Um dia a cheirar e sentir Outono que nos levou pelas paisagens castrejas ao longo do Rio Laboreiro e através das tradições da sua transumância que aos poucos se vai transformando em relatos de tempos passados.
O dia chegou com nuvens e algum vento, passou por aguaceiros e «terminou» com o céu a aguentar-se para descarregar pela noite. Estes dias ajudam nas caminhadas que fazemos pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês e ajudam a esquecer os dias tórridos de um Verão que não deixa saudades.
Na Serra da Peneda, o Outono faz-se sentir de maneira única. Talvez seja pelo seu silêncio profundo, talvez seja pelos seus carvalhais ou talvez seja pelos caos de grandes blocos de granito e paredes escuras que se precipitam para nós num movimento eterno que nos faz sempre perscrutar cada recanto e cada volta do caminho. O restolhar das folhas e a cantiga do calmo Laboreiro no seu leito, atrai a nossa atenção, colocando os sentidos em alerta para as figuras que se escondem ao olhar.
A caminhada foi iniciada junto da fronteira da Ameijoeira, seguindo inicialmente por estrada, na direção da aldeia, e virando no primeiro entroncamento, à esquerda, seguindo por breves dezenas de metros o traçado da Grande Rota da Peneda-Gerês que em breve iríamos abandonar, mas que nos traria de volta ao ponto de partida. Seguimos então o traçado do Trilho do Rio Laboreiro através de bosquetes de carvalhos, azevinhos e outras árvores cobertas de musgo e barba de velho, assinalando a pureza do ar que respirávamos. Em breve chegaríamos ao Poço do Contador a partir do qual, em tempos, se faria a distribuição de águas do Rio Laboreiro. Este,"...nasce no planalto castrejo, na vertente oeste da Serra do Laboreiro, junto à fronteira galega, atravessando todo o território." O rio, "ao infletir para sul, marca os limites entre as serras da Peneda e do Laboreiro. No seu troço final, de cerca de 14 km, marca a fronteira entre Portugal e Espanha e desagua no Rio Lima."



O caminho levou-nos vale acima até atingir o silêncio do Bago de Baixo, o exemplo de uma "inverneira" que são pequenos aglomerados de residência temporária, utilizados nos meses mais frios do ano. Localizam-se nas zonas mais abrigadas dos vales, por oposição às Brandas, situadas nas zonas mais altas, nas franjas do planalto de Castro Laboreiro, onde as pessoas vivem durante os meses mais quentes. Hoje, apenas uma mantém a deslocação da branda para a inverneira. Noutros tempos, nenhuma família passava o Natal em cima (na branda) ou a Páscoa em baixo (na inverneira). As deslocações eram rigorosamente efetuadas em função das duas datas mais importantes do calendário litúrgico.
A maioria destes pequenos lugares, encontram-se hoje quase abandonados, tendo apenas como perspectiva de futuro o seu aproveitamento como alojamentos locais após a recuperação das suas habitações (como a inverneira Pontes é um bom exemplo). Deixando Bago de Baixo, em poucos minutos chegávamos a Bago de Cima, onde o abandono é mais pronunciado.



Depois deste lugar, o caminho vai mergulhar mais profundamente no Vale do Rio Laboreiro, ladeando a base do Penedo de Cabeçãs, vislumbrando-se à distância a Ponte da Cava da Velha. O traçado do Trilho do Laboreiro vai então interceptar o traçado do Trilho Castrejo. Muitos destes percursos foram em tempos melhorados, permitindo assim uma emersão única na paisagem e no ambiente do vale. Porém, estes traçados deverão ser percorridos com cuidado, principalmente em dias húmidos ou chuvosos devido à natureza de algumas passagens que se podem tornar mais escorregadias e em certos pontos o caudal do rio pode dificultar a progressão. Foi isto mesmo que tivemos oportunidade de confirmar com o traçado de 3 km ao longo da margem do Rio Laboreiro quando o percurso do Trilho do Laboreiro segue em direcção à vila, abandonando o Trilho Castrejo. A paisagem absorve-nos em todo o seu esplendor; de espaços mais alargados a passagens mais estreitas onde o rio se eleva em dias de chuva, caminhamos por sinuosos caminhos e calcorreamos pequenas vertentes graníticas, num «interminável» sobe e desce que põe à prova as pernas e os corações mais habituados a estas andanças.



Antes de chegar à vila, a subida final põe-nos à prova, mostrando parte do vale que, entretanto, ficara para trás, aproveitando a nossa atenção para o que nos espera mais adiante. Na volta do rio, uma sucessão que pequenas quedas de água e o hábil aproveitamento dos socalcos para a colocação de moinhos, agora mais ou menos esquecidos. Após uma paragem na vila de Castro Laboreiro para o já merecido almoço e para saborear as bolas de Berlim da Castrejinha, seguimos rota, desta vez percorrendo a GR50 que nos levaria de volta à Ameijoeira passando por várias inverneiras e atingindo as cotas mais elevadas do dia. Aqui, obtém-se uma vista privilegiada do vale que havíamos percorrido de manhã e dos montes do Laboreiro. Na vertente oposta (direção Este) é possível identificar a ruína do Castelo de Castro Laboreiro, perfeitamente integrada na paisagem e os contornos do planalto.
Descendo para o Charco de Gontamil, o caminho vai abrenhar-se no Carvalhal do Barreiro e chegar à inverneira de Barreiro e Ponte de Barreiro, seguindo depois para Podre e Assureira, antes de chegar à Ponte da Cava da Velha. Também conhecida como Ponte Nova, a Ponte da Cava da Velha foi construída na época romana e reformada na época medieval, de tipo arco, constituindo uma das estruturas deste tipo mais importantes no território do Parque Nacional da Peneda-Gerês.



Apresenta tabuleiro em cavalete acentuado, sobre dois arcos de volta perfeita de tamanho desigual, reforçados por talha-mar prismático, a montante, e talhante rectangular a jusante. A sua implantação, com acesso por duas curvas, o aparelho regular das fiadas inferiores e no talha-mar e talhante, bem como o almofadado das aduelas indica ser obra romana, contudo o tabuleiro com lajeado irregular e guardas de cantaria menos cuidada, revela a reforma medieval. É provável que tenha perdido um arco nessa ou numa reforma posterior (
ref.).
Aproximando-nos do final da jornada, o caminho iria ainda levar-nos a passar pelo Aqueduto de Pontes. De notar que grande parte do percurso é feito mediante antigos e seculares caminhos que as populações utilizavam para efectuarem a migração das brandas para as inverneiras. Em determinado ponto - não muito afastado da inverneira de Pontes - encontramos o cruzeiro e o antigo aqueduto de Pontes. Esta construção terá sido realizada na década de 40 do século XX a mando padre Manuel Joaquim Rodrigues, natural do lugar de Pontes, na qual foi pároco por poucos anos após ter regressado de longa permanência no Brasil.
A inverneira de Pontes foi a última a ser visitada antes do final desta jornada de quase 17 km pelas paisagens e pela alma castreja num evento organizado pela
RB Hiking & Trekking.
Ficam algumas fotografias do dia...
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
Sem comentários:
Enviar um comentário