segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O último «passador» a salto de Cabril


O Ulisses Pereira teve a oportunidade de conversar com o Ti Manel do Barreiro, sobre a sua vida de «passador» numa altura em que Portugal vivia uma longa ditadura. Eis a sua história...

Entre 1960 e 1975, cerca de um milhão e meio de portugueses, um sexto da população residente, saiu de Portugal.

Os portugueses fugiam da miséria, da ditadura e, acima de tudo, da guerra. Fugiam a pé, a "salto" pelas zonas raianas. Ora, é ai que entra o ti Manel, como um"passador" de homens.

- Ó tio, como é que se tornou um passador? - pergunto eu.

- Oh pá, sei lá, não havia onde ganhar um tostão, era uma miséria, era o que dava a terra e os animais! Um dia o Zé Requité de Azevedo (aldeia) veio falar comigo e pronto... Foi assim: ganhava 500 escudos por cada passagem, andava o dia todo a lavrar e à noite ia ter à barca com o Zé, roubávamos a barca e íamos a Frades a um pinhal em que os "desgraçados" já lá estavam escondidos, o outro passador lá os entregava e lá íamos nós, a chover, a nevar ao frio, nem sei o que te diga...era um tempo!!!Subia com aqueles desgraçados pelo Jardim, em direcção ao Castanheiro, passava pela Garganta das Negras, sempre a corta monte pois a guarda fiscal fazia esperas, levava sempre a arma, era andar toda a noite... Chegávamos de manhã a Espanha, a Vila Meã, aí íamos para um palheiro onde estava o outro passador que nos pagava e nos dava uma lata de sardinhas e um bocado de pão e dormíamos até à noite e depois lá vinha para Cabril. Ainda aproveitava para comprar um polvo seco, uma carne gorda seca, e às vezes um bocado de pano para a minha mãe fazer uma saia ou umas calças, era assim, uma miséria... Fiz isso doze vezes, e os meus pais só souberam da última vez que fiz, sabes porquê? Eu estava em Lagoa a beber água agachado na fonte e, quando dei conta do gado mexer no Curral dos do Carvalho, quando me levanto para ver, dou com os olhos na Guarda fiscal! Oh pá! Desatei a correr!!! Eles ainda mandaram um tiro, penso que foi para o ar, certamente que foi, mas o certo é que eu não parei, ao chegar às Lajas de Lagoa lá atirei com umas coisas que trazia para traz de uma mouteira de urzes e escondi-me, passei lá o dia todo, e quando cheguei a casa, já andava tudo à minha procura, e aí tive que contar à minha mãe, tempos do caralho era uma miséria, mas pronto, ganhei dinheiro para fazer a tropa.

O próprio Manel do Barreiro, depois de ajudar tantos a passar a fronteira,também acabou por emigrar, curiosamente, não para França, tendo escolhido a Alemanha como país de acolhimento. 

- Oh rapaz, foi o melhor que eu fiz na minha vida, é um bom país....

Fotografia e texto © Ulisses Pereira (Todos os direitos reservados)

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