sábado, 15 de maio de 2021

A morte de Joaquim Rodrigues Lima e os problemas de ventilação nas galerias do Salto do Lobo

 


A 29 de Abril de 1955 ocorria um desastre nas galerias da concessão do Salto do Lobo e do qual resultaria a morte de um operário safreiro.

Nesta altura, procedia-se à perfuração para Sul do Poço Mestre, da galeria de rodagem do 5.º piso da mina bem como do recorte para Sul, usando-se o usual método de desmonte. Às 3h30 deste dia, procedeu-se a mais um rebentamento de saedite nas galerias da mina. Pelas 8h15, um grupo de quatro operários (Arlindo Domingues Salgado, António da Silva Maciel, Joaquim Gomes e Joaquim Rodrigues Lima, de 31 anos de idade) iam proceder à remoção do escombro resultante desse rebentamento. Nesta operação foram utilizados 16,5 kg de explosivo numa zona designada como ‘Recorte Sul’ do 5.º Piso.

Quando o grupo se deslocava para a zona de trabalho, a cerca de 50 metros a Sul do poço principal da mina, os homens começaram a sentir o efeito intoxicante de gases, sendo retirados de emergência para a superfície onde lhes foram aplicados os socorros necessários por parte do enfermeiro da mina. Com a excepção de Joaquim Rodrigues Lima, todos os outros recuperaram, mas este acabou por ser transportado de emergência para o Hospital de S. Marcos, onde viria a falecer a 8 de Maio.

Em carta enviada ao Engenheiro Chefe da Circunscrição Mineira do Norte a 12 de Maio, o Director Técnico da Sociedade das Minas do Gerês, Eng. Eurico Lopes da Silva, refere que os operários haviam “…sido atacados por uma intoxicação causada por aparecimento de ‘tufo’”. Referindo que todas as medidas de segurança haviam sido tomadas após as “…pegas de fogo…”, “…a presença de ‘tufo’ estava a notar-se uns dias antes (…) de forma inexplicável…” referindo que “…as condições de ventilação mantinham-se normais.”

Um dado importante para o esclarecimento da causa da morte do operário é também referida nesta carta quando se nota que “…talvez por as condições atmosféricas serem inteiramente desfavoráveis…”, podendo estas condições levar a uma má ventilação das galerias. Eurico Lopes da Silva estabelece também uma relação entre o aparecimento do ‘tufo’ e a utilização da saedite referindo que “no próprio dia do desastre, como se mantivessem as dúvidas quanto à origem do ‘tufo’, decidiu-se deixar de aplicar o explosivo ‘saedite’ cujo início de utilização coincidira precisamente com o aparecimento do referido ‘tufo’” indicando ainda que “…com a substituição da ‘saedite’ pelo explosivo normalmente empregado, não voltou a verificar-se aparecimento de ‘tufo’.” É ainda referido que a autópsia havia determinado que a causa da morte havia sido uma congestão.

A 20 de Junho a Sociedade das Minas do Gerez, em carta assinada em nome do Director Técnico, procede à rectificação do que havia sido dito anteriormente informando que não havia sido realizada qualquer autópsia devido ao facto de o tribunal ter dispensado essa formalidade legal, sem no entanto esclarecer as razões que o levaram a fazer.

Em resultado deste acidente é aberto um inquérito para apurar as causas da morte do operário. Em auto de inquérito enviado pelo representante do Engenheiro Chefe da Circunscrição Mineira do Norte que visitou as instalações a 25 de Maio, as causas do acidente são apontadas como a deficiente ventilação das galerias. A 22 de Junho o Engenheiro Chefe da Circunscrição Mineira do Norte, Fernando Soares Carneiro, envia um pedido ao Hospital de S. Marcos no qual solicita informações sobre as causas da morte de Joaquim Rodrigues Lima. Devido ao facto de o hospital não possuir qualquer arquivo do ocorrido, o Chefe da Secretaria, João Batista Barbosa Lopes, responde a 28 de Junho indicando que o pedido deverá ser feito à Conservatória do Registo Civil de Braga e assim a 29 de Junho a Circunscrição Mineira do Norte envia um novo pedido de informações ao qual a Conservatória do Registo Civil responde a 30 de Junho, indicando que a morte de Joaquim Rodrigues Lima se terá devido a “…envenenamento por gases de explosão.”


