terça-feira, 29 de outubro de 2019

A Villegiatura e a Serra (III)


A terceira e última parte deste fabuloso texto de Ricardo Jorge do seu livro "Caldas do Gerez - Guia Thermal" editado em 1891.

Esta obra aborda vários temas relacionados com o termalismo geresiano, as suas águas termo-medicinais, a sua acção hidro-termal, a clínia hidrotermal, etc. Um dos capítulos mais interessantes está relacionado com a denominada "villegiatura", isto é a "temporada que se passa fora da terra, a banhos, no campo ou viajando, para descansar dos trabalhos habituais."

Ricardo Jorge fala-nos de paisagens conhecidas e das sensações que elas proporcionam.

A primeira parte deste texto pode ser encontrada aqui e a segunda parte aqui.

O texto transcrito abaixo é mantido na sua forma original e com o Português que era escrito em finais do Século XIX.

"(...)

Diremos apenas das excursões mais tentaveis e mais frequentadas.

Das Caldas á Portella d'Homem (11 kilometros, 3 horas de caminho). Distam as Caldas 11 kilometros da fronteira gallega. O trajecto sempre por valles e gargantas figura uma linha quebrada em forma de N no sentido vertical; sobe-se o valle até ao desfiladeiro, que na onomastica montanhosa tem sempre o nome de collada ou portela, Portella de Leonte (875 metros); desce-se o outro thalweg até á Ponte-Feia (659 metros); sobe-se novamente ao longo do valle do Homem e d'um dos seus ramos até á garganta da estrema, a Portella d'Homem (822 m).

Do Gerez á Preguiça, estrada districtal de que está a findar a construção; d'hai por diante um excellente e bem cuidado caminho, aberto e entretido pela regencia florestal, com boas pontes de carvalho lançadas sobre os rios. Até Leonte costea-se o rio Gerez, que desce espumenta no fundo das ravinas, precipitando-se a miudo, em grandes cachoeiras.

Veem-se pequenos prados, assombrados de carvalhos e escalheiros com a sua cabana de pedras - são as chãs ou curraes, onde os pastores conduzem as manadas do gado; a do Seixello, Lage e Mijaceira. Do alto da Preguiça (720 metros) gosa-se um explendido panorama por todo o valle, onde se destacam das Caldas, e no fundo as faldas do Penedo e Caniçada.

Eis-nos na famosa matta de Leonte, com o seu arvoredo cerrado que se ergue de frondes entrelaçadas cobrindo as eminencias - um erriçado de verdura deslumbrante; quasi tudo carvalhos seculares. Por toda a parte jorra a agua nos seus corregos pittorescos que confluem um inumeros regatos; a admirar uma cascata delgada e alta de algumas dezenas de metros, a Fexa de Leonte (Cascata Ricardo Jorge).

Na garganta, uma ampla chã de pastagem; ruínas d'uma casa militar e d'uma trincheira lançada de monte a monte, contemporanea dos nossos factos da rastauração.

Desce-se suavemente por entre os cumes da Bargiella e da Corneda e ao lado da ribeira de Leonte até Albergaria; a estrada florestal atravessa em pontes os affluentes da Maceira, Cagademos, e Forno que brotam de fundos reintrancias da serra, emmaranhadas d'arvoredo.

Em Albergaria um posto de guardas com seu viveiro. Estamos nas margens do Homem, que offerece a mais bella e imponente das cascatas, jorrando por uma especia de escadaria de granito, a sumir-se no fundo intersticio de duas altas moles, que servem de pegões á Ponte Feia.

Ao encanto da queda d'agua juntam-se aqui formosos relances de paisagem; a intersecção dos dois valles de Leonte e do Homem, e os agrupamentos exquisitos de rochas. Proximo da Ponte Feia vai a Geira, a via romana; grupos de marcos milliarios se divisam, já com as inscripções quasi sumidas; no termo do rio do Forno e de Leonte, ainda os pegões das pontes, derruidas por defeza nas guerras da independencia.

