São poucos os locais neste mundo, onde o futebol não seja o desporto-rei. O Gerês não foi excepção e se hoje temos o glorioso Grupo Desportivo do Gerês, em tempos outras agremiações desportivas existiram na localidade termal.
O seguinte texto do livro "Memórias Geresianas", de Agostinho Moura (2011), é a transcrição de um capítulo dedicado às verdadeiras origens do futebol no Gerês.
As verdadeiras origens do futebol geresiano
Fenómeno que, a partir da Inglaterra, despoletou num ápice por todo o mundo, até se tornar no desporto-rei universal, o 'vírus' do futebol chegou ao Gerês nos anos 30 do século passado. De forma embrionária e muito elementar é certo, sem treinos, nem equipamentos, nem campo de jogos, nem tão pouco uma bola de capão ou de borracha - verdadeiros luxos para aquela época... -, mas com a inesquecível bola de trapos pacientemente enrolados a servir de engodo e a dar oportunidade ao despertar de vários 'craques' geresianos que ainda hoje são recordados com saudade nas tertúlias locais.
Ao contrário do que se tem referido e escrito, sem qualquer fundamento, o futebol no Gerês não começou a ser praticado "há mais de cem anos". Uma tremenda asneira ou inverdade já que os maiores clubes de futebol portugueses de Lisboa e do Porto pouco mais têm do que essa idade, em termos de prática futebolística. E quem, com o senso comum, poderá acreditar que a prática do futebol no Gerês se iniciou antes ou até na mesma época em que começou a ser praticado nas maiores cidades portuguesas?
Embora não existam documentos históricos que o comprovem, numa entrevista que, em Junho de 1996, nos concedeu o saudoso Virgílio Ribeiro, neto de uma das primeiras famílias que assentaram arraiais, de forma permanente, nesta vila termal - seu avô paterno, António Joaquim Martins Ribeiro fundou aqui, em 1885, o Hotel Ribeiro - e um dos 'cabouqueiros' dessa modalidade desportiva entre nós, revelou-nos que o futebol no Gerês começou a ser praticado, ainda que de forma rudimentar, nos anos trinta (1933 / 1935) e depois teria um surto de desenvolvimento por ocasião da II Grande Guerra Mundial (1938 - 1945), muito por influência dos inúmeros trabalhadores que, nessa época, vieram explorar o volfrâmio nas minas dos Carris, nessa altura propriedade da Sociedade Mineiras dos Castelos, de capital alemão, com a particularidade de muitos dos jogos de futebol e até de voleibol, nesses tempos, se disputarem nos Carris, na zona das Abrótegas.
Além do Virgílio Ribeiro, foram pioneiros da prática do futebol no Gerês, na referida época, e entre outros, os geresianos César, Cândido e Fernando Santos (os irmãos Batoca), o Serafim do Lino, o António Baltazar e seu irmão Ernesto que, apesar de ir muito jovem (12 anos) trabalhar na restauração em Lisboa, vinha cá dar uma 'perninha' sempre que lhe era possível, o mesmo sucedendo com o Serafim do Lino. Foram eles que formaram a primeira eqipa aqui existente, denominada 'Futebol Clube do Gerez', cujo 'capitão' era o António Baltazar (o último de pé, do lado direito, na foto em baixo). Foram jogar duas vezes a Vieira do Minho e uma à Póvoa de Lanhoso, obtendo duas vitórias (2-0 e 3-1 e uma derrota por 2-4).
Como não havia, nesse tempo, campo de jogos, os aficionados pelo futebol jogavam-no em qualquer lado, não só na rua, como na antiga praça ou no lago da Pereira, onde hoje existem as actuais instalações desportivas do Grupo Desportivo do Gerês.
A semente do futebol estava, assim, lançada em terras geresianas e poucos anos depois, na segunda metade da década de 40, embora continuando sem campo próprio, mas já com equipamentos alugados, existiu aqui uma equipa famosa, onde sobressaiu pela técnica apurada, o Quim do Dias, o qual, levado pela mão amiga do António Baltazar, chegou a ir prestar provas no velhinho Campo da Ponte, perante os técnicos do Sporting de Braga que se mostraram interessados nos seus serviços. Só que por influência de sua mãe, dada a imagem de boémios que, nesses tempos, era atribuída aos jogadores de futebol, o Quim do Dias acabou por desperdiçar a oportunidade de singrar nessa carreira, tantas eram as qualidades que lhe eram reconhecidas.
De acordo com um artigo publicado por Armando Pinto Lopes na edição do "Geresão" de 20 de Dezembro de 1998, sob o título "O Gerês de há meio século", na época de 1948 dessa equipa faziam parte também o Pego, o Mário Chavola, o Tone Mineiro, o Arnaldo Mouta, o Manuel Pires (de Caniçada) e os irmãos Armando e Gaspar Pinto Lopes. Disputaram diversos jogos não só no Vilar da Veiga, como em S. João do Campo (onde venceram por 10 a zero...), em Caniçada (onde defrontaram a equipa do Vieira perdendo por 3 a 7) e em Amares, contra a equipa de Sta. Maria de Bouro, ganhando por 2-1.
Além das dificuldades de toda a ordem então existentes, os futebolistas geresianos debatiam-se com a falta de meios de transporte, sendo o mais frequente a bicicleta de pedal que, constituía, por assim dizer, uma espécie de pré-aquecimento para o jogo que em pouco tempo depois se iria disputar... Para esse jogo contra o Sta. Maria de Bouro, porém, realizado num campo junto à antiga serração de Amares, toda a equipa, composta por 15 elementos, entre titulares e suplentes, se fez deslocar num velho "BUICK" descapotável que o Mário Chavola conduzia no transporte do carvão que era produzido na serra e daqui era levado para Braga e o Porto, onde tinha muita procura como combustível para se cozinhar, uma vez que as botijas de gás, ainda não existiam, nessa altura, em Portugal.
