terça-feira, 23 de outubro de 2018

Relatório de reconhecimento da mina da Corga das Negras n.º 1 em 1951


MINA DE WOLFRAMIO, ESTANHO E MOLIBDÉNIO 

“CORGA DAS NEGRAS nº 1”


RELATÓRIO DE RECONHECIMENTO

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SITUAÇÃO, VIAS DE COMUNICAÇÃO E MORFOLOGIA DO TERRENO

A mina fica situada no local do mesmo nome, freguesia de Cabril, concelho de Montalegre, distrito de Vila Real, a cerca de 22 km da povoação Gerez (estancia termal), para Nordeste.

Está-se em plenas alturas geresianas, a altitudes entre 1250 e 1450 metros da nossa serra mais rude e áspera. Granitos em caprichosos e gigantescos afloramentos sucedem-se numa avalanche de múltiplas e variadíssimas feições topográficas, com ascendência característica da serra com profundas e íngremes ladeiras, encaixando tortuosos ribeirinhos, separados por altos picos. Por toda a parte uma vastidão de fantásticos blocos rochosos ora irregularmente distribuídos por altos e ladeiras, ora como que metodicamente sobrepostos simulando ciclópicos muros de insuperável protecção a baixios, por onde irrequietas e velozes águas se escapam a caminho de sossegadas regiões. Quando a erosão forçou à deposição de espessos depósitos nos baixios, constitui-se o que lá se chama “lamas” (extremamente frio, com neves mais ou menos duradouras). A este conjunto desolador acrescenta-se o imenso e profundo silêncio da inactividade, da quase total esterilidade nestas alturas onde em extensas áreas não existe uma árvore nem se vê uma ave.

Paira o nada, mas numa leveza e subtilidade tais, que não nos suscita impressão de pequenez ou insignificância, pelo contrário, a paisagem é tão bela no seu conjunto, esbatido em profundas extensões, que nos dá a impressão de estarmos num maravilho (embora tosco) pedestal, denominado, em soberbo miradouro, este cantinho de Portugal.

Da mina a Braga (centro importante mais próximo) são cerca de 72 km, sendo: 22 km da mina ao Gerez, por estrada em parte municipal (1º troço a partir do Gerez), outra parte florestal (troço seguinte) e, finalmente, mineira, construída pela requerente (último troço).

Braga (já de si um centro importante) tem fáceis ligações com os principais centros industriais e de exportação do país.

GEOLOGIA

Granitos de vários tipos, são as rochas da região. Vimo-las de grão grosso, médio e fino, de duas micas ou só de uma delas. Predominam, no entanto, os granitos biotítos de grão médio e grosso, estes frequentemente porfiróides, Regra geral são granitos róseos, cujo tom varia com a percentagem dos feldspatos dessa cor. Alguns autores vêm nesta coloração dos granitos um indício favorável, quase certo, da existência de minerais uraníferos. Infelizmente, na Serra do Gerez ainda não foram identificados e, quanto a nós, supomos que tal regra não seja confirmada nesta região, a não ser por possíveis ocorrências raras. Aliás não encontramos explicação de qualquer dependência genética entre aqueles minerais (feldspatos róseos e minerais uraníferos).

São nítidos os planos de disjunção sobre duas direcções principais normais entre si: cerca de N-S e E-W.

É de crer que, a avaliar pela grande extensão dos afloramentos graníticos e pela rudeza da estrutura da serra, a erosão tenha aqui penetrado profundamente. A abundância de grandes blocos soltos e espalhados por quase toda a serra é disso um testemunho. A intensa arenização representada por grossos grãos de quartzo e feldspatos, filiam-se nos mesmos fenómenos.

Ainda notória escassez de formações filoneanas, denotando, evidentemente, uma fraquíssima acção tectónica no sentido da profundidade, parece sugerir que houve grandes deslaces dos níveis superiores primitivos, rebaixados até ao presente nível topográfico, inicialmente muito afastado do campo daquelas acções.

Um interessantíssimo sistema de filetes, sensivelmente paralelos, mineralizados por volframite, cassiterite e molibdenite parecem representar os únicos vestígios de jazigos deste tipo, tão comuns na bordadura deste maciço granítico. Tais filetes, com andamento de muitas centenas de metros, são nitidamente visíveis próximo das alturas de Carris, Castanheiro, etc. Visto de plano superior dão a ideia de longos cordões, cingindo os afloramentos graníticos, em malha mais ou menos apertadas. Essas alongadas protuberâncias marcam, em escala reduzida, as cristas filoneanas de grandes elevações. O seu material, mais duro e resistente á erosão, persiste, impondo as leis desta microrogenia.

Os depósitos modernos são raros, sendo os elementos clásticos muito heterogéneos. As pequenas áreas aluvionares cobrem normalmente, apertados leitos evidenciando, em mais ou menos extensa desnudação, grandes blocos graníticos. Noutros casos, nos meandros de suaves dobras das alturas, sempre de extensão reduzida (nesta serra não se vêem áreas planálticas), também há alguns retalhos aluvionares.

TRABALHOS

A lavra nesta mina foi reduzida e irregular. Todos os trabalhos nos filões interessam pequenos volumes. São a céu aberto, constituídos por cortas e pequenos poços. A parte aluvionar foi mais intensamente trabalhada, mas, mesmo assim, cremos que, devido à desorganização desta exploração, ainda há bastante minério perdido em áreas tidas por exploradas e noutras, então dadas sem valor.