Esquema da circulação do ar no 5.º piso apresentado em anexo ao relatório da visita às Minas dos Carris por parte de Manuel Cardoso Lima

Um documento fundamental para esclarecer as causas da morte do operário, é elaborado por Manuel Cardoso Lima, Engenheiro de Minas de 3.ª Classe, que visitara o complexo mineiro a 25 de Maio. Na altura em que visita a mina, as condições que encontra são semelhantes às que existiam na altura do acidente, estando no entanto a frente de fogo a uma distância de 63 metros do poço enquanto que na altura esta se encontrava a cerca de 53 metros. No seu relatório que é enviado ao Engenheiro Chefe da Circunscrição Mineira do Norte a 6 de Junho, são referidas várias situações nomeadamente relacionadas com a ventilação do sistema de galerias:

O sistema de ventilação em anel, embora usualmente admitido, durante os trabalhos de traçagem, em distâncias vizinhas dos 50 m, que correntemente medeiam entre chaminés, é talvez o menos eficaz.

Durante o tempo de laboração, o ar proveniente dos martelos, bem como das inevitáveis fugas das tubarias, a agitação do ambiente e, principalmente o aumento da temperatura devido ao calor das combustões e irradiado dos corpos, facilitam a circulação do ar.

Durante o restante tempo, no caso presente no intervalo entre as 3 h e as 7 h 30 m, as dificuldades de circulação do ar são consideravelmente aumentadas, causando as probabilidades da estagnação do ar, como se na realidade se tratasse de trabalhos em “fundo de saco”.

Não há dúvida alguma que as condições atmosféricas exteriores também afectam, de forma muito notável a circulação do ar: tive ocasião de verificar, em outras minas, que em condições normais eram suficientemente ventiladas, a paralisação quase completa da circulação de ar, sob condições exteriores desfavoráveis.”

Manuel Cardoso Lima refere também o ambiente que sentiu dentro da mina:

Na altura em que procedi à visita ao local, as condições eram satisfatórias.

Permaneci no local, onde as intoxicações se tinham verificado ou suas imediações, durante cerca de 3 horas e nada notei de anormal, relativamente, é claro, ao ambiente usual das minas.

Fiz explodir cargas iguais de saedite e de amonite não tendo notado diferenças organolépticamente apreciáveis.

Quanto a este ponto, isto é, do grau de poluição da atmosfera, nada mais foi possível fazer, em virtude de não possuir aparelhagem que permitia fazer a sua determinação rigorosa.”

Em conclusão ao seu relatório, Manuel Cardoso Lima refere desconhecer a causa da morte do operário Joaquim Rodrigues Lima, pois até à data de escrita do seu relatório não tinha tido acesso à respectiva certidão de óbito. Por outro lado, referiu também não haver provas concretas para afirmar que a utilização de saedite em vez de amonite, ser a causa da maior quantidade de tufo e que somente o fabricante dos explosivos teria elementos relativos ao volume e natureza dos gases libertados na explosão destas substâncias. Assim, a ventilação insuficiente é apontada como uma causa provável da morte do operário. Esta ventilação insuficiente terá ocorrido devido às peculiares condições atmosféricas exteriores que não permitiu a diluição dos gases a teores inofensivos. É apontada a necessidade de se criar uma segunda chaminé de ligação entre o 5.º piso e o piso superior, havendo a necessidade de se forçar a circulação do ar enquanto que esta não estivesse concluída. Uma adenda posterior ao relatório feita a 2 de Julho refere que:

Só nesta data tivemos a confirmação da causa da morte do operário Joaquim Rodrigues Lima (…).

Tal como pensávamos, conforme 5.1 da informação supra, a morte foi devida a intoxicação por gases, provenientes de explosão.”

A 1 de Julho de 1955 o Engenheiro Chefe da Circunscrição Mineira do Norte envia uma carta à Sociedade das Minas do Gerez, Lda., onde refere:

Embora fosse da competência de V. Exca. a informação das causas que motivaram o falecimento do operário Joaquim Rodrigues Lima, e como até agora nada de concreto nos informaram, transcrevemos o ofício da Conservatória do Registo Civil de Braga:

Em referência ao ofício de V. Exc. n.º 1.187, de 29 do corrente, tenho a honra de comunicar que do registo de óbito de Joaquim Rodrigues Lima, falecido no Hospital de S. Marcos, desta cidade, no dia 8 do mês findo, consta ter falecido de ENVENENAMENTO POR GASES DE EXPLOSÃO.”

