quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Os trabalhos dos Serviços Florestais na Serra do Gerês (Relatório dos trabalhos entre Julho e Dezembro de 1888)

 


A actual relação entre as povoações que vivem no interior do Parque Nacional da Peneda-Gerês e esta área protegida, é o resultado de uma convivência que foi iniciada em 1888 com a chegada a estas paragens dos Serviços Florestais com o intuito de promover uma gestão e uma reflorestação dos espaços serranos.

Em "A chegada dos Serviços Florestais à Serra do Gerês (Agosto - Dezembro de 1888)", já tivemos a oportunidade de conhecer a forma como essa relação se estabeleceu e os factores iniciais que a moldaram para o futuro.

O texto a seguir, baseia-se no Boletim de Julho a Dezembro de 1888 dos Serviços Florestais e relatam os trabalhos de arborização da Serra do Gerês nesse período, sendo mais um contributo para compreender a História do Parque Nacional da Peneda-Gerês que se inicia muito antes de Outubro de 1970. O relatório foi escrito pelo inspector dos serviços florestais, o silvicultor Pedro Roberto da Cunha e Silva, sendo publicado no Boletim da Direcção Geral de Agricultura, n.º 3, de Março de 1889.

SERRA DO GERÊS

Trabalhos de arborização da Serra

Em Agosto do semestre fluido, recebi de V. Ex.ª ordem e instruções para ir ao Gerês estudar a serra, e procurar o meio do governo entrar na sua posse, afim de salvar o arvoredo existente, e proceder ao seu repovoamento. Resolveu V. Ex.ª também visitar a serra, e teve ocasião de ver até onde chegava o vandalismo dos povos. Depois de haver percorrido o terreno e de delimitar o perímetro que desde logo convinha submeter ao regime florestal, procurei o respectivo administrador de concelho, pedindo-lhe esclarecimentos sobre aquela parte da serra. 

Este funcionário declarou que tais terrenos e arvoredos estavam abandonados, não lhe constando haver por parte da Câmara de Terras de Bouro, nem tão pouco das juntas de paróquia, acto de posse, resultando estarem uns e outros à mercê dos povos, que a seu bel-prazer derrubavam carvalhos onde lhes parecia, e melhor lhes convinha.



Ainda assim, desejando seguir as indicações de V. Ex.ª, e proceder como esta inspecção sempre procede em tais casos, disse ao administrador do concelho que me parecia conveniente fazer reunir a Câmara de Terras de Bouro, afim de poder eu expôr as vantagens que adviriam para os povos, de entrar na posse do estado aquela parte da serra, não só para salvar or arvoredos existentes, senão também para proceder ao repovoamento, trabalho este que tinha muito a lucrar, sem que para isso fosse necessário coartar-lhes as regalias de que gozavam.

Na impossibilidade de fazer reunir a Câmara, a posse foi dada no dia 17 de Agosto de 1888, nos termos do auto que tive a honra de remeter a V. Ex.ª, indicando-me o administrador em seguida, os indivíduos que julgava nas condições de serem nomeados guardas, afim de evitar o vandalismo que os povos faziam no arvoredo, os quais foram nomeados por portaria de 7 de Setembro de 1888.

De ordem de V. Ex.ª mandei para o Gerês pessoal competente munido das instruções para proceder ao levantamento da carta desta parte da serra na escala 1/10:000. Os guardas tomaram posse, e os trabalhos das cartas foram iniciados sem que a Câmara de Terras de Bouro, ou qualquer outra corporação, reclamassem contra o acto que se praticava.

Em 14 de Setembro publiquei o edital, cuja cópia também fiz subir à presença de V. Ex.ª e que foi bem recebida pelos povos, visto serem-lhes garantidas as pastagens e mais regalias que eles desfrutavam, cortando somente os abusos que se praticavam. Estes abusos eram de tal ordem que basta dizer a V. Ex.ª que, estando o arvoredo à mercê dos povos, estes não só derrubavam um carvalho secular para cortar uma peça de madeira insignificante, deixando apodrecer o resto sobre o terreno, sem proveito de ninguém, senão que os secavam, tirando-lhes a casca para vender às cargas! Faz pena ver carvalhos seculares e bem formados, completamente secos pelo descasque que lhes fizeram. Medronheiros colossais derrubados para lhes tirarem o fruto! Grandes maciços de carvalhos secos pelo fogo lançado no mato, para aproveitamento das cinzas para estrumes! Fazia dó ver tal abandono, e custa a crer a que ponto chega a ignorância dos povos, que com semelhantes actos concorriam para a sua ruína, pois que com o desaparecimento do arvoredo viam diminuir as pastagens dos seus gados, e acabariam por não ter lenhas nem madeiras, como acontece na Serra da Estrela.

