terça-feira, 16 de setembro de 2025

Os trabalhos dos Serviços Florestais na Serra do Gerês (1889)

 


Em Dezembro de 1888, e tal como se viu no artigo "Os trabalhos dos Serviços Florestais na Serra do Gerês (Relatório dos trabalhos entre Julho e Dezembro de 1888)", a situação dos Serviços Florestais na Serra do Gerês e a sua relação com as povoações locais, parecia mais calma.

Porém, e tal como acontece nos nossos dias, as forças políticas em movimento e os diversos interesses acabariam por influenciar os anos seguintes.

Chegando-se a um acordo com as diversas povoações, o estado era de alerta em relação ao que poderia suceder, pois mesmo com o acordo atingido, havia sempre alguém a quem não interessava uma relação mais apaziguadora.

A 30 de Dezembro de 1888 era enviado para Lisboa, o seguinte ofício:

"Il.mo e Ex.mo Sr. - Tenho a honra de participar a V. Ex.ª em resposta ao ofício n.º 153, de 28 de Outubro, que o efeito que o Regulamento produziu nos povos do Gerês, Vilarinho e S. João do Campo é muito animador. Oxalá que Covide, Vilar da Veiga e outros lhe sigam o exemplo. Tomo a liberdade de lembrar a V. Ex.ª a conveniência de mandar mais alguns Diários para distribuir aos regedores e párocos destes freguesias - Deus guarde a V. Ex.ª - Gerês, 30 de Dezembro de 1888. - Ex.mo Sr. Inspector dos Serviços Florestais. - O regente florestal de 1.ª classe, Adolfo de Oliveira."

Os trabalhos dos Serviços Florestais desenrolavam-se, criando-se e desenvolvendo-se o viveiro, fazendo-se plantações na serra, abrindo-se novos caminhos, dando-se importância à ligação entre as Caldas do Gerês e a Portela do Homem por Leonte.

Em resultado do regulamento estabelecido, surgiam pedidos para a cedência gratuita de árvores para madeira para reparo de casas e das alfaias agrícolas, além de queixas de falta de lenha para os diferentes lares e ainda outros pretextos em que as populações fundamentavam as razões dos agravos conta a Mata Nacional, até que a 30 de Janeiro de 1889 o regente florestal Adolfo Oliveira telegrafava de Braga, para onde tivera que se retirar dizendo quer tinha conferenciado com o Governador Civil e que no dia seguinte daria parte do que houvesse.

A 1 de Fevereiro era enviado o seguinte telegrama:

"Ex.mo Sr. Inspector dos Serviços Florestais, Ministério das Obras Públicas-Lisboa - O Ex.mo Sr. Governador Civil já providenciou e diz-me que posso continuar com o trabalho no viveiro na segunda-feira. Para isto necessito autorização de V. Ex.ª para o arrendamento. Os trabalhos de limpeza da Mata e do caminho ficam para mais tarde. Os guardas estão em Bouro e o viveiro está a cargo de dois jornaleiros. Ofício a V. Ex.ª - O regente florestal, Adolfo de Oliveira."

Os diferentes povos estavam agora em nova revolta, desta vez encabeçada pela Câmara Municipal de Terras de Bouro, e na qual destruíram e incendiaram os trabalhos realizados, além de ameaçar a segurança e a vida dos funcionários florestais.

Adolfo de Oliveira descreve este período de agitação: "Il.mo e Ex.mo Sr. - Como já participei a V. Ex.ª, no dia 24 de Janeiro, a Câmara de Terras de Bouro, à frente dos povos de Covide e S. João do Campo, obrigaram a levantar o trabalho de limpeza da Mata da Bargiela, intimando os jornaleiros e guardas a não continuarem os trabalhos por conta do governo, porque lhes pertenciam; em seguida destruíram perto de 3.000 árvores recentemente plantadas, dando morras ao pessoal da Mata e vivas à Câmara Municipal. No dia 25 lançaram fogo à serra próximo de Leonte; no dia 26 mandaram avisar o pessoal da Mata e ir ver uma caçada; domingo, 27 fizeram a caçada e como não encontrassem o pessoal convidado, queriam ir provocá-lo ao Gerês.

Tudo isto participei a V. Ex.ª, ao Ex.mo Sr. Governador Civil, Ex.mo Administrador. Como no dia 27 ainda não fossem tomadas quaisquer providências que puzessem a seguro o pessoal da Mata de um encontro que seria fatal, resolvi retirar com o mestre e os seis guardas, deixando estes em segurança em Bouro e vindo a Braga pedir providências ao Ex.mo Sr. Governador Civil. Sua Ex.ª louvou o meu procedimento, prometendo-me providenciar imediatamente, dizendo-me que conservasse o pessoal em Bouro até nova ordem. Hoje participou-me que podia encetar os trabalhos do viveiro, na segunda, 4 do corrente, ficando para mais tarde os trabalhos na mata de Bargiela e caminho de Leonte, o que farei se V. Ex.ª me conceder a autorização que pedi para o arrendamento do terreno necessário. - Deus guarde a V. Ex.ª - Braga, 1 de Fevereiro de 1889. - Il.mo e Ex.mo Inpector dos Serviços Florestais - O regente florestal de 1.ª classe, Adolfo de Oliveira." 

