domingo, 18 de agosto de 2013

Trilhos seculares - Currais extremos


O desafio era entre Lamelas ou o Curral das Mestras. Qualquer um destes locais encontra-se naquilo a que designo como 'Gerês Selvagem', um Gerês onde o Homem existe mas passa bem despercebido devido à imensidão dos espaços e à lonjura do horizonte. Por diversas condicionantes, decidiu-se pela Corga das Mestras e no final do dia foi sem dúvida a decisão mais acertada.

Comecemos então pelo princípio... Esperando-se já um dia quente, a jornada começa cedo na Portela de Leonte. A hora matinal livra-nos do corridinho dos carros a pagar a taxa de acesso para a Mata de Albergaria. Ali, sentado sozinho e tendo por companhia o som do vento nas ramadas e o matinal cantar da passarada, esperava os companheiros e companheiras de jornada. Em pouco tempo subíamos já em direcção ao Vidoal seguindo depois para a Preza, Chã da Fonte e Lomba de Pau. A paisagem era contemplada à medida que íamos vencendo a distância e as sombras se iam escondendo do Sol que subia no céu azul. A brisa matinal arrefecia a pela suada já quando descíamos para o Conho onde se fez um pequeno descanso antes de entrar naquele Gerês selvagem para lá da Messe.


É agradável ver na maioria das ocasiões, que a presença dos homens na montanha vai tendo resultados frutíferos. Os trabalhos de arranjo dos trilhos de montanha que têm sido protagonizados pelas vezeiras, têm levado à conservação dos velhos caminhos e à colocação de mariolas de forma ordenada. Exemplo disto, é a descida inicial da Lomba de Pau para o Conho com o caminho a ser melhorado e alargado para permitir  a passagem dos animais sem grande dificuldade.

Porém, existe um aspecto que não deve ser descuidado e este está relacionado com a limpeza em torno dos abrigos. Se o lixo usual é pouco visível, o mesmo já não se pode dizer da grande quantidade de vidros partidos que se encontram ao lado do abrigo de pastores existente no Curral do Conho. Quando chegávamos a esse local, uma vaca começava a pegar no fundo de uma garrafa e certamente que, não fosse a nossa intervenção, o resultado teria sido muito complicado para o animal. Assim, torna-se urgente a limpeza dos vidros daquele local.

Prosseguimos então o caminho passando pela Ribeira do Porto das Vacas e pelo Curral da Pedra que serviu de passagem para a derradeira jornada em busca de dois dois currais extremos do Gerês. Continuamos no velho trilho entre a Messe e o Borrageiro na companhia de rapinas que patrulhavam os céus do Gerês. A sublime paisagem das Fechinhas e do Vale do Rio da Touça, um espectáculo único em si em todo o Parque Nacional, foi ficando para trás, mas as cumeadas da Roca Negra, da Meda de Rocalva, do Iteiro de Ovos e de Porta Ruivas, seriam sempre um referencial que me acompanharia por quase todo o dia.

O sopé do Cabeço da Cova da Porca é sempre um alento por quem caminha naquelas paragens. «Escondida» numa pequena corga, encontra-se uma fonte da qual (à semelhança da fonte da chã com o mesmo nome) brota sempre uma água fresca que nos dá o impulso para os metros que faltarão até ao descanso merecido. Alo logo ao lado, está o Curral dos Bezerros antes da entrada na extremidade Norte da Corga de Valongo a qual é percorria na sua vertente Este até atingirmos a Corda da Arrocela. Foi aqui onde surgiu a primeira grande surpresa do dia com a «descoberta» da Mina de Arrocela, restos mineiros de um passado cada vez mais distante e com uma história por contar. A extensão explorada, verdadeira cicatriz na montanha, é ainda extensa e sem dúvida que em tempo útil irá merecer uma outra visita mais cuidada. Na exploração encontrámos algumas construções toscas o que por si só indicam que a presença do Homem naquele local foi em certa medida prolongada.


Procurando velhas mariolas, e sabendo da existência de um curral não muito afastado, abandonamos o trilho principal e prosseguimos em direcção ao BOrrageiro sem no entanto ser esse o objectivo final. Ultrapassado um declive, o curral que procurava-mos surgiu na curta distância de uma centenas de passos. Ao longe, o «novo» curral faz lembrar o magnífico Curral de Absedo (o mais extremo dos extremos). Com uma divisão central, a sua forma é no entanto alongada contrastando com a circunferência quase perfeita do Absedo. Desconhecendo o nome do curral, chamei-lhe 'Curral das Quinas da Arrocela' devido à relativa proximidade com esta zona. No entanto, e se alguém souber a designação deste local, peço que me informem. A paisagem a partir deste local é magnífica com o colosso do Borrageiro a dominar a paisagem a Oeste. Os clássicos picos do cabeço da Cova da Porca (Torrinheira) e de Cidadelhe dominam a Norte e os longínquos pináculos de Fafião encontram-se a Oeste. Sem dúvida um local para se passar uma boa noite de Verão, não tendo infelizmente um curso de água «por perto».

