segunda-feira, 21 de junho de 2021

Um forno pastoril em Leonte?

Nos nossos dias, quando passamos a Portela de Leonte e visitamos os currais existentes nas proximidades (Curral de Vilar da Veiga ou Leonte de Cima, Curral do Campo ou Leonte de Baixo, ou o Curral de Cabanas Giestas), não verificamos a existência de qualquer forno pastoril, mas sim de cabanas (nos dois primeiros) ou palas (no caso do terceiro).

Pelos registos fotográficos, sabemos que a cabana pastoril do Curral de Vilar da Veiga já existia em princípios do Século XX e o mesmo deveria acontecer com a pequena cabana do Curral do Campo.

Numa publicação de 21 de Janeiro de 2020, transcrevi parte de um relatório que foi escrito na revista da então Sociedade de Geographia e que relata uma visita à Serra do Gerês realizada em Setembro de 1882 por Hermenegildo Capello e Leonardo Torres - sócios ordinários dessa Sociedade.

Durante a sua permanência no Gerês, os dois homens participaram numa caçada realizada a 20 e 21 de Setembro, tendo dormido a noite na serra e fazendo a seguinte descrição...

"Na Serra do Gerez ha uns abrigos que chamam fornos, provavelmente por causa das portas que só se pode entrar engatinhando, e dentro d'essa cubata podem dormir nove ou dez homens, deitados em palha e muito unidos.

A pulga e muitas vezes o ganau enxameam aquelles domicilios, que servem de casa aos guardas do gado que á noite o reunem junto d'estes fornos em uns pequenos planos mais abrigados que chamam vezeiros. Vimos dois d'estes cacifres ou casebres, um mesmo na Portella de Leonte e outro em Albergaria; n'este ultimo estava um velho guardador de extensa barba branca, e pelo tempo, local e aspecto fazia sem grande difficuldades a felicidade de um sebastianista ferrenho.

Estavamos condemnados a estacionar e pernoitar no forno de Albergaria, porque a chuva continuava e continuou durante a tarde e durante a noite, quando um dos guias lembrou que era mais limpo o abrigo do Penedo da Palla, no sítio do Ranhado, que nos ficava a uns duzentos passos de distancia; podem lá dormir dez homens e cinco debaixo do penedo que fica logo ao pé, e os sete seguiram logo para o dito forno. Foram dez para o forno, e por esse motivo no abrigo da Palla apenas dormimos sete, perfeitamente abrigados e aquecidos pela constante fogueira que durou toda a noite, sendo alimentada com lenha de carvalhos, que ali se encontram derrocados e não aproveitados."

De facto já sabia da existência do Curral de Albergaria pertencente às gentes de Vilarinho da Furna e com este texto consegui fazer a associação entre um abrigo pastoril existente neste curral e o referido texto que pode ser lido em "Na demanda do forno de Albergaria".

Mais difícil de explicar é a referência ao forno pastoril na Portela de Leonte. Ora, se admitirmos que em finais do Século XIX as definições do espaço a que chamamos "Portela de Leonte" pode ser ligeiramente alargado para Norte já no vale descendente para a Mata de Albergaria, então terei descoberto o que podem ser os restos do forno pastoril referido por Hermenegildo Capello e Leonardo Torres.

Recentemente, e num despropositado desvio ao percorrer as encostas não muito afastadas da Portela de Leonte e na direcção do caminho florestal que sobe a Encosta da Bemposta, surgiram os restos de um forno pastoril e do que parece ser uma velha zona de pastagem tomada pela densa vegetação.



Assim, estes podem de facto ser os restos do forno pastoril acima referido ou um curral cuja designação (Curral de Bemposta?) há muito se perdeu da memória dos Homens.

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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