Com as notícias de "um grande nevão" para as zonas mais altas do Parque Nacional da Peneda-Gerês em Fevereiro de 2024, recordo aqui os episódios vividos em Fevereiro e Março de 1944 quando um grande nevão isolou os mineiros dos Carris e de Borrageiros, na Serra do Gerês.
O texto a seguir baseia-se nos artigos jornalísticos então publicados, tendo decidido não corrigir algumas das designações erradas que surgem (nomeadamente: "Água da Vala" que é na verdade "Água da Pala", "Burrageirinha" que é "Borrageiros", "Burrageirinho" que é "Borrageiros", "Barraquinho" que é "Borrageiros")
Á noite estivemos em comunicação telefónica com o sr. Engenheiro Luiz de Ávila e Castro, director do posto dos serviços florestais do Gerez.
Por ele soubemos que a situação não é tão grave como se apresentava de tarde.
Os 12 homens dados como perdidos na Burrageirinha já foram encontrados. E o mineiro Domingos Pereira de Olívio que se dizia ter morrido, encontra-se são e salvo. Aconteceu com ele apenas que, anteontem, á noite, muito embriagado por causa do frio que fazia – segundo declarou – decidiu romper o bloqueio da neve e seguir em busca da povoação mais próxima.
Caiu, porém, num barranco e, sem forças para se levantar, ficou toda a noite com neve até ao pescoço. Ontem, de manhã, já quando lhe tinha passado os fumos do álcool, sentiu que não podia sair dali, por ter as pernas e os braços enregelados. Gritou, porém, e uma das brigadas de socorro, que andavam em busca do seu cadáver, foi buscá-lo, tendo causado geral alegria e seu aparecimento. Depois de algumas massagens ficou bem e bebeu-lhe mais uns copos – para se restabelecer…
Os mineiros continuam, todavia, bloqueados pela neve. Três carros de pronto-socorro com bombeiros de Braga e de Vieira do Minho procuram abrir caminho, limpando a estrada. Apesar da baixa temperatura trabalharam com singular denodo durante toda a noite de ontem, tentando restabelecer as comunicações com os mineiros.
Se tal não se conseguir até a manhã de hoje, admite-se a hipótese de fazer sair de Espinho um avião, que sobrevoará o Gerez e deixará cair na mina mantimentos e agasalhos, visto ser aflitiva segundo parece, a situação dos 200 trabalhadores que se encontram bloqueados no lugar dos Carris.
Já foram desobstruídos, pelo menos, 6 quilómetros de estrada
BRAGA, 29 – Com os bombeiros voluntários e municipais saídos desta cidade e de Vieira do Minho, para socorrerem os mineiros bloqueados na serra do Gerez, e os habitantes das localidades próximas dos Carris, devem andar por 200 as pessoas que se entregam á afanosa tarefa de restabelecer as comunicações com a mina de volfrâmio da Empresa Lisbonense. A mina confina com o concelho de Montalegre, onde se organizaram também brigadas de socorro.
Até ás 21.30 de hoje estavam desobstruídos 6 quilómetros adiante do lugar de Leonte. Daí para cima o trajecto faz-se por caminhos de cabras até ao ponto onde existe uma estrada larga e boa que a Empresa mineira está a construir há meses, em direcção ás Caldas do Gerez. É natural que os mineiros e os trabalhadores que se empregam na construção da estrada estejam a procurar, por seu turno, desbravar caminho, sendo de prever, pois, que uns e outros se encontrem com os seus salvadores amanhã á noite ou depois de amanhã, se o nevão não aumentar de intensidade.
Mas, entretanto, como faltam os mantimentos no lugar dos Carris, impõe-se que sejam enviados aos bloqueados socorros por via aérea.
Na mesma edição, o jornal adiantava na secção de última hora.
O nevão no Gerez
Uma brigada de socorro deve ter chegado já á mina dos Carris
CALDAS DE GEREZ, 1 (De madrugada pelo telefone) – O trabalhador Domingos Pereira, que fora dado como morto e foi, afinal, encontrado bem de saúde, está nesta localidade e tem recebido muitas felicitações por haver sido salvo. No momento em que o encontraram estava tão enregelado que, se os socorros tivessem demorado mais algum tempo, sucumbiria de frio e de fome.