A 3 de Fevereiro, Adolfo Oliveira comunicava via telegrama o seu regresso de Braga para o Gerês, questionando ainda sobre os terrenos que queria alugar para ali implementar um viveiro florestal. Estes terrenos seriam arrendados a 11 de Fevereiro por um período de 3 anos prorrogáveis na zona do Vidoeiro e onde mais tarde seriam criadas as instalações da Vacaria, parte do Parque da Sociedade de Melhoramentos do Gerês e outras instalações ainda em uso nos nossos dias que pertencem ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas / Parque Nacional da Peneda-Gerês. Outra parte destes viveiros é actualmente ocupada pelo Parque de Campismo do Vidoeiro.

O regresso de Adolfo Oliveira foi pacífico, sem haver qualquer confronto com as populações. Pouco depois, chegava ao Gerês o administrador do concelho de Fafe, enviado pelo Governador Civil de Braga para se inteirar do ocorrido e consultando as populações do Gerês, Covide, S. João do Campo e outras. As populações queixavam-se principalmente de que com a chegada da Mata Nacional se veriam privadas de madeira e de outras regalias que o livro usufruto da serra lhes proporcionava, mas principalmente da falta de madeiras, cuja concessão só seria autorizada aos indivíduos de comprovada pobreza, conforme estava determinado pelo n.º 5 do art.º 3.º do regulamento estabelecido a 13 de Dezembro de 1888.

Sobre esta situação, Tude Sousa refere, "não tinham razão estas reclamações, porquanto as garantias estabelecidas eram respeitadas e mesmo para a concessão de madeiras algumas vezes se adoptava a transigência de dispensar a comprovação de pobreza, critério que na verdade não repugna em consciência aceitar perante a riqueza da maioria dos montanheses do Gerês, a qual, embora lhes garante uma admirável independência, não vai além de poucas cabeças de gado que o monte comum sustenta e de umas leiras de terra para o centeio e para as batatas da casa."

A 22 de Maio de 1889, e porque a questão da cedência das madeiras sem atestado de pobreza era questão de muita consideração, é referido num ofício que "se V. Ex.ª, porém, mandar novamente que fique em vigor o que dava mais causa ao descontentamento dos povos, cumprirei, como é meu dever, com as ordens de V. Ex.ª, não ficando pelo resultado" e por outro ofício, datado de 6 de Junho - acompanhado de um requerimento a pedir madeiras - "...não querendo acompanhá-los com atestados e eu não insto, para não escangalhar o pouco que já se tem conseguido. Sirva-se V. Ex.ª deferi-los ou indeferi-los com brevidade, convencido de que no primeiro caso é um passo a nosso favor e no segundo um grito à revolta."

Por esta altura, os fogos eram a forma de protesto das populações contra os Serviços Florestais. Já em Fevereiro de 1889, Adolfo Oliveira referia num ofício datado de 24 de Fevereiro, "Il.mo e Ex.mo Sr. - Tenho a participar a V. Ex.ª que tem havido estes dias bastantes fogos na serra, que os guardas dificilmente teem apagado; que hoje se reuniu o povo de S. João do Campo e decidiram amanhã ir lançar fogo ao sítio chamdo Mourinho e murá-lo, mandando avisar-me que não mandasse para lá guardas amanhã nem de futuro. Este bocado que vão tapar é o que tinham pedido a V. Ex.ª. Participei imediatamente  para o sr. Administrador do Concelho. - Deus guarde a V. Ex.ª - Gerês, 24 de Fevereiro de 1889. - Il.no e Ex.mo Sr. Inspector dos Serviços Florestais. - O regente florestal de 1.ª classe, Adolfo Oliveira."

(Este seria o último ofício que Adolfo Oliveira assinaria como regente florestal, passando a assinar como silvicultor subalterno a 25 de Fevereiro. Adolfo Oliveira estaria no Gerês pouco tempo com este cargo).

As relações com os povos estavam na pior situação possível, sem haver interesse destes em conviver com os Serviços Florestais. Por esta altura, era decidido que o Estado deveria assegurar a posse do perímetro florestal estabelecido em Agosto de 1888, colocando-se numa posição de força para com as populações que não queriam "reconhecer os intuitos leais e patrióticos com que procedia."

Nesta altura, o pessoal técnico e com autoridade, bem como o pessoal auxiliar de polícia eram em número reduzido, tornando-se necessário proceder a um aumento do seu efectivo. Foi então decidido enviar para o Gerês os regentes florestais, Carlos Eugénio de Oliveira Ferreira de Carvalho, que ali chegava a 22 de Fevereiro, Silvestre Lima dos Santos Cardigo, que se apresentava a 25 de Fevereiro, e José Simplicio de Sousa Virgolino, que chegava a 19 de Março. Para além dos regentes, foi também reforçado o corpo de mestres e guardas florestais.

Nestas condições, os trabalhos na serra prosseguiam, sendo, no entanto, mais lentos devido ao facto de os habitantes de S. João do Campo e Vilarinho se negarem a trabalhar nas limpezas em Bargiela, com os trabalhos a serem suspensos.

Poucos foram os trabalhos que os Serviços Florestais encetaram no encerramento ano económico 1888-1889, para além da plantação de 18.500 abetos nas encostas a Nascente e Poente das Caldas do Gerês (trabalhos finalizados a 19 de Janeiro de 1889) e da abertura e conserto de caminhos, principalmente a ligação entre as Caldas do Gerês e a Portela do Homem "que teve de levar bastantes pontes de madeira para passagem de vários regatos e ravinas."

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Biografia: "Mata do Gerês - Subsídios para uma Monografia Florestal" (Tude Martins de Sousa, 1926)

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