segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Lobos na bruma



As cavernas escuras do teu ser

Vivo...
...nas cavernas escuras do teu ser
Como uma sombra quase disforme que resulta da refracção do amor
Sou...
...uma memória quântica de um passado distante que se esvai, moribundo de pensamentos
Resisto como um espectro, um fogo fátuo na escuridão do teu olhar que perscruta o vazio por entre as estrelas 
A saudade dos nossos dias agita-se ao vento arrastada como a espuma das marés 
Uma onda que se esvai na infinitude de um areal perdendo força numa cornucópia sem fim
Sou...
...um ser fractal que se repete na interminável rotação de um vinil
Uma capa negra que esvoaça no vazio da minha existência. A memória de um filme a preto e branco...
Deixo de existir na torrente dos dias para te trazer a serenidade das noites quentes de Verão 
Sou...
...uma noite de Inverno
Uma longa escuridão inexistindo no espaço que ocupo
Apenas um singelo cristal de gelo que se formou no esquecimento dos dias de um calendário numa velha parede
Um cometa fugaz que mergulha no espaço profundo dos teus sentimentos para nunca mais voltar.
Uma rosa e a saudade da tua pele que se esvai na singularidade do momento
Procuro nas nuvens que correm no firmamento o vislumbre do teu rosto e o teu sorriso que um dia iluminou os meus dias 
O teu olhar, Medusa, transformou o meu coração em mármore frio...
Somos...
...sombras fugazes que se projectam nas cavernas escuras do teu ser.

A última luz

Escolhi o sítio para os meus últimos dias... 
Será ali, vês?
No alto daquelas serras imensas e altaneiras onde só eu vou chegar
De cristas escarpadas e longos vales
Onde os horizontes são largos e infinitos
E o céu se enche de estrelas e véus de negritude
Por entre o silêncio e as sombras
Por entre o granito e as árvores de ramos retorcidos
Talvez à luz cinéria de uma tímida Lua d'Inverno
Entre as memórias e os rasgos de saudade
Caminhando nas florestas de silêncio 
Sentindo os últimos raios de Sol do meu último dia
Olhando a tremeluzente luz das estrelas que vão preenchendo o meu último vislumbre
Fico deitado nos dias do fim onde vou sentindo o frio a chegar, empurrando as nuvens que pejam o céu 
Tomando conta do meu corpo e envolvendo o meu ser
Entorpecendo os movimentos e turvando o olhar
Lentamente e inexoravelmente, ela vai chegando
A Morte vem vestida de negro com um véu esvoaçante na brisa tépida da noite
Com as suas mãos frias toma o meu corpo e eleva-me às profundezas da Terra 
Na negritude dos dias
E assim, vou chegando ao fim
...
Os sons que se tornam murmúrios cada vez mais ténues 
E uma voz que vai chamando por mim
Por entre os ecos infinitamente repetidos nas galerias escuras 
As lágrimas traçam o meu rosto que escondo por detrás das mãos já frias
A última luz no fechar do olhar 
Despeço-me de ti...
...e transformo a saudade na esperança do teu último beijo.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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