domingo, 6 de junho de 2021

311... Minas dos Carris às portas do Verão

 


Regresso às Minas dos Carris caminhando pela magnífica paisagem do Vale do Alto Homem, Serra do Gerês, em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês. Um bom dia para caminhar com uma manhã de temperaturas frescas e que facilitaram a progressão, mas que se foi tornando cada vez mais quente à medida que as horas foram passando, levando a uma «tarde de Verão» na descida de regresso.

A caminhada foi feita através de uma zona de protecção total para a qual é necessário ter a autorização por parte do ICNF. Ver aqui como obter.

A curiosidade pelas Minas dos Carris surge-nos porque alguém já ouviu falar ou esteve numas ruínas nos píncaros geresianos.  

O prcurso para Carris inicia-se a uma altitude de 720 metros e rapidamente nos apercebemos que não será um caminho fácil para os mais desprevenidos. A sua dificuldade vai aumentando ao longo do caminho não tanto pela inclinação, mas mais pelo estado do próprio trilho. Em quase 9,8 km de extensão, este é na sua maioria composto por pedra solta que dificulta a progressão. São escassas as extensões em que o terreno é suave.

Na quase totalidade do seu comprimento o trilho é acompanhado pelo jovem Rio Homem e o seu rumor por entre as rochas acompanha-nos quase sempre, sendo quase silencioso nos quentes dias de Verão.


Convém salientar que o traçado está inserido num vale de extrema importância para o Parque Nacional da Peneda-Gerês e que está integrado numa das duas áreas de protecção total existentes naquela área protegida.

Tenho por hábito dividir o trilho em duas partes que considero de dificuldade distinta. A primeira parte termina no que eu considero ser a metade do caminho na ponte junto do Cabeço do Modorno e após se ter vencido já cerca de 300 metros de altitude por entre pedra solta e muita vegetação. A fase inicial da segunda parte do trilho é muito semelhante à primeira parte, mas este vai-se tornando mais suave há medida que nos aproximamos da Ponte das Águas Chocas, sendo um trilho mais fácil a partir daí e até ao final do planalto onde se inicia a subida final para o complexo mineiro, passando nas Abrótegas e já na Corga da Carvoeirinha (ou da Carvoeira). A passagem pela Ponte das Abrótegas é muito fácil e somos presenteados por uma paisagem única que nos leva desde Lamas de Homem até às alturas do Altar de Cabrões já na raia.


No início dos anos 90 ainda era possível observar ao longo do Vale do Alto Homem uma linha de postes de madeira sobre os quais assentava o cabo metálico do telefone, que permitia as comunicações com o complexo mineiro. Nos nossos dias são raros os sinais, ao longo do caminho, daquilo que mais tarde iremos encontrar no final do percurso. Tirando os trabalhos «mais recentes» levados a cabo pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês, com o objectivo de melhorar o caminho para a reflorestação de zonas de alta montanha, é possível observar, mesmo no início do trilho, conjuntos alinhados de rochas que marcam o que então foi uma estrada em terra batida que permitia a passagem de camiões para o transporte do minério e não só. Ao longo do trilho vamos observando um ou outro pequeno muro, ou um ou outro alinhamento de pedras que nos podem sugerir a existência de uma rude estrada serrana. O primeiro sinal sólido da existência de algo mais complexo na serra, surge-nos junto da zona que dá pelo nome de ‘Água da Pala’. Aqui, e já coberta pela vegetação, observamos à nossa esquerda uma área delimitada por um pequeno e baixo muro. Em tempos terá servido de curral para abrigo dos rebanhos (tal como é referido num artigo publicado no Século Ilustrado em 1955). Do lado direito podemos observar, também por entre a vegetação, uma pequena construção com tijolos de cimento que nos dá a ideia de ser uma pequena guarita, mas que já foi referenciada como um pequeno abrigo dos cantoneiros que mantinham o estradão em estado de circulação. Esta zona antecede uma ponte de pedra. Toda este lugar é extremamente peculiar e bucólico.

