O prometido foi devido e o dia transformou-se em paisagens brancas apesar da noite tormentosa de chuva a altitudes mais baixas. Estas, porém, seriam também visitadas pela neve, mas mais tarde.
Originalmente planeada para percorrer a face Sul da Serra Amarela subindo o Peito de Gemesura, disse o bom senso e a prudência de que nem todas as paisagens valem uma aventura onde se pode colocar a segurança em risco e como tal, mudança de planos com a caminhada a ser iniciada no Lindoso.
Assim, grupo reunido à hora prevista, rumamos serra acima seguindo de princípio o traçado da Grande Rota da Peneda-Gerês GR50. Atravessando a tranquila aldeia que aos poucos se despertava do torpor da noite fria, O caminho leva-nos a ultrapassar torrentes e entramos num puzzle de campos murados; em breve, Lindoso vai ficando afundada lá, no fundo, onde o seu castelo se destaca num cenário onde as serranias de Soajo escondem-se atrás de nuvens escuras que se vão movendo na nossa direcção. Atravessada a estrada florestal (supostamente interdita), subimos a encosta da Escuralha e chegamos a Porto Chão. É aqui onde deixamos a GR50 e seguimos por um velho caminho que, subindo a Encosta da Caixa nos levará à Corga da Travanquinha e à cabana e curral do mesmo nome.
O cenário no Curral da Travanquinha era tirado de um filme invernal. Ao chegar, o nosso olhar contempla os pinheiros cobertos de neve nas suas ramadas e os carreiros delineados pela perfeição da neve recém-caída. Todo o cenário do curral se transforma em pouco minutos com a chegada de uma frente de neve que nos envolve inicialmente com uma carga de pequenas bolas de gelo açoitadas pelo vento, mas que subitamente se acalma e a neve cai como que em câmara lenta por entre o possível silêncio do nosso espanto.
Seguindo pelo Outeiro do Dexasco, chegamos de novo à estrada florestal já em Lamelas, seguindo então na direcção do ponto mais alto. A estrada ladeia o marco geodésico de Lamela e passa pela Portela antes de passar pelo abrigo de Rebordo Feio, local de paragem para um descanso e retemperar forças para o verdadeiro desafio que nos esperava.
Caminhando agora em neve virgem, à medida que ganhávamos altitude, a acumulação de neve intensificava-se. Deixávamos assim de caminhar e começávamos verdadeiramente a marchar, o que tornava a progressão mais cansativa. O caminho ladeia o Eirinho das Antas e curva abaixo do marco triangulado de Meiroa, levando-nos à parte mais difícil do percurso. Arrebatados por um forte vento, o grupo teve a oportunidade e a experiência de que nem tudo são bonitas fotografias de Instagram e de Facebook. Um vento forte projectada a neve contra os corpos e a neve, ganhando vida própria, procurava as partes despidas dos rostos, como que a querer espetar agulhas na carne fria. Por vezes, a passada era desviada por uma rajada mais forte e os pés falhavam o carreiro que se abria na neve, enterrando-se nesta.
Entre a calmia que por vezes surgia, apreciava-se a paisagem branca de neve e gelo que nos rodeava. Por um capricho das correntes de ar, o nosso destino surge à nossa frente com as antenas a rasgar os céus por entre o nevoeiro. O gelo pendurava-se e cobria os cabos eléctricos que percorrem as encostas e era o momento de registar a paisagem. No entanto, o um novo negrume se aproximava com mais uma dose de vento, neve e frio que nos fez experimentar as mais duras das sensações num ambiente mais ou menos controlado.
Passada a Fonte da Casa da Feira e o Colado da Porta com os restos dos muros do antigo fojo do lobo, iniciamos a subida final, atingindo o Alto da Casa da Feira com um vento forte e chegando, enfim, ao Alto da Louriça, a 1.354 metros de altitude.
Com condições difíceis e um vento forte, a nossa presença no alto da inclemente Serra Amarela foi breve, iniciando o regresso que se fez quase sempre num ambiente mais tranquilo, mas imersos numa paisagem que muitos não esquecerão.
O regresso foi feito pela estrada florestal até Porto Chão passando pela Corga do Birinha das Antas, pela Fonte de Roçadas e pela Cabana e Curral de Bugalhedo.
Ficam algumas fotografias do dia...
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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