quinta-feira, 17 de abril de 2025

"...os caminhos abertos pelos montanhistas"

 


Já nos habituamos à burocracia do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e aos (e às) burocratas do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG). Infelizmente, e como já referi por várias vezes, em 14 anos perderam-se oportunidades de aprendizagem no convívio com quem vive no Parque Nacional e com quem o visita; é o resultado do intenso mofo dos gabinetes em Braga e Lisboa (ou seja lá onde for que se decidem as coisas!).

Ao longo dos tempos vão surgindo verdadeiras pérolas sobre a forma como o ICNF lida com quem desfrutar da Natureza, respeitando as regras que o próprio ICNF estabeleceu. Estes são sempre os mais prejudicados por quererem cumprir as regras, pois quem não as cumpre, passa (quase) sempre pelos pingos da chuva.

Por outro lado, quem vive e quem desfruta do PNPG não pode ficar refém de interpretações pessoais ou dos dias do mês por parte de quem analisa os variados pedidos de autorização. Estas pessoas acabam também por ter de lidar com os seus próprios erros ao definir o actual Plano de Ordenamento do PNPG (e que já estão da mesma forma reflectidos) no futuro Regulamento Geral desta área protegida.

De novo «vem à baila» a situação dos pedidos de autorização e da definição das áreas definidas como sendo Zonas de Protecção Total (ZPT) na Área de Ambiente Natural do PNPG. De forma geral, o ICNF somente autoriza as actividades de visitação em três áreas na ZPT, nomeadamente (e supostamente), no Vale do Alto Homem (através da antiga estrada mineira), na Costa de Sabrosa (entre a Estrada da Albergaria e a Lomba de Buro) e na Geira Romana (Mata de Albergaria).

Vou-me concentrar nesta última zona (pois as restantes duas são de delimitação óbvia), isto é, em parte da Geira Romana na sua passagem pela Mata de Albergaria, mais precisamente nas imediações da Ponte de S. Miguel. De facto, não se compreende: a) esta delimitação, b) o comportamento do ICNF, c) um certo paternalismo ao referir que é dada autorização para percorrer aquele troço.

A delimitação. Ou por incompetência, ou por ignorância (ou por uma junção destas duas razões) estabeleceu-se que a ZPT do Vale do Alto Homem ainda abrangia parte da Geira Romana na sua passagem entre a Albergaria e a Portela do Homem (troço Albergaria - Ponte Feia - Ponte de S. Miguel - Currais de S. Miguel). (Aliás, no seu desenho original, de facto a ZPT era uma área contínua desde o marco geodésico dos Carris até ao Vale do Rio Cabril, algo somente corrigido por indicação e sabedoria dos Vigilantes da Natureza). Uma simples visita ao local mostra onde está localizada a placa de delimitação da ZPT, isto é, logo a seguir à Ponte Feia na sua margem direita e à entrada da Mata de Palheiros no carreiro que fez (faz) parte do denominado "Trilho das Sete Pontes" (percurso não oficial que ainda pulula nos sítios de caminhadas e tracks). Em parte alguma do traçado da Geira Romana existe sinalética que a refira como entrando na ZPT e o facto de o ICNF em correios electrónicos privados referir que a Geira Romana está em ZPT, somente pode resultar de verdadeira e profunda incompetência da burocracia daquela instituição do Estado.

O comportamento do ICNF. Não é a primeira, nem segunda vez que o ICNF tem este comportamento ao tentar intimidar quem pede autorizações para actividades de visitação ou simples esclarecimentos. Este comportamento é também um reflexo da falta de relacionamento com quem vive ou visita o PNPG, algo que marca esta área protegida desde o seu início, existindo sempre uma barreira de relacionamento, um pedestal de supina académica, onde os Srs. ou Sras. Engenheiros e Engenheiras, Doutores e Doutoras, e outros quejandos, se elevam numa altivez que, no limite, leva a maus resultados. Esta falta de relacionamento crónica é um dos principais problemas da convivência do PNPG com as populações e/ou visitantes.

O paternalismo. No entanto, quando surge a autorização, "pois, apesar de ser ZPT, até damos autorização" - uma boa forma de, em vez de corrigir os erros, tapar o problema com um fino  pano de linho - demonstra um certo paternalismo bacoco que vai continuar no futuro Regulamento Geral do PNPG. Um instituto do Estado que regulamenta uma área protegida e que não escuta quem lá vive e quem o visita, refugiando-se em «consultas públicas electrónicas», é uma entidade autista, uma entidade que não conhece os problemas reais e que, por consequência, terá tendência a eternizá-los.

Uma nota final sobre o título deste artigo. Questionados sobre os caminhos que podem ser utilizados, o ICNF refere que, baseado (preto no branco) no Plano de Ordenamento, a visitação deve ser feita através de "... trilhos, estradas, caminhos existentes ou outros locais autorizados," sublinhando a preciosidade de referir que "os caminhos abertos pelos montanhistas" não se enquadram nesta definição! Desculpem? "Caminhos abertos pelos montanhistas"? De facto, o mofo ou a humidade dos gabinetes do ICNF deve afectar a percepção da realidade por parte de quem acaba por escrever, ou justificar, sem qualquer base factual, as interdições que quer impor a quem visita o PNPG. Usar esta justificação, é não conhecer a realidade da área protegida onde trabalha, como se o PNPG fosse assaltado por hordas de montanhistas ávidos de cortar mato e abrir caminhos pelas serranias do Parque Nacional. Não saber que todo o PNPG é atravessado por uma rede (quase) infinita de carreiros seculares que serviram (e servem) o pastoreio, que serviram os carvoeiros, o contrabando, a mineração, a deslocação de residentes entre os diferentes lugares, a «vilegiatura» da clássica época termal, etc., revela uma ignorância atroz. No entanto, quando se autoriza os grandes eventos desportivos de massas do Parque Nacional, é o «vale tudo»...

Mas se calhar, se assim fosse, até seria - de certa forma - útil, pois não teríamos a paisagem abandonada e desolada da Mata de Albergaria, não teríamos o mato a tomar conta dos prados abandonados, não teríamos um Parque Nacional ao abandono por parte do Estado que nem dinheiro tem para mandar imprimir os cartões de autorização de estacionamento na Mata de Albergaria (socorrendo-se de fotocópias a cores...), etc.

Em suma, os problemas eternizam-se e o futuro do PNPG torna-se sempre, e cada vez mais, sombrio.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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