A viagem até Bouro, com a estrada em macadame toda esburacada, e com o roncar do potente motor daquele 'machimbombo' a troar pelos ares, entre uma poeirada infernal e a algazarra dos respectivos passageiros, provocaria o susto e o espanto entre os adultos e as crianças das povoações por onde passava. E até as galinhas, que nesses tempos andavam à solta, assustadas, fugiam espaventadas a cacarejar, tão grande era o 'tornado' que se fazia sentir...
Nesse célebre jogo, a equipa do Gerês de 1948 alinhou, e de acordo com a gravura a seguir, da seguinte maneira: de pé - Pego, Parceirinho, Quim do Dias, Manecas, Mário Chavola e Armando Lopes. De joelhos - José Teixeira, Tone Mineiro, Arnaldo Mouta, Gaspar Lopes e Manuel Pires.
De salientar que o Parceirinho e o Manecas era dois vilaverdenses aprendizes na alfaiataria do Bichinho; o José Teixeira, natural de Entre-os-Rios, encontrava-se, nessa altura, a trabalhar para a HICA nas barragens da nossa região e o Manuel Pires, embora natural de Caniçada, era naquele tempo marçano na mercearia que existiu no rés-do-chão da Pensão Geresiana, onde agora funciona um café.
A talhe de foice, recorda-se que, em 18 de Junho de 1994, por ocasião do III aniversário da elevação do Gerês à categoria de vila, a comissão organizadora prestou uma significativa homenagem a dois dos antigos futebolistas geresianos lá presentes, no caso Virgílio Ribeiro e o Joaquim Dias, a quem foram entregues duas artísticas taças de porcelana, respectivamente pelo Miguel Pereira Guimarães e pelo Armando Pinto Lopes, em reconhecimento do contributo por ambos concedido à causa do futebol geresiano, numa altura em que se estava a disputar mais um campeonato do mundo dessa modalidade.
Após o fulgor revelado, durante vários anos, pela citada equipa, que chegou a incluir também, nalguns jogos, o António Capela, no lugar de defesa, em meados da década de 50 outra fornada de jogadores tecnicistas viria a surgir no Gerês, dentre os quais ressaltou a figura fulgurante do João Guedes que, segundo a opinião de testemunhas insuspeitas, constituiu, a par com o Quim do Dias, da geração anterior, a dupla de futebolistas geresianos de maior craveira em todos os tempos.
A falta, porém, de condições mínimas para a prática de futebol no Gerês continuava a registar-se. O largo onde outrora tinha existido o Hotel Internacional, tragicamente devorado por um incêndio em 6 de Janeiro de 1934, e antes de lá ter sido instalado o posto de combustíveis, era o campo de treino habitual enquanto não surgissem as temidas fardas da GNR, cujos soldados não perdoavam tal infracção, passando multas de 30$50 a cada infractor. Para as evitar - era ingrata a vida nesses tempos... - "fugia-se para o Vidoeiro, junto à bifurcação da estrada que dá para a Portela do Homem, para a Pereira ou até para a Volta da Cera, tão grande era o vício pelo 'pontapé na bola' que aqui existia. Por isso, os jogos a valer eram disputados sempre extra-muros, fosse no Vilar da Veiga, em Rio Caldo, em Caniçada ou nas terras dos clubes adversários.
A fotografia seguinte diz respeito, precisamente, a uma dessas deslocações que, pelas razões acima invocadas, os geresianos eram obrigados a efectuar para 'fazerem o gosto ao pé'.
O jogo foi disputado, em 1957, em Vieira do Minho contra a equipa local, nesse dia fortemente endiabrada, ao impor uma rotunda goleada à sua congénere geresiana (9-1). Num desafio de má memória para as hostes geresianas, a nossa equipa, com calções brancos e camisolas pretas, arranjadas à última hora, alinhou da seguinte forma: Ricardo (de Vila Verde), Carlos Guedes, João Guedes, Berto da Silvana e Taleta; Pego, João Vieira e João do Humberto; Geninho do Aarão, Ismael e João Mouta. Não alinhou neste desafio, por incapacidade física, o Salvador do Bichinho, titular habitual, e serviu de treinador (o último de pé, do lado direito da foto) o Alfredo Guedes.
A geração seguinte, nos anos 60/70, continuou a sofrer da falta e condições já apontadas. o que não impediu, apesar de tudo, que alguns valores se revelassem, tais como o Luís Ribeiro Peixoto, o Salustiano Vieira, o Sidónio Silva, o Zé Gato, o Armando Cruzeiro e o Quim do Veríssimo. Mais tarde, o Luís do Humberto foi o valor mais destacado entre os futebolistas geresianos da sua geração, chegando a defendes as cores azuis e brancas do F.C. Amares como federado.
Com a cedência, pelo Parque Nacvional da Peneda-Gerês, do recinto da Pereira, foi possível, finalmente, a criação, em 1975, do Grupo Desportivo do Gerês, o qual desde então, e salvo uma ou outra interrupção, passou a disputar os campeonatos distritais da Associação de Futebol de Braga, (...).
Fotografias iniciais © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
Outras fotografias extraídas do livro "Memórias Geresianas" (Agostinho Moura, Edição do Jornal Geresão - 2011)
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