Na Água da Pala iniciava-se um trilho de pé posto que atravessava o Rio Homem e subia ao longo do rio pela sua margem direita no sopé da Encosta do Sol até atingir o topo do Cabeço do Madorno, algumas centenas de metros após atravessar novamente o Homem sensivelmente à cota de 1050 metros de altitude. Não havendo registos cartográficos deste trilho em direcção a Carris, documentos fotográficos atestam a sua continuação para as zonas mais elevadas da serra. Quem observa a Encosta do Sol a partir da Água da Pala, terá a sensação de ainda poder vislumbrar o traçado deste pequeno trilho que, sem dúvida, nos proporcionaria uma visão distinta do vale. Porém, e após várias tentativas de observar no terreno a sua progressão, cheguei à conclusão de que este trilho já desapareceu e será extremamente difícil tentar seguir o seu antigo percurso, senão mesmo impossível.


Após passar a Água da Pala, o trilho entra numa zona mais plana. Até aqui, e olhando para a nossa direita, temos a oportunidade de observar os picos escarpados que delimitam os Prados Caveiros. Esta fase mais plana do trilho segue pela Ponte do Cagarouço sobre a Ribeira do Cagarouço, um pequeno afluente do Rio Homem que parece surgir das escarpas da Ravina do Cabeço da Porca. É nesta fase que o caminho se volta a inclinar ligeiramente e ouvimos o rugido do jovem rio a poucos metros de distância. Por entre a vegetação é por vezes fácil ter um olhar sobre lagoas que no Verão são sempre uma forma de retemperar forças.

O trilho ultrapassa a cota dos 1000 metros de altitude, a poucos metros de entrarmos numa fase do caminho onde vamos superar vários metros de altitude em pouca distância, ultrapassando assim um bom declive. O trilho flecte para a direita no que são conhecidas como as ‘Curvas do Febra’ e em pouca distância subimos 30 metros em altitude antes de flectir para a nossa esquerda. Nesta parte do caminho podemos ter uma imagem do Vale do Homem só superada pela paisagem que nos aguarda poucos metros após a passagem da Ribeira do Modorno. Poucos metros mais à frente entramos numa parte do caminho que é ladeado, à direita, por uma parede sólida de granito e, à esquerda, por uma queda de 50 metros que termina no Rio Homem. O declive aqui é acentuado e notório, mas o esforço para chegar à meia distância merece a pena.

Somos chegados a meio do caminho e o descanso na Ponte do Modorno é merecido. A água da ribeira é sempre fresca e corrente, mesmo no Verão. Ao entrar neste pequeno vale temos a visão de uma pequena queda de água por debaixo da ponte e são poucos os que resistem a uma fotografia. Situados na ponte em direcção ao final do vale, por onde vemos o Rio Homem, temos à nossa direita o imponente Cabeço do Modorno, uma escarpa granítica que atinge os 1317 metros de altitude. Conheci todas as pontes até ao Modorno já em cimento, mas o meu fascínio por este vale e por Carris começou a ser despertado pelas velhas pontes de madeira que antigamente permitiam a passagem célere e um tanto ou quanto aventureira.

É sempre bom descansar e retemperar forças junto do Cabeço do Modorno, mas logo após abandonar a Ponte do Modorno vamos encontrar uma das mais fantásticas paisagens que a Serra do Gerês e o Parque Nacional têm para nos oferecer. É com deslumbre que observamos o Vale do Alto Homem e a forma como este se projecta no céu. O seu delimitar pelos picos das serras leva-nos a imaginar, sonhar um mundo antigo. Atenção ao vocabulário, pois é aqui que nos começam a faltar as palavras... Ao longe vemos a Serra Amarela e com bom tempo facilmente se vislumbram as antenas do Muro localizadas em Louriça, bem como o Alto das Eiras e a Cruz do Touro, já nos extremos Geresianos, ou a magnificência da Quelha do Palão e da Água dos Vidos. Saindo do pequeno vale da Ribeira do Modorno entramos novamente no vale do Alto Homem e logo ali à nossa frente observamos uma estreita queda de água com uma altura superior a 110 metros, a Água da Laje do Sino. Toda este zona nos dá paisagens deslumbrantes em, ou após, dias de chuva com as paredes rasgadas pelos cursos de água que se precipitam no vale, ou então nos frios dias de Inverno com a imagem das quedas de água geladas que se amarram às paredes graníticas.