O nevão abrandou muito e o estado do tempo facilita o trabalho de desobstrução da estrada. Á meia-noite, devido ao frio intenso e depois de um esforço verdadeiramente heróico, os bombeiros suspenderam os trabalhos, que devem recomeçar ás primeiras horas da manhã. A estrada foi limpa até cerca de 200 metros do lugar de Leonte. Daí para cima, até ao começo da nova estrada, fica o trecho mais difícil de desbravar.
Uma brigada constituída pelos Srs. José Rodrigues de Sousa, delegado da Empresa Mineira, engenheiros António Cruz e Alípio Martins e 5 trabalhadores largou do lugar de Água da Vala , ás 16 horas, para ir aos Carris levar mantimentos aos mineiros que se encontram bloqueados.
Não há ainda notícias deles. Mas crê-se que já se encontrem na mina, apesar da dificuldade de percorrer vinte quilómetros de serra com neve de muitos metros de altura, e tenham levado aos pobres trabalhadores isolados a certeza de que não se encontram ao abandono e vão ser socorridos dentro em breve.
A 1 de Março o jornal ‘O Comércio do Porto’ noticiava também o que classificava de “dramática e aflitiva situação” dos mineiros nos Carris.
É dramática e aflitiva a situação de cerca de 200 trabalhadores bloqueados pela neve que, na Serra do Gerez, atingiu cinco metros de altura
Os caminhos estão obstruídos, tornando-se difícil a chegada de socorros ás Minas dos Carris, onde está o maior número de sinistrados, que têm lenha e mantimentos, apenas, para dois ou três dias. De doze homens isolados no lugar do Barraquinho , sem mantimentos e sem lenha para se aquecerem, dois conseguiram juntar-se aos seus colegas nas Minas dos Carris e um ficou sepultado pela neve
GEREZ, 29 – Nas Minas dos Carris, situadas a cerca de 1.500 metros de altitude, a neve bloqueou mais de duzentos trabalhadores.
A direcção das Minas está a empregar todos os esforços para que sejam socorridos e salvos os referidos trabalhadores, tendo pedido o auxílio das corporações de Bombeiros Municipais e Voluntários de Braga e Bombeiros de Vieira do Minho.
Na concessão mineira do Barraquinho, estão perdidos, há três dias, doze homens. A direcção dos Carris também mandou seguir de automóvel, para esse local, um piquete de trabalhadores, que empregará todos os esforços para encontrar os desaparecidos.
BRAGA, 29 – Os Bombeiros Municipais e Voluntários partiram, ao princípio da tarde, para o Gerez, onde vão tomar parte nas tentativas de salvamento de numerosos trabalhadores que estão, desde ontem, bloqueados pela neve.
O grande nevão de que ontem demos notícia, atingiu, no Gerez, proporções extraordinárias. Em alguns sítios – o que parece nunca ter acontecido – a neve mede cinco metros de altura.
Os caminhos ficaram obstruídos por formidáveis muralhas de neve, sendo difícil, portanto, o acesso até junto das minas, que pertencem a Empresa Mineira Lisbonense.
Segundo parece, os sinistrados reuniram-se próximo da cantina e depósitos de lenha, podendo abastecer-se ainda durante dois ou três dias.
O pequeno grupo de doze homens isolado no lugar do Barraquinho não dispõem de mantimentos e lenha. A sua situação é desesperada. Três dos componentes desse grupo, num esforço supremo, tentaram alcançar o Gerez, e, dois deles, exaustos, mais mortos que vivos, conseguiram ver realizados os seus intentos. O outro perdeu-se, ficando sepultado na serra. Chama-se Domingos Pereira e residia, até à pouco tempo, no lugar do Alívio, Soutelo, Vila Verde. Deixa viúva e oito filhos menores.
Fazem-se tentativas arrojadas para socorrer os restantes, e várias colunas de trabalhadores, conduzidas de automóvel, até Ruivães, na estrada Braga – Chaves, tentam atingir, por este lado, subindo a encosta Sul da serra, o lugar onde se julga estarem os desaparecidos.