O tom e teor da carta enviada pelo Engenheiro Chefe da Circunscrição Mineira do Norte, denota o mal-estar e uma certa tensão originada pela falta de informação relativa ao acidente que vitimara Joaquim Rodrigues Lima. Este facto está bem patente na carta enviada pelo Engenheiro Chefe da Circunscrição Mineira do Norte a Eurico Lopes da Silva a 2 de Julho, 

Em carta assinada por V. Ex.ª., de 12-5-955, comunica-nos que a causa da morte do operário Joaquim Rodrigues de Lima, verificada a 7 do mesmo mês, fora uma congestão, segundo autópsia a que se havia procedido.

Posteriormente, em 20-6-955, em carta assinada em nome de V. Ex.ª, na qualidade de director-técnico, estranha prática por nós nunca vista até hoje, comunica-nos que não se fizera autópsia, mas nada se acrescenta quanto à causa da morte.

Por ulteriores averiguações a que procedemos, junto da Conservatória do Registo Civil, sabemos:

‘que do registo de óbito de Joaquim Rodrigues Lima, falecido no Hospital de São Marcos, no dia 8 do mês findo, consta ter falecido de envenenamento por gases de explosão.”

Na resposta a esta carta enviada pela Circunscrição Mineira do Norte, as palavras de Eurico Lopes da Silva ao Engenheiro Chefe daquela circunscrição mineira a 4 de Julho, fazem sublinhar a tensão então sentida.

Ex.mo Senhor:

Recebi o ofício de V. Exª., n.º 1193, de 2 do corrente, cujo conteúdo, pela sua forma e intenções, julgo ter compreendido perfeitamente.

(…)

Em resultado do inquérito ao acidente, que verificou a existência de deficiências nas condições de salubridade nos desmontes efectuados na mina, foi determinada pela Circunscrição Mineira do Norte, uma proibição de desmontes antes da traçagem do maciço ou painel, isto é, antes da abertura das chaminés de traçagem. A Sociedade das Minas do Gerez foi também obrigada a incluir uma ventilação mecânica sempre que a ventilação natural não fosse suficiente, considerando-se como mínimo 1,5 m3/minuto/operário. Foi também determinado que durante 15 minutos após as detonações e 15 minutos antes da entrada do pessoal do turno seguinte para a remoção do escombro, as frentes de explosão deveriam ser humedecidas utilizando-se para o efeito água pulverizada.  No mesmo dia em que são enviadas à Sociedade das Minas do Gerez as determinações da Circunscrição Mineira do Norte, é também enviada uma carta ao Director Técnico onde se refere que não se confirma a opinião então veiculada de que o ‘tufo’ causador da morte do operário tenha sido provocado pela alteração no tipo de explosivo (de amonite para saedite). A mesma carta refere ainda,

Como se trata de assunto extremamente grave, de interesse à vida dos operários, solicitamos a V. Ex.ª se digne informar-nos se mantém a mesma opinião ou se, pelo contrário, a modificou em face de qualquer novos elementos colhidos ulteriormente.

A resposta de V. Ex.ª determinará se sim ou não o assunto deve ser levado ao conhecimento da Comissão de Explosivos.”

O auto de inquérito à morte de Joaquim Rodrigues Lima seria enviado a 13 de Agosto para o Agente do Ministério Público junto do Tribunal de Trabalho do Distrito de Vila Real.

De facto, os problemas de ventilação nas galerias pareciam ser algo muito comum nas galerias, sendo esta uma das recordações de Augusto Vieira que refere que “depois das explosões, quando íamos limpar uma frente, com o cheiro da pólvora e toda aquela humidade, a gente nunca andava bem e tínhamos sempre dores de cabeça. Não tínhamos ventilação e a única que existia era feita através dos poços. Não havia mais nada e era um trabalho muito duro. Naquele tempo diziam que aquilo não era legal e que trabalhar assim era ilegal. Poderiam fazer-se aqueles trabalhos, mas com mais condições!

Adaptado de "Minas dos Carris - Histórias Mineiras na Serra do Gerês" (Dezembro de 2013)

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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