Prosseguindo o trilho ao longo do vale vamos ganhando altitude, atingindo os 1200 metros de forma suave. Nesta fase o trilho chega a complicar-se devido ao estado do «pavimento». O Rio Homem é, nesta fase, constituído por uma série de pequenos ribeiros que têm origem nos inúmeros vales que golpeiam o topo da serra. Aos 1200 metros de altitude, na zona do Teixo (que assim se chama porque se diz que antigamente ali existia uma árvore desta espécie), o trilho flecte ligeiramente para a direita seguindo um dos pequenos riachos que, juntamente com o riacho do Corgo dos Salgueiros da Amoreira, irá mais tarde formar o Rio Homem. O nosso trilho segue a base da Rocha da Água do Cando, passando pela Ponte das Águas Chocas (1285 metros) e entrando nas Abrótegas até atingir a Ponte das Abrótegas (1325 metros). As Abrótegas definem, juntamente com o Outeiro Redondo, um pequeno planalto que é atravessado pelo trilho até atingir e seguir ao longo da base do contraforte de Carris. Foi neste planalto onde esteve montado nos dias 17 a 19 de Setembro de 1908 o acampamento da primeira expedição venatória levada a cabo na Serra do Gerês. Neste planalto têm origem vários trilhos de pé posto, sendo o mais interessante aquele que segue para as Minas das Sombras (Galiza, Espanha) e para os Cocões do Coucelinho (através das Lamas de Homem) e, mais tarde, Minas do Borrageiro e Lago Marinho.

Na Ponte das Abrótegas somos interrogados por umas peculiares construções semelhantes a pequenos pilares de rocha e cimento que tinham essa mesma função. Estas construções serviriam de ponto de apoio, certamente de uma conduta metálica para transportar água desde uma pequena represa ali existente até à lavaria nova situada no topo da Corga de Lamalonga. A paisagem aqui permite-nos observar o marco geodésico de Carris (1508 metros), o Altar de Cabrões (ou Altar dos Cabros). Neste planalto podemos também observar vários currais destinados às pastagens de altitude (Curral das Abrótegas e Curral de Cabana Nova) e à transumância ainda levada a cabo na Serra do Gerês, que sim... ainda tem pastores!!!!

A zona das Abrótegas permite o descanso antes da subida final, verdadeiro calvário para quem já está cansado da subida. Ao percorrer o início da subida, um pormenor passa despercebido à quase totalidade das pessoas. Logo no início do declive a antiga estrada dividia-se em duas, com uma a seguir a direcção do Salto do Lobo, local onde decorreram as primeiras extracções de volfrâmio tirando partido do aluvião vindo da Corga da Carvoeirinha. No terreno é difícil vislumbrar sinais desta parte da estrada e só andando alguns metros no caminho principal que segue em direcção a Carris, e depois olhando para trás, é que se vê a antiga estrada já coberta de vegetação. Nesta área não existem construções ou edifícios, exceptuando uma ou outra pequena construção de pastores (os formos) ou outros abrigos. Esta zona provavelmente teria o apoio de edifícios de madeira dos quais não existem quaisquer sinais. Por esta zona deveria passar uma conduta de água que teria a sua origem numa pequena represa próximo da Ponte das Abrótegas e que, apoiada em pilares feitos com aglomerados de pedra, atravessava o pequeno planalto para lá das Abrótegas. Mais pilares são visíveis no extremo deste planalto, que serve de pastagem de altitude ao gado que nos meses da vezeira passeia pela serra, já próximo do caminho antes deste flectir para a esquerda para iniciar a subida final. Seguindo o prolongamento deste caminho secundário e depois entrando em trilhos de pé posto, chega-se às Minas de Carris pela sua zona inferior junto da lavaria nova, no extremo topo do vale da Corga de Lamalonga.

Mas voltemos à estrada principal e iniciemos a subida final para Carris. A parte final da estrada vence um declive de 70 metros ao longo da Corga da Carvoeirinha e sem dúvida que é para muitos a parte mais complicada de todo o trajecto. No entanto, o final do árduo caminho é sempre uma motivação forte para vencer estes últimos metros.

No troço final o declive torna-se menos intenso, com a estrada a tornar-se quase plana mesmo a chegar ao muro que delimitava a entrada no complexo mineiro.


















Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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