Os trabalhos de libertação do grupo reunido junto da cantina deve demorar alguns dias.
O ‘Diário de Notícias’ continuava a 2 de Março, o relato do drama que se vivia na Serra do Gerês.
Estão livres de perigo os 200 trabalhadores bloqueados pela neve no Gerez. As comunicações com as minas ficaram ontem praticamente restabelecidas
Foi como que um pesadelo, um sonho sombrio na montanha vestida de branco. Estão salvos os duzentos homens que, no alto do Gerez, fechados entre o céu e as cristas da penedia agreste, tinham julgado chegada a sua última hora.
O nevão intenso, multiplicando as armadilhas da serra, tinha erguido em torno deles muralhas de gelo, de cinco metros de alto. A morte, com o seu cortejo de fantasmas, rondava aquelas existências, que o trabalho fizera correr uma perigosa aventura. Tiritavam os corpos de frio e as almas de medo, no desconforto da montanha povoada de pavores.
Mas como sempre nas grandes cenas trágicas, quando há vidas em risco entre os portugueses, surgiram homens heróicos, que, arrostando com todos os perigos, romperam as muralhas em que iam sepultar-se vivos tantos trabalhadores. Já ontem, em «Últimas Notícias» dávamos conta de que uma expedição se metera ao caminho, saindo pelas 16 horas do lugar de Água da Pala, em direcção ás minas dos Carris, e acrescentámos que nas Caldas do Gerez, era gerada a crença de que os audaciosos expedicionários haviam atingido a meta desejada estabelecendo comunicação com os bloqueados e levando-lhes o conforto e o auxílio de que estavam carecidos.
Assim aconteceu, de facto. A brigada era constituída, como dissemos, pelos Srs. José Rodrigues de Sousa, delegado da Empresa Mineira Lisbonense, Lda.; engenheiros António Cruz e Alípio Martins e por cinco trabalhadores, que levavam mantimentos e material de socorro em cinco mulas, dada a impossibilidade de se fazer o transporte por outro meio. Mas, em dado momento, a neve era tão alta e tão farfalhuda, dificultava por tal forma o avanço dos animais que estes foram trazidos por António Espada ao ponto de partida e os expedicionários decidiram seguir sozinhos, carregando eles com os mantimentos.
Heróica foi a sua caminhada, no destemido arranco pela serra acima, indiferentes á dureza dos elementos e aos perigos que os cercavam. Abrindo clareiras na ininterrupta muralha de neve, caindo aqui e acolá, tateando o caminho á beira dos precipícios, guiados mais pelo instinto do que por pontos de referencia, lá chegaram enfim.
A recepção que lhes fizeram os que já se julgavam para sempre isolados do Mundo excede quanto se pode imaginar. Deve dizer-se, pelo menos que até nós chega, que não houve nunca tão expressivas lágrimas de alegria e de gratidão.
Esses escassos vinte quilómetros que vão de Água da Pala aos Carris foram palmilhados, com denodado esforço, em oito horas. Á meia-noite a brigada anunciando-se por lumes que punham reflexos de ouro ao vasto lençol de neve, chegou á mina, acolhida com grandes manifestações de júbilo.
Todos os mineiros e operários se encontravam, felizmente, bem. Não se confirmavam as notícias alarmantes que circulavam nas povoações em volta, segundo as quais havia mortos.
27 homens salvos
Apenas na véspera 27 homens tinham corrido risco de vida. Pernoitavam num barracão e a neve, durante a noite, cobriu este totalmente. Ao despertar, sentindo-se sepultados, tentaram por todos os meios vencer a densa camada de neve que os isolava. Mas todos os seus esforços foram baldados.
Sentindo, porém, a falta deles no trabalho, os companheiros foram em sua procura. E assim os salvaram de morte certa.
Os outros 12 homens localizados no Burrageirinho já tinham sido salvos anteontem, como referimos.
Abrindo caminho por entre a neve
A chegada aos Carris da brigada de socorro encheu de uma nova alma os isolados. Ao conhecerem os esforços que se faziam para desobstruir os caminhos e libertá-los do círculo de neve que os cercava, principiaram, por sua vez, a abrir caminho na direcção das caldas do Gerez.
