O PNPG não existe, é um zombie, um morto vivo ou no máximo um paciente em estado de coma ligado a uma máquina que o mantém a respirar. Mas não tarda estará morto. E estará morto porque a preservação ambiental em Portugal é um assunto que surge sempre em segundo plano. Enquanto que assim for, e por muita tinta e latim que se gaste a debater o assunto, é uma perda de tempo!
Espelho desta realidade é o único Parque Nacional que existe em Portugal. Mas, como é que o Parque Nacional da Peneda-Gerês chegou a este ponto?
Este texto já foi publicado neste blogue aqui.
O Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 134/95, de 11 de Novembro, para vigorar por um período de 10 anos. O actual Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês foi publicado no Diário da República através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-A/2011, de 04 de Fevereiro (Diário da República n.º 25, Suplemento, Série I de 2011-02-04 - Presidência do Conselho de Ministros) e resulta de largos meses (senão anos) de uma acalorada discussão que a certo ponto levou à verdadeira catástrofe que se viveu no Parque Nacional no Verão de 2010.
Um pormenor interessante que mereceu uma discussão pública acesa foi a introdução da fórmula matemática do conceito 'wilderness' que tinha como objectivo a identificação de uma grande área sem influência do homem e que no Plano de Ordenamento está quase representada pela Zona de Protecção Total (ZPT). Esta tentativa de isolar parte do parque nacional mereceu uma grande contestação por parte das populações e não só, encontrando apenas defensores nas hostes mais conservacionistas a nível ambiental e nos seus promotores dentro do PNPG. A contestação foi de dimensão tal, que o conceito acabou por ser aparentemente abandonado.
Nesta altura coloca-se a questão "De onde surge o conceito 'wilderness'?" O actual POPNPG não pode ser compreendido se ser relacionado com o contrato realizado entre Portugal e a Fundação Pan Parks. Este contrato foi assinado a 12 de Novembro de 2007 em Lisboa ao fim de vários anos de negociações e envolveu o (então) ICNB, o PNPG e a Fundação Pan Parks. O que é a Fundação Pan Parks? Esta é uma fundação europeia que tinha como objectivo certificar a gestão de áreas protegidas. A Pan Parks dizia que tinha como missão a protecção dos habitats naturais e ecossistemas frágeis; o trabalho em cooperação com áreas protegidas europeias para utilizar a sua certificação para garantir a salvaguarda das áreas selvagens (wilderness); a promoção de um turismo sustentável e responsável para a expansão do amor, respeito e orgulho pelas áreas selvagens na Europa. A fundação foi criada em 1998 pela World Wide Fund for Nature e a companhia de viagens holandesa Molecaten, com o objectivo de se criar parques nacionais na Europa à imagem e modelos dos parques nacionais de Yellowstone e Yosemite, nos Estados Unidos.
Apesar de todas estas boas intenções, a Pan Parks em tempos referia que "PAN Parks does not want to make nature 'available to all'. PAN Parks is the European wilderness protection organisation", simplesmente "A PAN Parke não quer tornar a natureza 'disponível para todos'. A PAN Parks é a organização europeia de protecção da vida selvagem."
Com a assinatura do contrato com a Fundação Pan Parks, o Estado Português comprometia-se a criar uma zona wilderness no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Isto levou à criação de uma fórmula matemática que criou na versão original uma área wilderness que se estendia entre parte da Serra Amarela e a parte superior do Vale do Homem, apostando na sua expansão ao longo dos anos partindo do princípio do abandono das actividades de pastorícia por parte das populações serranas. A ideia era simples: com o desaparecimento da pastorícia na Serra do Gerês e a sua manutenção junto dos núcleos populacionais com um intuito meramente turístico (pois a imagem da pastorícia era vendida como um factor promocional pela Pan Parks para atrair os visitantes para os seus parceiros), seria mais fácil criar zonas totalmente interditas nas quais somente os visitantes Pan Parks pudessem aceder ao solicitar serviços dos parceiros turísticos credenciados pela própria Pan Parks.
