quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A Serra! (I)

Em Junho de 1935 os repórteres da defunda Latina, a revista de intercâmbio latino, visitaram a Serra do Gerês. Em resultado desta visita proporcionaram aos seus leitores uma fantástica descrição da Serra do Gerês.

Disponível no seu n.º 4 - Julho de 1935 (Vol. II), o artigo com o título "A Serra!", escrito por Camacho Pereira (Director da Revista Latina), descreve um passeio pela Serra do Gerês que agora transcrevo aqui para os leitores do Blogue Carris mantendo as características do texto original.

"A Serra!

Às cinco horas chamaram-nos.

O guia deve estar por aí perto.

Em menos de um quarto de hora estavamos prontos à porta do hotel.

Luz mal se apercebia ainda; é o despertar da passarada que chilrrea ensurdecedoramente; o ar fresco e limpo da madrugada.

Quem nunca se levantou cêdo não sabe o que perde.

O Avelino, o filho do guarda-fios, o nosso guia e companheiro de viagem chega com os seus 3 cães, sempre inquietos, o Leão, a Viana e o Fusco, todos pequenos mas de orelha arrebitada.

Chega também o João com quatro enormes embrulhos e duas não menores borrachas de que o Avelino se entrega e depois de armados de varapaus, ainda escuro, aí vamos nós de lonaga ao ataque da íngreme ladeira da Pedra Bela.

Cercamos o hotel do Parque que é o nosso, atravessamos o romantico parque, a essa hora, ainda adormecidos os seus alvos cisnes e entramos finalmente na autentica subida. A todos os instantes riachos nos estorvam o caminho, gorgolejando por todos os lados a brincar com os rochedos.

Já longe muito alto ouve-se uma matilha latir.

- Alguma Corça? perguntou o meu companheiro Carlos sempre com o vicio da caça.

- Por enquanto não, sorri o Avelino, são os cães da casa do Guarda.

Passamos pela tal casa que mais parece um moinho e seguimos, a encosta apruma-se cada vez mais à medida que se vai avançando, o carreiro sempre a estreitar cedo se perde no mato alto onde só os serranos sabem destrinçar as direcções.

Pouco mais de uma hora dura a nossa ascenção, já quási lá em cima começamos a avistar a estradinha da Pedra Bela com os inumeros SS.

834 metros na Pedra Bela, o Sol ainda muito baixo, como a ter dificuldade de soltar-se da cumeada da serra de Vieira. A atmosfera por felicidade nossa de uma limpidez extrema. Ao sul, muito ao longe fechando o horisonte distinguem-se perfeitamente a olho nú o sameiro com o seu carasio e as suas poucas árvores.

Todo o imenso Vale do Cávado se estende a nossos pés, enorme e imponente.

O nosso pôsto de observação parece a prôa de ciclopico navio, fendendo bonançosamente mares de terra.

À direita do Vale do Gerez profundo e ravinoso contrapõe-se ao vale montante do Cávado à esquerda amplo e largo e ao longe muitas linhas de montanhas esfumadas até perder de vista comandadas pelas serra de Vieira.

Os nossos desenhos ilustram de uma forma eloquente os feitos bizarros dos pincaros que coroam este linda Serra.

É ainda cedo mas a escalada dos atalhos ingremes e dos córregos espinhosos abre fortemente a opetite e ali no meio daquela vastidão por onde se espalha a vista, abrimos pela primeira vez o nosso farnel, e então tivemos ocasião de apreciar as excelentes qualidades de gourmet do Snr. Maia ao vermos um nunca acabar de frangos, costeletas, filetes, doces, etc."

Fotografia: © Rui C. Barbosa (Capa Revista Latina 4 na qual mostra a Curva da Morte na estrada para Leonte a partir de uma fotografia de Camacho Pereira)

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