Aqui os serviços de socorros estavam centralizados no Hotel Maia e eram dirigidos pelo Sr. Capitão Olegário Antunes. Haviam sido três dos trabalhadores da mina que, na segunda-feira, á tarde, com pormenores alarmantes, tinham trazido ali a notícia de que os companheiros estavam bloqueados. A tempestade de neve não só apagara os vestígios de todos os caminhos, como obrigava os trabalhadores a saírem de suas casas pelas janelas e pelos telhados, para não serem sepultados sob a avalanche. Mas a neve crescia e não se vislumbrava meio de a arredar ou de fugir ao inferno branco que, a 1.507 metros de altitude, enchia de angústia tantas existências.
Com os bombeiros de Braga e de Vieira começara-se, logo que chegou a notícia, a desbravar caminho, do lado do sul. Por volta da meia-noite, depois de um trabalho insano, estavam desbravados uns escassos seis quilómetros. Os bombeiros de Vieira, que haviam tido um desastre, porque a sua viatura caíra por um talude, retiraram-se então; e os de Braga, depois de pernoitarem no Gerez, regressaram ás 9 horas á sua cidade.
Mas como, entretanto, tinham vindo, em camionetas, grupos de trabalhadores de Vilar da Veiga e Rio Caldo, foi com eles que os trabalhos de desobstrução prosseguiram durante toda a noite. Pelas duas horas da madrugada de ontem, depois de um trabalho heróico, as brigadas atingiram a povoação de Leonte, o pitoresco lugarejo tanto da predilecção do grande pintor Artur Loureiro. Existe ali um posto da Guarda Florestal com telefone.
Cerca de duas centenas de homens, armados de pás, picaretas, enxadas e até machados, porque havia árvores atravancando o caminho, continuaram a abrir brecha na grande muralha de neve, apesar das dificuldades crescentes da empresa.
Nas Caldas do Gerez compareceram ás, primeiras horas de ontem, o sr. Trindade dos Santos, administrador do concelho de Terras de Bouro, e vários vereadores, que tomaram as providencias necessárias para que os trabalhos de desobstrução se activassem.
As comunicações estão praticamente restabelecidas
O Sr. Engenheiro Luiz de Avila e Castro, administrador dos serviços florestais do Gerez, chegou, ontem á noite, a Lisboa, vindo da serra, de onde saiu ás 9 horas. Encontrou na estrada, muito contente e alegre, o trabalhador Domingos Pereira, de quem se disse, como referimos, que tinha morrido no meio da neve. A mulher, que recebera a notícia de que ele morrera, ia desfeita em pranto com outras mulheres suas vizinhas, quando o encontrou em grande alegria. Caíram nos braços um do outro a rir e a chorar, dando-se uma cena que a todos impressionou.
O Sr. Engenheiro Ávila e Castro pôs á disposição dos serviços de socorros os guardas sob as suas ordens e a rede telefónica privativa da administração florestal. O temporal avariou algumas linhas, mas conservou intacta, felizmente, a de Leonte, o que muito facilitou os trabalhos
Ontem de manhã saíram das Caldas do Gerez para o posto de Leonte, término da estrada, três camionetas, que dali, rompendo a neve, com dezenas de trabalhadores a abrir caminho, atingiram á tarde Albergaria. Os trabalhos de desobstrução, de um lado e do outro, entre Albergaria e Carris, continuaram á noite, mas as comunicações consideram-se praticamente restabelecidas, estando completamente livres de perigo os trabalhadores das minas.
Eles pertencem, em corporação, á Sociedade Mineira dos Castelos e á Empresa Mineira Lisbonense. Na sede desta, na rua do Comércio, 8, 2º, foram recebidas, ontem, á tarde, informações que confirmam que os trabalhadores de Carris se encontram livres de perigo.
Cabe dizer, a propósito, que nos Carris não faltavam alimentos, porquanto mensalmente seguem para ali, por intermédio da Empresa, os géneros alimentícios necessários, com as capitações estabelecidas pelo Grémio dos Retalhistas de Mercearia. O que aconteceu foi que os géneros, tal como as casas, ficaram cobertos pela neve. Daí o alarme estabelecido nas populações em torno e a que responderam as prontas providencias tomadas.
