da aldeia de Pincães, se conseguiram fixar e produzir alimentos em abundância e tratar bem dos seus animais devido à boa pastagem e água abundante que a poça logo abaixo da fecha consegue reter, se bem que alguns turistas e veraneantes, não acreditam que é uma poça, nem na sua real utilidade, só assim se explica, o porquê de esses mesmos turistas andarem a tapar a poça para poderem ter água para se banhar, prejudicando os residentes e causando-lhe enormes transtornos e prejuízos, e fazendo-os perder a água e as suas preciosas horas de rega, principalmente em tempos de seca. 

O que fazer? É o que temos!... 

No manuscrito de 1744 o Padre Diogo Martins Pereira, fala da água comunitária e na forma de aviar e na mudança de dono segundo duas regras, além de descrever com exactidão todos os usos e costumes. 

"...A melhor e mais abundante e útil água que possui, é a do rio da Fecha, que vem descendo do Gerês até à dita Fecha, e logo abaixo da rocha aterraram por um grande Rego por espaço de um quarto de légua, até todo o lugar e regam as duas veigas, a do lugar e a grande que tem repartidas por paredes para duas folhas, hoje regam com abundância as duas veigas com tal água que ainda há poucos anos não regavam a grande, mas só a do lugar da parte das casas, e a causa disto, foi um ir levantando desde a Pala Doce o Rego e o meteram por cima de todo o lugar e a meteram na Veiga grande que hoje regam e colhem abundância de frutos."

Os antigos tiraram esta água muito para cima da rocha, ainda hoje chamam Jerela, mas por aquela parte era pouco útil ao lugar de Pincães, assim por ser de lá pouca (...)..." 

A sobrevivência do lugar de Pincães deve-se em grande parte a sua água, pois a água é vida... Por isso tem de se respeitar as águas e a forma de vida das populações locais, usufrua da natureza, mas nada deixe, nem nada leve e a cima de tudo não tente modificar uma forma de vida e de estar. 
Aqui fica uma descrição da fecha feita em 1744. 

"(...) Faz este rio de Pincães nesta fecha uma notável caduca pela queda que faz rio dentro de um feio poço pela altura com que cai do alto a baixo,e é esta fecha tão alta e cortada que vista ao pé, põe pavor e é feita de meio círculo bem cortado pela natureza, e lá no meio da rocha criam às vezes as aves reais seus filhos e pelo meio da rocha cai o rio ainda nas grandes enchentes sem encorar nem transbordar aos lados da rocha, que a serventia do rio tem capacidade para tudo(...)"


Texto e fotografias © Ulisses Pereira (Todos os direitos reservados)

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