No entanto, a criação destas zonas no imediato não seria possível por várias razões, sendo a principal a presença transumante dos gados na Serra do Gerês através das vezeiras. Assim, o POPNPG teria de criar as barreiras que ao longo do tempo levasse ao abandono destas actividades e ao abandono da presença de visitantes em determinadas zonas do parque nacional. Isto levou à implementação de diferentes áreas de protecção, sendo a Área de Protecção Total a área mais restrita em termos de protecção. No entanto, o espírito com o qual o POPNPG foi lavrado indicava uma abertura do PNPG à visitação, algo que parece estar em contradição com as intenções da criação de uma zona wilderness na qual a influência e presença humana fosse mínima.
As diferentes áreas de protecção estabelecem um factor carga na visitação ao estipularem os números mínimos de visitantes para os quais é necessária uma autorização. Assim, a visita à Área de Protecção Total requer uma autorização seja qual for o número de visitantes, enquanto que a Área de Protecção Complementar de Tipo I esse número é estabelecido num máximo de 10 (isto é, a visitação é permitida sem autorização até grupos de 10 pessoas) e na Área de Protecção Complementar de Tipo II esse número é fixado em 15 pessoas. Todas estas áreas estão dentro da denominada Zona de Ambiente Natural (na Zona de Ambiente Rural não há necessidade de qualquer autorização seja qual for o número de visitantes e o local a visitar).
Partindo do pressuposto que os visitantes teriam a iniciativa de solicitar esta autorização, previa-se que o número de solicitações fosse aumentando ao longo do tempo. No entanto, a abertura do PNPG à visitação (mesmo com a necessidade de autorização em determinadas zonas) levaria a que a maioria dos potenciais visitantes não utilizasse os serviços das empresas e entidades certificadas pela Pan Parks. Assim sendo, porque razão as empresas de animação de turismo de natureza se iriam associar à Pan Parks?
Esta situação foi resolvida com o aparecimento da Portaria 1245/2009, de 13 de Outubro, na qual são estabelecidas taxas a pagar pelos pedidos de autorização para a realização de actividades de visitação dentro das áreas protegidas nacionais. Na altura a taxa é estipulada em €200,00 (Duzentos Euros), mas esta portaria acabaria por ser revogada passado algum tempo pela Portaria 1397/2009, de 4 de Dezembro, devido aos fortes protestos gerados. A 4 de Março de 2010 é publicada a Portaria 138-A/2010 que não estabelece qualquer taxa a pagar pelos pedidos de autorização para a realização de actividades de visitação dentro das áreas protegidas nacionais. No entanto, e ao contrário do que seria de esperar, a tutela fez uma leitura abusiva, errada e ilegal de tal portaria, taxando todos os pedidos de autorização. Porque é que isto aconteceu? O que estava escondido no contrato celebrado entre o Estado Português e a Fundação Pan Parks? Será que no fundo as taxas foram a ponta visível de mais um mau negócio realizado pelos governantes deste país? Será que as taxas foram uma tentativa falhada de empurrar os visitantes do Parque Nacional da Peneda-Gerês para as tais empresas e entidades certificadas pela Pan Parks e que tiveram o efeito perverso de colocar os visitantes de outras áreas protegidas a pagarem taxas?
Felizmente, o pagamento das taxas pelos pedidos de autorização para a realização de actividades de visitação foi revogado pela Portaria n.º 122/2014, de 9 de Junho.
Por outro lado, a Fundação Pan Parks faliu em Maio de 2014, estando ainda em fase de liquidação.
Porém, as metastases deste verdadeiro cancro que contaminou o nosso único parque nacional ainda perdurarão por muito tempo.
A Natureza é de Todos e para Todos!
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
1 comentário:
Excelente artigo. Bem esclarecedor da intrigada rede na penumbra, deste nosso parque moribundo.
Enviar um comentário