quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Para uma história das Caldas do Gerês, pelo Dr. Ricardo Jorge (V)


Continuo a reprodução dos textos do Dr. Ricardo Jorge com os quais pretendia em 1891 traçar uma história das Caldas do Gerês. Estes textos foram publicados nesse ano na obra "Caldas do Gerez - Guia Thermal".

Para manter o rigor do texto, decidi não o adaptar ao português actual mantendo assim as características da nossa língua mãe em finais do Século XIX.

"(...)

Até á crise política de 34 viveram as Caldas sem mudança de maior. Clientella a do costume; aldeões aos cardumes; fidalgos e capitães-móres da provincia, villegiantes do Porto, e enfim turmas de frades que no Gerez tinham estabelecido as suas brevas, para castigo e cura dos achaques conventuaes. Medicina a mesma, entregue como sempre a diplomados de provisão que se celebrizaram entre nós com a expressiva rubrica de cirurgiões idiotas.

Por vezes cahiu a vara do partido thermal em mãos cuidadosas e intelligentes. Raes foram as de José dos Santos Dias, medico de Montalegre, que em 1811 e 1812 mediu a temperatura das nascentes e poços, punlicando cuidadosas tabellas thermometricas.

De longe houve quem se importasse com as remotas aguas, tão falladas. O dr. Francisco Tavares no seu notavel reportorio sobre as aguas mineraes portuguezas incluiu com particular menção as do Gerez, e embora phantasiasse mineralisações esdruxulas, no intuito d'explicar a sua potencia therapeutica, considera-as como «as mais prestantes talvez a muitos respeitos».

Ao tempo as aguas já eram exportadas para Lisboa e até para Inglaterra. O dr. Ignacio da Fonseca Benevides vulgarizou-as e experimentou-as na sua clinica com manifesto proveito; e tanto se possuía da crença na sua efficacia que lhe dedicou um estudo clinico, Exame physico-medico das Caldas do Gerez (1830), com observações propiras e indicações praticas.


As luctas politicas e o novo regime prejudicaram o Geres, afugentando a aristocracia dos quatro costados, a farda dos capitães-maiores e o burel dos frades bernardos. Nessa epoca tormentosa teve ao menos a boa fortuna da impagável visita d'um medico superior, para alli acossado pelos azares da lucta liberal. Foi o dr. José Pinto Rebello de Carvalho, que se acoitou no Gerez em 28, depois da triste jornada do Belfast, e lá regressou em 35 e 36 para delir nas caldas os seus padecimentos rheumaticos.

Medico dos mais illustrados do seu tempo, Rebello de Carvalho era um geologista eminente, um erudito naturalista, e um apreciavel litterato e poeta. A sua Noticia topographica e physica do Gerez e das aguas thermaes (1848), padrão das altas qualidades do sei selecto espirito, constitue uma soberba monographia, como só saberia fazel-a um hydrologista de cunho revestido d'um sabio. Dados historicos, descripção topographica, geognosia e flora gereziana, genesa das aguas thermaes, de tudo nos dá sapiente lição. De contraste com as riquezas naturaes resaltam as miserias das caldas, severamente estygmatisadas pelo generoso medico.

Creador da hydrologia scientifica do Gerez, opera a primeira analyse chimica das aguas, summaria é certo, mas de consciencia e justa; reconhece o seu tipo hydrothermal, acareando-se com as aguas similares do estrangeiro e sugeitando-as ao criterio da melhor sciencia do seu tempo. Indica-as com empenho para o rheumatismo e nevroses, cahindo no senão d'esquercer-se do seu prestimo para as molestias do figado, já então reconhecido, como lh'o aponta o seu critico, o professor João Ferreira.

(...)"

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