Na mesma linha, ‘O Comércio do Porto’ relatava a 2 de Março o salvamento dos mineiros dos Carris.
Podem considerar-se salvos os duzentos trabalhadores que a neve bloqueou na Serra do Gerez graças aos esforços dos bombeiros de Braga e Vieira do Minho e de muitos populares
O mineiro que num esforço supremo, tentou alcanças a estância do Gerez e se perdeu na neve, foi encontrado, ainda, com vida, e salvo
(Do nosso enviado especial)
BRAGA, 1 – Melhorou, consideravelmente, a situação dos 200 trabalhadores, bloqueados pela neve na concessão denominada dos Carris, no Gerez, explorada pela Mineira Lisbonense.
Os Bombeiros Municipais e Voluntários de Braga e de Vieira do Minho, trabalharam, incansavelmente, até hoje ao romper do dia, na desobstrução da estrada que vai do Gerez a Leonte. Foi um esforço consideravelmente extenuante, mas que pôde realizar-se com êxito, porque a satisfação de valer a 200 vidas em perigo, redobrou o ânimo e a coragem não só dos bombeiros, mas também das muitas dezenas de operários, na sua maioria mineiros, que com eles colaboravam. A neve, que na própria estância do Gerez atingiu a altura de 30 centímetros, logo no início da estrada de Leonte acumulava-se em massas enormes que ultrapassavam um metro de profundidade.
A diferença de nível entre a estância e Leonte é, aproximadamente 800 metros, que a estrada, na extensão de 7,5 quilómetros, vence em declive por vezes acentuadíssimo. E à medida que ela galga a encosta, o volume de neve tornava-se maior. Foi necessário, portanto, uma dedicação extraordinária, para realizar tão monumental trabalho, vencido com admirável espírito de abnegação, e com risco iminente. Mas era essa, também, a maior dificuldade, porque a estrada, que prossegue, para além de Leonte e até Albergaria, submetida à administração do perímetro florestal, começa ali a descer, facilitando, por esse facto, a remoção da neve. Brigadas de trabalhadores, que se revezaram durante o dia, dirigidas pelo Sr. Capitão Olegário Antunes, continuaram para além de Leonte, o trabalho dos bombeiros – digno de maior apreço, como ouvimos, no próprio local – e, hoje, ao princípio da noite, atingiam Albergaria. Daqui aos Carris, ainda há uma distância de 14 quilómetros, mas como não existe estrada, bastará abrir uma pista, para peões e solípedes, esperando-se que o trabalho possa ser executado a tempo conveniente.
Hoje, durante o dia, alguns trabalhadores aventuraram-se a deixar a sua reclusão forçada e vieram ao encontro dos que abrem caminho para as minas. Chegaram, é certo, extenuados, mas satisfeitos por terem perfurado o «sítio» que a neve estabeleceu.
Contarem eles que ao clarear o dia de segunda-feira, se verificou nos Carris, ter a neve atingido a altura dos telhados das instalações. Procurou-se, imediatamente, abrir respiradouros, e, depois, desobstruir as portas. Reconheceu-se, porém, que era impossível ir mais longe. Importava aguardar socorros exteriores, pelo que, os superiores da cantina, aplicaram, imediatamente, um sistema de racionamento que permitiu assegurar o abastecimento até sexta-feira ou sábado. E como todos, agora, estão convencidos que os socorros chegam a tempo, reinam a calma e a confiança.
O pequeno grupo de trabalhadores que estava mais longe, para o Cabril, na concessão do Borrageiro, constituído por 12 homens, foi todo salvo, embora depois de sofrimentos sem conta e nas mais dramáticas circunstâncias. Três desses homens deixaram o grupo, e dois conseguiram, com os seus recursos, chegar ao Gerez. O terceiro perdeu-se, e foi dado por morto. É o Domingos Pereira.