No entanto, não era aqui o destino final do dia. Esse estava ali perto no imenso buraco cavado no Gerês por um pequeno curso de água. Com a Corga das Mestras já ali ao lado, foi de fácil descoberta a fantástica descida para o Curral das Mestras. Toda a paisagem é avassaladora, uma soberba de emoções que nos arrepiam a pele a cada passo. De facto, queremos a cada passo parar e olhar para o lado para tentar memorizar cada pequena diferença de ângulo que nos permita recordar aquela paisagem e aqueles momentos em que pela primeira vez vemos algo de novo. Certamente que não somos os primeiros, longe disso, mas a sensação de descoberta é inabalável, ao que se segue uma vontade de partilha de emoções.


O Borrageiro, um imenso colosso de granito, está invencível na paisagem e afunda as suas encostas no pequeno riacho que corre de forma tímida e açoitado pelo calor no fundo vale. À medida que vamos descendo, a montanha parece elevar-se e ganhar altitude. São as grandes paisagens geresianas que se misturam com um fervilhar de sentimentos tão bem descritos por Torga e que povoam esta imensidão. Poucas são as palavras para adjectivar o que vemos e todas elas se me escapam como areia pelo meio dos dedos...

Finalmente chegados a um local à muito conhecido mas ao qual nunca tinha prestado uma visita. Sempre dissera um dia ali passarei, mas esse dia tardou em chegar com o descanso de saber que sempre estaria ali. Não há pressa em conhecer a Serra do Gerês e ela deve ser conhecida quando se quiser dar a conhecer. O Curral das Mestras é talvez o mais 'gótico' dos currais extremos. Encaixado na rudeza da montanha à sombra do Borrageiro, o curral é de pequena dimensão e tal como o curral por onde tínhamos passado há poucos minutos, tem um forno de pedra solta muito bem conservado. Por estes dias a corga leva pouca água, mas imagino aquele local num dia de invernia geresiana com a neve a cair e a paisagem a toldar-se de branco. Há sempre mais um desafio a vencer... ou experimentar.


Hora de descanso, hora de retemperar forças, mas a hora do regresso chega sempre por muito que a queiramos adiar. O regresso seria longo e mais pesaroso do que a viagem de ida e no final ficariam marcas no corpo com uma dor intensa num dos joelhos.

Subindo a Corga das Mestras até apanhar de novo o trilho entre o Borrageiro e a Messe. Passando ao lado do secular Pinheiro da Cigarra, prossegui até ao extremo da Corga de Valongo, flectindo depois em direcção ao Absedo. Ficar-me-ia pelos altos serranos a contemplar o inóspito curral e a parte superior do imenso Vale do Homem até aos altos de Carris, Cabreirinha, Altar de Cabrões e Nevosa. Depois, passei ao lado do Cabeço da Cova da Porca e segui pelo velho trilho que resiste ao passar das eras até chegar ao extremo da Corga da Água da Pala. Pouco depois, chegava à vista dos Prados da Messe, porém não no local onde queria, o que me obrigou a uma descida da encosta com todo o cuidado à medida que o Sol me ia fazendo desejar cada vez mais por um pequeno curso de água, mesmo sabendo que a fonte nos Prados da Messe brotava uma água fresca. O final da descida foi já perto da antiga casa da Messe e depois de me dirigir para o curral, guardado por dois pastores, refastelei-me de litros de água que tonificaram o espírito até à minha paragem no Curral do Conho onde tive a companhia de uma curiosa vaca... talvez a mesma a qual da parte da manhã livramos de um sofrimento.

O resto do caminho fez-se percorrendo o habitual trajecto através da Lomba de Pau, Chã da Fonte, Preza, Vidoal (onde encontrei dois casais de valorosos caminheiros que também haviam desfrutado um dia serrano no Gerês) e finalmente uma dolorosa descida até ao carro na Portela de Leonte.

As dores no joelho entretanto já vão passando e em breve estou pronto para um desafio chamado Lamelas...

