Não há dia igual na Serra do Gerês e não somos os mesmos quando voltamos a paisagens já conhecidas. Tudo acaba por ser, de um modo ou de outro, diferente, pois, quanto mais não seja, até o nosso estado de espírito - seja lá o que isso for - não é o mesmo.
Assim, vemos as paisagens de outra forma e as exclamações de quem nos acompanha, a sua felicidade, a sua dor, o seu esforço, torna o ambiente diferente. Em cima disto, um dia de invernia e temos o ambiente perfeito para um memorável dia de montanha. Sim, estas são as «nossas» montanhas; não são grandes em dimensão, mas enormes naquilo que nos transmitem...
Esta caminhada teve a saída desde o estacionamento após a Ponte do Arado e seguiu a estrada florestal, com passagem pela Malhadoura e Curral dos Portos a caminho da Tribela. Aqui, flectindo à esquerda, seguimos em direcção à Ponte de Servas e subindo ao Curral de Pinhô. O vislumbre dos colossos que havíamos de visitar de perto dali a uns «instantes» estava oculto pelo nevoeiro que cobria o alto da serra e o fundo do Vale do Rio Conho. Escondia também o escasso manto branco que havia sobrado das nevadas dos dias anteriores, mas isso não sabíamos, pois seria surpresa.
Continuando pelo caminho florestal que passa na base da Roca de Pinhô, entramos num bosque que esconde um carreiro que nos leva já perto de Pousada no traçado do Trilho da Vezeira de Fafião. Pousada ficará à nossa esquerda bem como o Tope Ruim, à medida que entramos numa corga que nos vai conduzir a Pradolã. À nossa direita os alcantilados escarpados de Bicos Altos são percorridos por línguas densas de um nevoeiro húmido que se agarra à roupa. É um cenário de um filme fantástico onde os tons de cinza se misturam na paisagem. Continuando pelo carreiro e subindo longas lajes de granito, chegamos ao Curral de Pradolã e à sua fonte.
Contemplando, encetamos então o caminho ao lado de Fontela e mais adiante atinge-se o magnífico Estreito, um verdadeiro espectáculo da Natureza abrindo-se para o Vale do Rio Laço (à nossa direita) - afundando-se para o Curral da Touça - e para a Corga das Cerdeiras (à nossa esquerda) - caindo para Entre Águas. O caminho continua para o Curral de Vidoeirinho e a Meda de Rocalva surgiria no horizonte próximo, não se escondesse com um véu ondulante de nevoeiro. Após uma curta paragem em Vidoeirinho, continua-se o percurso passando o Penedo das Cangas e até chegar a uma das paisagens que são, por excelência, verdadeiros símbolos da resiliência dos povos serranos e uma das imagens de marca do Parque Nacional da Peneda-Gerês.
O Curral de Rocalva surge-nos como numa cena de um filme dos anos 50, imaginando-o a «preto e branco». É um cenário de uma imensa montanha tapeteada de uma neve que se derrete aos nossos passos, transforma-se numa papa e derrete, deixando pegadas cinzentas atrás de nós. As árvores, os resilientes carvalhos, estão esqueléticos numa contraluz ténue que por vezes parece deixar o vislumbre, a memória na retina, do vulto gigantesco que se esconde na penumbra daquele dia. Faz frio e o vento faz-nos lembrar disso a cada instante, encolhidos no interior do velho abrigo pastoril trespassado por uma ténue luminescência. Lá fora começa a nevar, pouco, não o suficiente para compor mais o cenário, mas o bastante para o deleite pessoal. Nestes momentos, o café ou o chá são como ouro que escorre na garganta e aquece os corpos que então se preparam para o regresso.
Depois do repasto no Curral de Rocalva, era hora de voltar, descendo pela crista inicial do Quinão (ou Quina) do Meio e depois pelo Curral do Cando, seguindo pelo magnífico carreiro que percorre a Encosta do Cando e descendo em direcção ao Curral de Coriscada. Finalmente, e descendo a Corga do Urso, uma curta visita ao Curral de Giesteira e seguindo em direcção ao Miradouro do Arado, chegava-se de novo à estrada florestal que leva ao ponto de partida.
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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