Mais meia hora, e chega-se á Galiza; a estrada levaram-na a meia encosta para atravessar o Homem, junto da bella cascata de S. Miguel; o verde das aguas que juntam no remanso tem a cambiante da melhor esmeralda. Novo desfiladeiro, Portella do Homem; um grupo de marcos, e entre estes o mais conservado de todos; um renque de pedras brutas separa os dous paizes; para alem montanhas escalvadas e um valle alongado, onde se enxergam os povoados de Lobios e Interime, as aldeias fronteiriças da Galiza.

Das Caldas á Ponte-Feia pela Geira. Contorce-se a estrada florestal pela falda d'oeste, rodeando o monte da Pereira até ao planalto da Chã de Lamas. De caminho relances de vistas magníficas sobre o valle.

Da Chã quem se desviar para a direita sobe ao Cabeço da Pereira, - o melhor panorama das Caldas, que d'aqui se afigura uma villa. Para a esquerda uma vereda que conduz a um curral de gado e a uma matta frondosa de carvalhos e escalheiros, sobrepujada pelo pincaro da Calcedonia; rsetos de construções romanas, reliquias de ceramica e uma gruta talhada entre dois fragões gigantescos. Quem se atrever a galgal-a, chega ao pinaculo; panorama da vertente sul do Cavado, da serra da Cabreira, dos cumes do Borrageiro, Rocalva, e a poente as aldeias de Covide e Carvalheira.

A partir da Chã, a via declina rapido até á planura cultivada de S. João do Campo; á entrada um crucifixo, sob um alpendre, em cima d'uma peanha feita d'um marco romano.

O caminho florestal entronca com a Geira que vem de Covide, e passa a distancia de S. João do Campo e Villarinho das Furnas. Para visitar as duas aldeias muito pittorescas sobretudo a ultima, é preciso fazer o desvio pelos atalhos que lá conduzem, atravessando as pontes d'arco lançadas sobre os rios que banham os dois povoados.

A Geira ondeia pelo alto, passando proximo das ruinas d'uma Fabrica de vidros, destruida por odio aos francezes que a levantaram, na occasião da guerra peninsular. Ainda hoje possuem amadores exemplares dos seus productos; e é fácil por lá encontrar escorias vitreas. Defronte de Villarinho depara-se um dos mais bastos e variados macissos florestaes, o da Bargiella.

A Geira conduz á Albergaria, atravessando os rios do Forno e de Leonte , e margina o Homem até á Portella; das tres pontes restam apenas os pégões.

Estas duas excursões inolvidáveis podem fazer-se no mesmo dia, indo por Leonte e voltando pela Chã de Lamas.

Ascensões. A mais fácil e rapida é a da Pedra Bella (876m), a collina imminente ás Caldas. Uma simples vereda ondula em diagonal desde as Caldas até ao formoso morro de granito; vai ser alargado em via florestal. A subida leva hora e meia e póde fazer-se em grande parte a cavallo. Lá em cima uma grande moita de grossos medronheiros.

Vista admiravel do apice. Muralha aprumada sobre o valle; defronte a Chã de Lamas, ao sul o costado da serra da Cabreira; divisa-se ao longe a ermida do Sameiro; por leste o Borrageiro e o seu sequito d'emminencias.

O Borrageiro (1433m) é considerado como o pincaro de maior altitude do Gerez; só Carris já no extremo das nascentes do Homem é que o sobrepuja. A ascensão começa por Leonte, pela vertente de leste; chaga-se à clareira do Vidoeiro, de lá atravessa-se o valle da Teixeira, a melhor séde futura de um sanatório alpino.

No cume do Borrageiro em dias claros ostenta-se um panorama magestoso; a toda a volta accumulos de serranias; a vista estende-se pela Galliza dentro, pelas alturas de Barroso, bacias do Cavado e do Homem, serras do marão, da Cabreira, do Suajo, e todo o littoral do Minho até ao mar que listra o horisonte do poente.

O Cabril, (1235) que aguça o seu duplo pincaro face a face com o Borrageiro, é d'uma ascensão mais penosa; ataca-se tambem por Leonte, lado de poente.

Mas a subida mais aspera, e mais seductora para os bons andarilhos de montanha, é a do Cantarello (1425) que soergue o seu bloco terminal circulado por um friso sobre o valle do Homem."

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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