As madeiras com que foram construídos os hotéis das Caldas, na maior parte, foram tiradas da serra, e se não fossem intransitáveis os caminhos que a cortam e que por isso obstam à construção, teria desaparecido todo o arvoredo que ainda ali hoje se encontra. A dificuldade do transporte é que tem evitado o corte completo.

Calculo em 1.000 hectares a superfície dos maciços compreendidos na área sujeita ao regime florestal, e em 10.000 o total da área. Espero, porém, que estejam terminados os trabalhos da carta, e o inventário do respectivo arvoredo, para ter conhecimento seguro da massa florestal e da superfície compreendida dentro do perímetro marcado.

Decorreram os meses de Setembro e Outubro sem que da parte da Câmara ou dos povos houvesse acto algum de resistência ou protesto contra os trabalhos a que se procedia. Em Novembro, porém, começaram a levantar-se alguns boatos de que o que a Câmara Municipal de Terras de Bouro, julgando-se com o direito ao terreno em questão, protestaria contra a posse do Governo. Fui ao Gerês e ali e em Braga resolvi as dúvidas que me apresentaram e ficando certo que tudo caminharia na melhor ordem, mandei proceder à armação dos terrenos que tinha arrendados para viveiros, e abrir caminho para os mesmo e um outro para o Monte da Preguiça.

Continuou tudo regularmente até Dezembro, recebendo então na Serra da Estrela o telegrama de V. Ex.ª, em que me ordenava que partisse para o Gerês, porque os povos se haviam levantado contra os trabalhos que estavam a ser feitos.

Os acontecimentos que então se deram foram por mim relatados no ofício que tive a honra de dirigir a V. Ex.ª com a data de 5 de Dezembro, acompanhando a representação dos povos, e em vista deles e das suas reclamações foi publicado o decreto de 13 de Dezembro do mesmo ano. Não são para estranhar os factos que se deram, pois que em França, quando foram iniciados estes trabalhos, não poucas dificuldades teve o governo com que lutar com os povos, que hoje reconhecem as vantagens que combatiam então. Ainda assim, no meio de todas as contrariedades havidas, estão plantadas ao nascente das Caldas em 11Hm,64:

5.300 abies pectinata

5.400 abies excelsea

2.000 abies pinsapo

Ao poente em 5km,27:

4.880 abies pectinata

920 abies excelsea

Ao todo 18.500 abetos em 16Hm,81.

Destas árvores, a que mais tem resistido e representa boa vegetação é o abies excelsea.

Além destas plantações abriram-se caminhos para o viveiro, nem dos quais se construiu uma ponte, fizeram-se limpezas na mata da Bargiela, continuou-se o levantamento da planta, abacelaram-se e regaram-se árvores, prepararam-se terrenos para viveiros e fez-se a plantação definitiva.

(...)

Para arborização destas duas serras (Gerês e Estrela) mandei vir de França as seguintes árvores:

Para o Gerês:

4.000 abies pinsapo (três anos)

20.000 abies excelsea (dois anos)

8.000 abies excelsea (três anos)

10.000 abies pectinata (quatro anos)

20.000 abies pectinata (dois anos)

(...)

São estes os factos mais importantes que se deram no semestre decorrido, e terminando direi a V. Ex.ª que todo o pessoal das matas, designadamente o que mais superiormente tem dirigido os trabalhos, é digno de louvor pelo seu zelo e inteligência, podendo afirmar que todos os serviços se fizeram debaixo da melhor ordem, sempre subordinados aos preceitos silvícolas, como mais de uma vez tenho tido ocasião de ponderar a V. Ex.ª.

Deus guarde a V. Ex.ª - Inspector dos Serviços Florestais, em 30 de Abril de 1889 - Il.mo e Ex.mo Sr. Conselheiro Elvino de Brito, director geral da Agricultura.

O Inspector, Pedro Roberto da Cunha e Silva.

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Sem comentários: