A sazonalidade é um punhal que se crava nas costas das Caldas do Gerês todos os anos. Uns gostam e não conseguem viver sem ela, outros desesperam pelos dias em que a vila se anima nos dias termais ou do Estio.
Às Caldas do Gerês falta algo que atraia os visitantes e os prenda por lá. Não faltam opções para que o futuro possa trazer mais e, acima de tudo, melhores visitantes! Rica em História, Valor Humano e Paisagens, a Serra do Gerês tem o potencial e razões para a alimentar todo o ano. Infelizmente, parece que muitos se dão bem com a situação, enquanto poucos acham que deveria ser de outra forma.
De facto, a História destas paragens é um dos tesouros por se explorar e estes não faltam. Tal como a história do lugar do Rigor (e de outros) que marcaram em tempos a vila termal. Ainda existem muitos que se lembram daqueles tempos, mas estes tempos têm a tendência para serem esquecidos sobre a vegetação que aos poucos vai cobrindo o antigo lugar, ao mesmo tempo que as memórias se vão desvanecendo.
Por ser um tema interessante para a História das Caldas do Gerês e da serra que lhe emprestou o nome, transcrevo aqui um texto Agostinho Moura, incluído no seu livro "Memórias Geresianas - Figuras e Factos" (Edição Jornal Geresão, 2011).
Rigor: o princípio do fim...
Mais de meio século volvido sobre a debandada geral, o antigo lugar do Rigor, que existiu, até meados dos anos 50, na encosta nascente desta vila termal, é hoje uma indesmentível saudade para todos quantos lá viveram ou o conheceram. Contando com 30 habitações onde, em 1942, viviam 44 famílias, num total de 203 moradores, o Rigor foi, juntamente com a Boavista, uma das zonas geresianas com maior densidade populacional (...).
Os motivos para a expropriação de todo esse lugar, levada a cabo pela Empresa das Águas do Gerês entre 1944 e 1952, constam de um estudo intitulado "Inquérito Habitacional da Vertente Leste do Vale do Gerez", concluído em 12 de Dezembro de 1942, pelo Dr. Manuel António Soeiro de Almeida, então director clínico desta estância termal.
Pela importância que se reveste para a história desta vila termal, transcrevemos, com a devida vénia, o texto integral da nota introdutória desse "Inquérito Habitacional" da autoria daquele antigo director clínico.
"As caldas do Gerez, afamadas pelas suas excelentes águas medicinais a que tantos milhares de doentes do fígado devem a saúde e até mesmo a vida, assentam num profundo vale, exuberantemente arborizado, da majestosa serra gereziana.
Pelas duas vertentes do pitoresco Vale do Gerez, com os seus socalcos em anfiteatro, estende-se parte da povoação habitada por gente muito pobre, que desconhece, dum modo geral, as regras mais elementares de higiene individual. Estes habitantes vivem, quase na totalidade, em casa sem esgoto, conspurcando com os seus dejectos a montanha, numa área onde brotam dezasseis nascentes de água comum".
"A situação topográfica deste povoado concorre assim grandemente para o precário estado de higiéne da estância, e não menos impede o seu desenvolvimento e progresso.
Como muito bem diz o Professor Alberto de Aguiar, do Porto, "urge desafogar o Gerez, libertá-lo da situação de Prometeu agrilhoado e dar-lhe a montanha ampla e livre onde possa, ajudado por ela e por sua milagrosa água, equilibrar e desenvolver as suas defesas fisiológicas, cumprir os seus sentimentos humanos e desviar-se dos factores deletérios que o cercam". De resto, é esta também a opinião do Professor Armando Narciso, ilustre Médico da Inspecção de Águas, e a minha.
A resolução do problema habitacional das Caldas do Gerez, que consideramos fundamental para a sanidade da estância, torna-se possível com a admirável legislação sobre "Casas Económicas". Impõe-se dizer, em abono da verdade, - prossegue o Dr. Soeiro de Almeida - que o Estado Novo realizou uma obra magnifica e de enorme alcance social, mandando construir numerosos bairros populares onde vivem tantos milhares de famílias, em excelentes condições higiénicas. Por isso contamos com a boa vontade de Sua Excelência o Ministro das Obras Públicas e o auxílio do estado, para s elevar a cabo a construção dum bairro popular, na margem esquerda do Rio Gerez, a jusante da estância. Esse notável melhoramento - acentuava - além de beneficiar consideravelmente as condições de salubridade das Caldas, contribuiria, sem dúvida, para a grande prosperidade da nossa maior riqueza hidrológica.
Nesta ordem de ideias, valendo-nos dos conhecimentos adquiridos nas publicações enviadas pelo ilustre Médico Inspector Chefe da Sanidade Terrestre, fizemos a conselho do Prof. Armando Narciso, a quem já devemos preciosas indicações sobre a defesa sanitária da Estância, um inquérito habitacional da vertente leste do vale do Gerez, donde irrompem dezasseis nascentes de água comum.
Ilustramos o nosso trabalho com a fotografia de todas as habitações, para se poder avaliar melhor o seu valor e o estado em que elas se encontram. Nesta vertente existem 30 casas, algumas do tipo - barraca e de aspecto miserável. Em 28 destas habitações, não há água canalizada, latrina e esgoto. Ainda notámos mais deficiências graves, sob o ponto de vista de higiene habitacional, tais como cozinha sem chaminé, servindo de casa de jantar e de quarto de dormir, habitações superpovoadas, estrumeiras junto das casas, servindo de retrete, e abundância de moscas. Os chefes de família são, em grande parte, trabalhadores jornaleiros que auferem salários entre 8 e 10 escudos".
A reforçar tal petição, Soeiro de Almeida na conclusão desse seu estudo refere: "Na encosta leste do vale do Gerez, existem terrenos cultivados e 30 casas de habitação a montante de 16 minas de água que abastece hotéis, pensões e casas particulares; vivem nessas casas 44 famílias, a maior parte delas, em péssimas condições de habitabilidade, sem a mais rudimentar instalação sanitária, poluindo o solo com os seus dejectos e inquinando as águas que nascem na mesma encosta. Daqui resultam dois graves inconvenientes para a higiene local: 1.º - A sordidez do viver da maior parte da população fixa do Gerez; 2.º - As deficientes condições higiénicas da própria estância hidrológica.
O remédio será, pois, urbanizar o Gerez, isto é, prover à sua defesa sanitária, limpando não só esta encosta como a outra de todas as habitações que não obedecem aos preceitos mais elementares de higiene e deslocando a população para um novo bairro, construído nas devidas condições e em área que não afecte a vida da estação termal".
Com esta exposição, acompanhada das fotografias e da descrição exaustiva de cada uma das 30 habitações referidas, esteva dado o primeiro passo para a polémica machadada final no antigo lugar do Rigor, cuja expropriação total levaria oito anos a consumar (1944-1952), pelo facto dalguns proprietários terem recorrido para o Tribunal de Vieira do Minho, o qual apenas em 29 de Outubro de 1952 viria a confirmar as últimas expropriações. (...)
Fotografia: "Memórias Geresianas - Figuras e Factos" (Edição Jornal Geresão, 2011)
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