domingo, 31 de julho de 2016

"A estrada nacional é por aqui?"


Há uns anos atrás, e a propósito das minhas muitas visitas às Minas dos Carris, um colega referiu que achava de certa forma fascinante a forma como visitava o Parque Nacional e aquele complexo mineiro em particular devido à dificuldade do percurso. Dizia ele que, para mim, aquilo era como "...um passeio no jardim!"

Ora bem, caminhar na montanha jamais pode ser "...um passeio no jardim!"

A experiência que vivi no dia 30 de Julho de 2016 nas Minas dos Carris, fez-me ver até que ponto as pessoas estão dispostas a arriscar para enfrentar um desconhecido que em breves momentos lhes pode ser fatal. Ironia do destino, um atraso no início da caminhada fez com que duas pessoas pudessem regressar a casa com uma (triste) história para ser contada como uma valorosa aventura que vai esconder o quão perto a desgraça esteve de bater à porta.

Enquanto abastecíamos os cantis e as garrafas na única fonte de água potável existente em quilómetros ao redor das Minas dos Carris, uma voz aflita perguntava se a "...estrada nacional era por ali?", indicando a direcção da Lamalonga. Confesso que ao  princípio a estranheza da pergunta me fez confundir o que estava a ser perguntado; "A estrada nacional é por ali?" de novo perguntou a voz sôfrega de um cansaço de já muitos quilómetros batidos a um Sol escaldante. As últimas gotas de água haviam sido vertidas cabeça a baixo pelos dois jovens sem saber que ali existia uma fonte.

À questão de saber para onde queriam ir, surgiu a pronta resposta de 'Prados da Messe'. As t-shirts de algodão empapadas num misto de suor e água, os rostos aflitos e o respirar sôfrego, faziam notar o desconhecimento do local e o desconhecimento para onde e por onde queriam ir. Disseram que tinham o carro na Portela de Leonte e que queriam ir aos '...Currais da Messe'. Nas pequenas mochilas não aparentavam haver preparativos para tão longa jornada de Leonte à Messe pelos Carris e o passo ligeiro denotava já que a sensação de poucas horas para chegar ao objectivo deturpava já o pouco discernimento que ali havia. O percurso seria circular e para aqueles dois jovens, informados nas Caldas do Gerês, a estrada nacional de onde haviam partido já deveria ser logo ali!

Como é óbvio, o conselho foi para que regressassem pelo mesmo caminho por onde haviam vindo, pois por ali encontrariam água e as lagoas iriam de certa forma amenizar a aflição e o cansaço que mais cedo ou mais tarde iria tomar conta de tudo. A jornada de volta seria infernal e imensa, mas pela certa de final mais ou menos feliz.

Não sei os nomes dos dois jovens e na verdade pouco importa para o caso. O que importa é que num mundo tecnológico onde temos tudo à disposição, fazia falta um simples mapa e não seria muito, talvez, uma simples aplicação no telemóvel que lhes mostrasse que por onde vieram não seria por certo o caminho.

Em tempos perguntaram-me qual seria o melhor GPS para caminhar no Gerês ao que retorqui, "...a carta militar n.º 31!", "Mas não sei ler mapas!" - "Não sabes, aprendes!" Resume-se a isto: no meio de tanta informação e lindas fotos muito vezes veiculadas somente para coçar egos demasiado grandes para caber em si próprios e a necessitar de ajuda, esquecesse de que vivemos numa sociedade que se olvida do essencial e o essencial é respeitar-se a si próprio e o local para onde vamos. A montanha, seja qual for, é implacável e não perdoa àqueles que a desprezam e não a respeitam.

A preparação de uma caminhada deve ser talvez um acto de auto-comiseração no sentido de que não devemos sobrestimar as nossas capacidades. Por vezes, a grama que poupamos, é a grama que nos salva a vida.

Conceitos como 'gestão do risco', 'conhecimento básico do terreno', 'avaliação de capacidades' ou mesmo a verificação das informações recebidas, nunca podem ser menosprezados. O Estado não pode ter as costas largas para assumir a irresponsabilidade das pessoas. A política do facilitismo e de que Estado deve fazer tudo por nós, não pode servir de desculpa para as nossas faltas.

Nas palavras do companheiro de caminhada Alexandre Matos, o que vimos hoje foi um "caso berrante de impreparação, cuja culpa recai aparentemente toda, em cima dos próprios. Mas pode haver terceiros que tenham incentivado a isto sem advertir estes. Neste caso a tragédia era certa, perdidos, desidratados...etc."

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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