Mais tarde, uma brigada de socorro, constituída por mineiros tão valentes como ousados, foi, pela encosta Sul da serra, ao encontro dos nove restantes, e pôde salvá-los, içando-os em cabos, da ravina onde já esperavam uma morte certa. Foi essa brigada que descobriu, ao fundo de um barranco, inanimado e arroxeado com o frio, o Domingos Pereira, perdido havia 24 horas. Parecia morto, mas içado também, depois de recolhido na primeira cabana que ao grupo se deparou, e de tratado carinhosamente, embora por meios rudimentares, voltou á vida. No Gerez, o seu reaparecimento, causou a maior alegria.
A neve, por toda a serra, entrou, já, em liquefacção, mas teme-se que surjam outros nevões. Ainda esta noite, quando os bombeiros estavam próximos de Leonte, pela uma hora da madrugada, voltou a nevar em quantidade. Felizmente, foi só durante uns 20 minutos… Admitindo, a ausência de novas quedas de flocos, e o auxílio da temperatura, o regresso à normalidade levará, mesmo assim, ainda muitos dias. As montanhas de rama alvinitente, são muito extensas e espessas. Giestais crescidos, com dois e mais metros de altura, desapareceram sob interminável lençol branco: pinheiros, pequenos cedros e outras espécies da flora que reverdece nas encostas do Gerez, mostram, dificilmente, as suas cúpulas. O panorama, ainda hoje, não sendo, já, inédito, era de imponência e de grande arrebatadora, não isentas de perigos que os desprendimentos contínuos tornavam a todos os instantes iminentes.
Com as equipas de socorro a chegarem aos Carris, o ‘Diário de Notícias’ ainda irá referir o acontecimento dos dias 3 e 4 de Março.
A tempestade de neve no Gerez
Os mineiros foram libertados
BRAGA, 2 – Têm sido aqui muito apreciadas as reportagens do «Diário de Notícias» sobre a tempestade de neve que caiu na serra do Gerez e bloqueou centenas de homens nas minas dos Carris.
As comunicações entre as Caldas do Gerez e o alto da serra já se encontram inteiramente restabelecidas e os estafetas da Empresa Mineira Lisbonense retomaram o seu serviço habitual. Os últimos trabalhos de desobstrução dos caminhos ficaram concluídos hoje á tarde, assistindo a eles o Sr. Trindade dos Santos, administrador do concelho de Terras de Bouro. Mas trabalha-se ainda na remoção da neve, no percurso de 17 quilómetros, entre Albergaria e os Carris.
Como é muita e o frio intenso, foi suspensa a exploração das minas. Em consequência, logo que foram libertados do bloqueio, os mineiros dirigiram-se para as Caldas do Gerez e ali se conservam.
Havia o receio de que, por terem suportado o peso de 5 metros de altura de neve, as construções em volta das minas tivessem ficado inutilizadas. Os engenheiros que hoje se deslocaram aos Carris mandaram descobri-las e verificaram, segundo nos consta, que nenhuma sofrera qualquer prejuízo. A segurança das minas é completa. Para os Carris têm ido grandes quantidades de mantimentos.
Hoje regressaram ao Hotel Maia, nas Caldas do Gerez, de onde partiu a organização dos serviços de socorro, os srs. José Rodrigues de Sousa, engenheiros António Cruz e Alípio Martins e cinco trabalhadores que, como dissemos, constituíram a primeira brigada de assistência enviada aos bloqueados.
De tarde, na serra, começou a chover. Não tarda, pois, o degelo. O tempo coadjuva, assim, o esforço dos homens.
O degelo no Gerez ,
Aumentou o volume do Rio Homem
CALDAS DO GEREZ, 3 – Nas minas dos Carris continuam suspensos os trabalhos, ainda devido ao forte nevão dos últimos dias. Em toda a serra choveu hoje ininterruptamente, o que veio acelerar o degelo.
Pelas vertentes da serra correm grandes massas de água, que vão precipitar-se no rio Homem e aumentam consideravelmente o volume deste. Não há perigo, todavia, de inundações, porque as margens do rio são altas.
Texto adaptado de "Minas dos Carris - Histórias Mineiras na Serra do Gerês" (Rui C. Barbosa, Dezembro de 2013)
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
1 comentário:
Um texto longo mas tão magnifico de ler e reler.
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