Reaproveito este texto que foi escrito noutro contexto, mas que agora se aplica aos nossos dias...
Com a chegada dos dias primaveris e as temperaturas de canícula, aumentam as oportunidades para poder-mos desfrutar de um contacto mais directo com a Natureza. Não sei se este é um direito constitucional e se não é, talvez deva ser... se bem que alguns senhores feudais ainda pensam viver rodeados de fossas... mas estas são outras contas.
São muitos os que perguntam porque caminhamos na montanha? Não lhes sei responder, talvez porque seja uma resposta óbvia, tão óbvia como o simples facto de passar um dia numa praia de barriga para o ar ou de percorrer quilómetros numa bicicleta. Seja como for, é algo que procurarmos para estarmos num ambiente calmo e em grandes espaços que nos proporcionam um contacto com um cenário longe do rebuliço da cidade e a possibilidade de sermos presenteados com a pouca Natureza quase selvagem que este país ainda resguarda.
Diz-se que o conhecimento pode caracterizar as sociedades modernas e nos nossos dias o conhecimento está acessível à distância de um clique. Num momento, tanto estamos a ler as notícias da nossa cidade como de seguida lemos o que se passa no outro lado do mundo, assistimos «ao vivo» às actividades em órbita terrestre como sabemos se chove ou não em Marte. Assim, dificilmente podemos não saber as regras de um jogo que se pratica de todas as vezes que caminhamos na montanha ou em casos específicos em áreas protegidas como é o caso do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG). Como dizia o artista, "o cidadão informado é aquele que lê jornais e vê TV" e eu acrescento "e que navega na Internet!"
Como já referi, o acto de caminhar na Natureza deve ser um acto de total descontracção, porém responsável. Responsável perante o próprio, perante o ambiente e perante o local por onde caminha. Um dia de caminhada deve ser um dia de completa absorção de sensações e total gozo de sentidos. Não pode, ou não deve, ser um dia vivido na sensação de que se pode ser punido por algo que deveria ser sinónimo de descontracção, gozo e lazer.
Sendo paralelamente aplicável a outras áreas protegidas com as suas características próprias, as considerações seguintes referem-se em particular ao PNPG.
Segundo o Plano de Ordenamento do PNPG (POPNPG) aprovado por uma Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-A/2011, de 4 de Fevereiro, e publicado no Diário da República n.º 25, Série I, de 4 de Fevereiro de 2011, a área do PNPG está dividida em duas áreas específicas que são de intervenção do POPNPG, especificamente a Área de Ambiente Natural e a Área de Ambiente Rural, consoante as características específicas de cada uma. O POPNPG foi alvo de um debate público em consequência do qual resultaram certas alterações ao texto inicial que levaram ao texto actual.
Assim, o POPNPG preconiza a possibilidade de se caminhar em toda a área do PNPG e tal vem de acordo com as declarações que em tempos foram proferidas pelo então Director do Departamento de Gestão das Áreas Classificadas do Norte (DGAC Norte), Eng. Lagido Domingos, e reflecte também uma ideia em tempos avançada pelo último Director do PNPG, Henrique Pereira, que referia ser incompreensível não ser possível se desfrutar de uma travessia integral da Serra do Gerês entre Pitões das Júnias e as Caldas do Gerês. À primeira vista, o POPNPG permite as actividades de pedestrianismo e montanhismo, no entanto esta aparente permissão, tal como num contrato, não dispensa a leitura desse mesmo POPNPG e em especial a leitura das «letrinhas pequenas» ou mesmo a leitura do que lá não está escrito...
Vejamos então de forma resumida o que é referido no POPNPG. Vou-me concentrar nas áreas de maior protecção ambiental definidas dentro da Área de Ambiente Natural e só nestas áreas por ser aquelas que abrangem a maior parte da zona que semanalmente é percorrida em média por umas dezenas (dezenas!) de pessoas para poderem praticar a nobre actividades de caminhar, ou 'pedestrianismo' para os mais finos.