Um abraço para os companheiros de jornada: X, Tixa, Xara, Filipe e Filipa.

Algumas fotografias do dia...





















































Fotografias: © Rui C. Barbosa

5 comentários:

j.arlindo disse...

A proposito do post currais extremos e de muitos outros..
Nunca caminhamos juntos (apenas trocamos normais e breves cumprimentos na última, e molhada, manif antitaxas de Leonte (Gerês), mas é como se o tivessemos feito... dezenas de vezes.
Cada um saberá (ou não) as motivações que o que o levam à montanha e, com uma afectividade especial, à descoberta da natureza (e dos homens) no “nosso” PN. Felizmente, a mim – como a outros – além do salutar desafio para o corpo, basta-me a beleza, o silêncio, o momento interior numa descoberta simples ou do olhar – um novo trilho, uma inusitada perspectiva , uma cor, uma forma, um momento particular da incidência da luz e, sobretudo, esse encontro – a partilha consciente, milagrosa, amoral, de instantes de Vida – no imparcial espelho da natureza.
Pelo contributo na defesa do património material e imaterial do Gerês (com pessoas) e porque, quem o respeita assim, quem o descobre e divulga assim, quem se maravilha assim, quem o descreve assim, quem o fotografa assim, quem o respira assim, quem o partlha assim... merece que se repercuta aqui, no blog Carris, o voto de louvor proposto ao Rui Barbosa pelo meu conterrâneo Zé Moreira e que, uma pessoa habitualmente reservada e com índices “normais “ de individualismo, reconciliada com alguns dos valores essenciais do espírto humano, não reprima – antes liberte – este solidario e efusivo abraço montanheiro.
j.arlindo

j.arlindo disse...

A proposito do post currais extremos e de muitos outros..
Nunca caminhamos juntos (apenas trocamos normais e breves cumprimentos na última, e molhada, manif antitaxas de Leonte (Gerês), mas é como se o tivessemos feito... dezenas de vezes.
Cada um saberá (ou não) as motivações que o que o levam à montanha e, com uma afectividade especial, à descoberta da natureza (e dos homens) no “nosso” PN. Felizmente, a mim – como a outros – além do salutar desafio para o corpo, basta-me a beleza, o silêncio, o momento interior numa descoberta simples ou do olhar – um novo trilho, uma inusitada perspectiva , uma cor, uma forma, um momento particular da incidência da luz e, sobretudo, esse encontro – a partilha consciente, milagrosa, amoral, de instantes de Vida – no imparcial espelho da natureza.
Pelo contributo na defesa do património material e imaterial do Gerês (com pessoas) e porque, quem o respeita assim, quem o descobre e divulga assim, quem se maravilha assim, quem o descreve assim, quem o fotografa assim, quem o respira assim, quem o partlha assim... merece que se repercuta aqui, no blog Carris, o voto de louvor proposto ao Rui Barbosa pelo meu conterrâneo Zé Moreira e que, uma pessoa habitualmente reservada e com índices “normais “ de individualismo, reconciliada com alguns dos valores essenciais do espírto humano, não reprima – antes liberte – este solidario e efusivo abraço montanheiro.
j.arlindo

Rui C. Barbosa disse...

Obrigado pelas tuas palavras!

O Gerês é uma paixão, um estado de alma (não querendo com isto transformar a comparação num 'lugar comum').

Saber que as minhas sensações são de todo compartilhadas por outros ao ler os textos e a ver as fotos, é o suficiente para ter a sensação de trabalho realizado e objectivo conseguido.

A caminhada conjunta haverá de chegar um dia...

Grande abraço!

TiXa, Xarah e Xavier disse...

Amigo,

fica a curiosidade, a rapina que nos sobrevoou pouco depois de entrarmos no dito Gerês Selvagem é uma águia cobreira, já no dia seguinte vimos também uns 4 ou 5 abutres perto da zona da Messe, eles andam aí!

a fonte dos bezerros foi a nossa salvação, uma vez mais agradeço-te por teres relembrado a sua localização.

Partilhar este sentimento de descoberta ao teu lado é fenomenal, felizmente que se proporcionou irmos para aqueles lados!

Grande Abraço
X

j.arlindo disse...

Vivam!

Surpresa e êxtase para os olhos quando, há algum tempo atrás, aquela ave enorme, em movimentos leves mas poderosos (nem me pareceu uma rapina) riscou um traço branco quase de Borrageiro a Borrageiro, fazendo o momento do dia!
Investigação posterior àquele ser alvissimo também me levou à águia cobreira.
Fantástico Gerês!