Após a minha recente visita ao Pé de Cabril, recordei-me deste texto já publicado aqui no blogue e que descreve a escalada do Pé de Cabril por Roger Heim a 20 de Setembro de 1935. Para reler...
(Texto sem correcção ortográfica e transcrito do original)
Certo dia, num dia 20 de Setembro (de 1935), meteu-se-me na cabeça fazer a ascensão do Pé de Cabril.
A janela do meu quarto, aberta de par em par, deixava ver o ceu estrelado, bons prenuncios para a subida que resolvera para a manhã seguinte e cheio de confiança adormeci pensando: «ámanhã, às 8 horas, estarei lá no píncaro e terei o prazer de observar um larguíssimo horisonte, do qual conheço já muitos detalhes e com esta contemplação obterei a sintese. Desta forma ficarei com a chave panoramica da Serra Amarela ao mesmo tempo que uma vista de conjunto sobre todo o Gerez.»
Estava impaciente por ver, do alto do Cabril, a longinqua silhueta do Coro do Muro, o ponto culminante da «Amarela», escalada tres dias antes e portanto já familiar para mim; e de abranger em vôo de passaro as deliciosas aldeias sertanejas, envolvidas em ramadas floridas de S. João do Campo e de Vilarinho da Furna.
Ás 6 horas da manhã fui acordado pela chuva. O nevoeiro vindo de Oeste acumula-se sobre as terras de Bouro. Um fino cajueiro penetra a atmosfera, o Gerez, hoje, estará debaixo de água.
Partiremos? O guia chega, com ar inquieto, pessimista, teimoso como quem não tem dúvida que será necessário tomar o seu partido. Tanto peor, tive de o arrastar contra sua vontade e lá me seguiu sem se queixar, resmungando: «Estes diabos dêstes franceses»!
Metemos pois a caminho para Leonte debaixo de uma chuvinha cada vez mais cerrada. Pereiras selvagens, pinheiros, castanheiros choram atravez das suas folhas a água do céu. Atingimos a Preguiça onde nos abrigámos debaixo de um enorme carvalho. Passa uma hora, passam duas. A chuva ora batia em fortes rajadas, ora amainava por instantes. Decidido a não desistir, aproveito uma destas escampas para dar o sinal da partida.
Não falarei do Pé de Cabril senão como alpinista, porque o subi, pode-se dizer, com os olhos vendados e furioso. Desde Leonte à ponta sul não vi nada senão os pés do guia e as águas que escorriam pela sua capa, e certamente teria continuádo a subir se o meu companheiro não me tivesse assegurado que estavamos chegados à plataforma superior. Então, tive o sorriso desconsolado de todos aquêles que reconhecem o êxito fácil em demasia, o que corresponde quási a uma decepção.
Em vão procurava descortinar alguma cousa por entre a opaca nevoa no meio da qual nos encontravamos. Não se via nada, a não ser os movimentos rápidos mas inuteis e sem vida, das nuvens, ascendentes e descendentes, impulsionadas por fortes rajadas, deslocando, misturando, desorientando tudo, sem nada esclarecer.
Como escorressemos água por todos os lados e o frio nos fizesse bater os queixos, refugiámo-nos sob uma enorme fraga, en porte à faux a pouca distância abaixo da lage culminante. Pingentes de bruyère arborescentes brilhavam.
Precisamente no momento em que aproximava as mãos regeladas da odorífera e quente labareda, um enorme golpe de vento libertou do forte cajueiro as arestas da montanha, e eu vi, sobresaindo da mancha em frente, em linha recta, mais alto que nós, mas distintamente mais alto, o esboço fugitivo do outro morro, a ponta norte: O ponto mais alto. O guia teve um sorriso amarelo e procurou convencer-me que seria preferivel não experimentar subir lá cima, acompanhando as suas palavras com um gesto que mergulhava até ao fundo dos barrocais, mas como não visse no meu semblante sinais de acordo foi acrescentando a garantia de que me não acompanharia. Nada mais pude conseguir.
Pouco depois experimentava através o dédalo de fraguedos encontrar uma passagem que me levasse ao píncaro superior do Cabril, se cuja ascensão estive quási a ficar roubado. Tinha-o visto: não retrocederia.
Ao princípio fácil a subida, depois de atravessar a pequena garganta que junta os dois cimos, deve voltar-se à esquerda deixando à direita a vertiginosa muralha do nascente que se lança quási vertical até ao caminho do vale de Albergaria.
Segue-se de começo uma série de blocos da direita para a esquerda (a) tendo depois de retroceder (b) atingindo o recanto que delimita a segunda altura de rochedos, por onde se segue alguns metros até determinada ravina (d) que se passa com o auxílio da aresta vertical que a limita do lado esquerdo. No entanto, melhor será suster um pouco a marcha antes, por baixo de uma pequena aufractuosidade aberta na muralha vertical pelas aguas, à direita dos braços estendidos para o ar. Nesta altura é necessário com todos os cuidados e com conhecimentos de alpinista fazer uma preparação bastante delicada e arriscada até conseguir colocar um joelho na cavidade. Uma vez atravessado êste passo volta a subir-se com relativa facilidade até ao corredor horisontal (f) da largura de cerca de um metro e que tem dos lados os blocos terminais. Podem atingir-se colocando o corpo horisontal, os dois pés apoiados a um dos lados e as duas mãos ao outro, com a ajuda dos cotovelos.
É necessário recomendar-se que será bom ninguem se meter para a direita sôbre o rebordo extremamente perigoso (h) que tanto permite atingir o pincaro..... como voltar a encontrar os grupos de carvalhos e de ericas, quatrocentos metros mais abaixo.
Uma vez atingidas as lages cimeiras que se prolongam para o norte, pude refrescar as mãos na água da chuva depositada em pequenos buracos musgosos abertos na pedra. Neste momento ouvi o guia gritar do píncaro sul, aplaudindo alegra e espalhafatosamente: «A primeiro, a primeiro!»
Dez minutos depois confessava-me que ninguem, nem êle, nem outros, ainda lá tinha subido. Confirmaram-me á tarde no Gerez que tinha feito uma «première». E telos-ia acreditado se..... Se não tivesse visto, lá em cima, mesmo no cima de tudo, na última lage da extremidade norte do píncaro escalado, quer dizer, a três metros de desnivel inferior do cume topográfico do Pé de Cabril, um certo circulosinho pintado a encarnado que tinha no centro qualquer indicação que foi sem dúvida inscrita no dia em que alguem lá esteve, com certeza, em cima a 1.237 metros sôbre o nível do mar.
Texto de Roger Heim, traduzido por Camacho Pereira e publicado em "Gerez: Serra - Termas", Julho de 1935.
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