O Artigo 8.º (Actos e actividades condicionados) define no seu Ponto 2 alíneas e) e g) que ficam sujeitos a autorização do ICNB, IP "a prática de actividades desportivas e recreativas não motorizadas, designadamente escalada ou montanhismo, e de actividades turísticas quando integrem mais de 15 participantes..." e "a pernoita, quando associada a uma actividade de pedestrianismo." Por outro lado, o POPNPG define que a Área de Ambiente Natural é composta pela Área de Protecção Total, Área de Protecção Parcial de tipo I e Área de Protecção Parcial de tipo II (alíneas a), b) e c) do Ponto 2 do Artigo 10º). Dispenso-me aqui de definir as características específicas de cada uma destas áreas, pois tais podem ser consultadas no texto do POPNPG disponível na rede. A alínea e) do Ponto 1 do Artigo 12º refere que nas áreas de protecção total a actividade humana só é permitida "para fins de visitação pedestre nos trilhos existentes", sublinhando no entanto no Ponto 2 do mesmo artigo que essas actividades estão sujeitas a autorização do ICNB, IP. Por seu lado, a alínea f) do Ponto 1 do Artigo 14º, refere que a visitação é permitida nas áreas de protecção parcial de tipo I "em trilhos, estradas, caminhos existentes ou outros locais autorizados", sublinhando na alínea b) do Ponto 2 do mesmo artigo a necessidade de autorização por parte do ICNB, IP para as actividades quando organizadas ou realizadas por grupos superiores a dez pessoas e não previstas na carta de desporto de natureza. De forma semelhante, o POPNPG define que na área de protecção parcial de tipo II a actividade humana é permitida para "visitação individual ou em grupo até um máximo de 15 pessoas, em trilhos, estradas, caminhos existentes ou outros locais autorizados, bem como nos termos da carta de desporto de natureza." Convém notar, e este é um aspecto extremamente importante, que mesmo os trilhos pedestres homologados estão sujeitos a este zonamento e que o simples facto de ser um trilho devidamente assinalado não implica a sua utilização «livre» por grupos superiores a 10 ou 15 pessoas dependendo da sua localização. Convém ainda ter em atenção que «grupo» como está definido, não se limita ao grupo de amigos, à associação de pessoas que compartilham um interesse comum ou ao simples grupo de praticantes de actividades de montanha, pois se a sua família é numerosa constitui um grupo sujeito a estas regras.
Penso que todos nós compreendemos a necessidade de legislar, «impor», este tipo de regras baseadas na importância ambiental e dos espaços que se percorrem no PNPG. Do ponto de vista do visitante (e é nesse ponto de vista que aqui se escreve) não deverá haver dúvidas neste aspecto. Se elas existirem, só haverá uma solução, a mais simples, e essa é o esclarecimento junto de quem o pode fazer... ou pelo menos deve fazer...
Tendo tudo isto em conta, estão assim estabelecidas as regras do jogo e todos nós o podemos jogar. Mas cada um é livre de o jogar como quiser, respeitando ou não as regras, sofrendo ou não as consequências.
Se há uns tempos atrás ainda se clamava pela inexistência de sinalética que avisasse o visitante «mais distraído» da sua entrada numa zona mais sensível, hoje essa sinalética existe, porém é ignorada pela maioria.
O pensamento geral nos nossos dias é o seguinte: "Conduzo o meu automóvel às 4:00 da manhã. Entro numa rua com sentido proibido. Bato num carro de vem de frente. A culpa? É do Estado que não pôs um agente fiscalizador à entrada da rua com sentido proibido. Fim da história." Nestas coisas da visitação passa-se algo parecido... não está o vigilante, a regra não existe. Não está a guarda, o sinal de trânsito não existe. Não está ninguém, retiro este pilar para estacionar e ir tirar a selfie na cascata para os likes...
Estas primeiras semanas pós-desconfinamento foram a amostra do que está para chegar: isto é tudo nosso, porque é "nacional" e parto uma porta de um abrigo para me aquecer de noite... até que um dia a coisa acaba mal... mesmo para os feudos que andam à pesca.
Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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