DESCRIÇÃO DO JAZIGO

1º) Parte filoneana

Há um sistema de filetes com características médias próximas de:

d = N-S
i = ± 90º
p = ± 0,01 m.

Seguem-se ao longo de centenas de metros. O conjunto conta mais de uma dezena de unidades, ora juntas com estreita faixa, ora dispersas em grandes volumes. Quando caminham cerrados, dentro de uma secção inferior a um metro, tudo se passa como se o conjunto representasse um único filão com possança igual à soma da possança dos filetes. À medida que tal largura vai aumentando os inconvenientes da dispersão aumentam até constituírem, só por aí, motivo impeditivo a uma lavra económica. Na área da concessão ambos os casos se verificam.

A mineralização útil é essencialmente constituída por volframite.

A cassiterite e a molibdenite ocorrem em muito menor quantidade. A percentagem destes minerais deve ser cerca de: volframite 80%, cassiterite + molibdenite, 20 %.

A volframite ocorre disseminada em toda a matriz filoneana. A cassiterite e a molibdenite encontram-se, normalmente, junto e nos encostos, constituindo, por vezes, conjuntamente com feldspatos, quartzo e alguma mica, em forro, como que almofadando o granito.

O calibre dos respectivos agregados cristalinos são variáveis, mas predominam os superiores a 0,5 cm para a volframite e cassiterite; a molibdenite ocorre em lâminas, em que os agregados de aspecto tabular (micáceo), por vezes, agrupam-se sob conjuntos estrelados. São vulgares placas com mais de 0,5 cm de diâmetro. 

Em facturas com 1 cm (e menos, quantas vezes) foi fácil o enchimento total, ou quase, por volframite. Isto, porém, não representa mais do que o condicionamento especial da cristalização da volframite (e dos outros minerais) às especiais características da estrutura das fracturas. Assim se explicam as tais “bolsadas em placas” das minas do Gerez.

O teor da mineralização das substâncias úteis é bastante variável nos filetes. No entanto, até aos níveis atingidos pela exploração, de um modo geral os seus valores devem situar-se acima dos habituais, tomados relativamente ao material filoneano. Tomados, porém, relativamente ao tout-venant ou m2 de superfície de filete, tais valores são, regra geral, muito baixos para cada filete, de modo a tornar proibitiva a sua exploração individual.

Já dissemos, os filetes armados em estreitas faixas, tem andamento mais ou menos paralelo. Quando são vários a entrar na secção de um trabalho mineiro (secção de galerias, altura de desmontes) tudo se passa como se houvesse redução do conjunto a um só. Portanto, o que determina o valor industrial do sistema é a malha de distribuição dos diferentes filetes.

Embora por vezes a distância entre traços horizontais dos filetes, por vezes, não ultrapasse os 5 cm, não são muito vulgares os cruzamentos por mudanças de direcção. Pelo contrário, verificam-se muitas vezes as intercepções por variação de inclinação. Claro que em tais casos verificam-se, correntemente, apreciáveis enriquecimentos, não só por aumento do teor como também por aumento de possança (superior ao somatório das individuais). A maior parte dos belos exemplares de minério do Gerez são provenientes de cruzamentos.

Simplesmente como nota ocasional informamos que num local de exploração da mina “Salto do Lobo” (mina dos Carris, mais conhecida) que visitamos nesta altura, apesar de o rendimento operacional ser relativamente baixo, o rendimento da produção era elevado, representado por cerca de 2 kg de concentrados por homem – relevo. Tal sucesso deve-se exclusivamente ao facto de o teor de mineralização nessa parte do jazigo ultrapassar, seguramente, os 15 kg/m2. Numa secção com menos de 0,60 m de largura corta 10 filetes.

Já, atrás, denunciamos a nossa escassa esperança de o jazigo se continuar em profundidade, mas simples dezenas de metros abaixo dos níveis de exploração actuais com as mesmas características. Em nossa opinião, justifica-se, mesmo, um certo pessimismo sobre este assunto. No entanto, o futuro o dirá e mais uma vez fazemos votos pela injustificação da nossa previsão.

Nesta mina identificamos um sistema de filetes com as características gerais indicadas, mas em que se nota certa dispersão de filetes e uma possança média talvez inferior á citada.

2º) Parte aluvionar

Resultantes deste tipo de jazigo são muito vulgares os depósitos aluvionares de apreciável valor. Compreende-se que do desgaste de muitos filetes, bem mineralizados, mesmo sem interesse individual por dispersão (caso mais vulgar) do sistema, resulte um depósito rico.

Explorações da última guerra mundial provaram tal facto, pois houve explorações com rendimento superior a 20 kg/ton nos sítios ricos e rendimento superior a 2 kg/ton no restante da maioria dessas lamas.

Apesar da extensão destas explorações quer pelo primitivo dos métodos utilizados, quer por carência de meios e principalmente devido à manifesta desorganização de serviços, cremos que ainda restam apreciáveis áreas cobrindo interessantes depósitos aluvionares.

No caso desta mina, precisamente, somos de opinião de que tem mais valor a parte aluvionar do que a filoneana.

GENESE

A génese do jazigo está ligada à intrusão do batólito granítico que aflora na região.

Na última fase de consolidação do magma, durante o arrefecimento dar-se-ia a fracturação, talvez por contracção. Tais fracturas, seriam de reduzida amplitude e interessariam pequenos volumes, circunscritos a zona periférica da massa granítica (outros factores poderão explicar a origem das fracturas), magmas residuais graníticos do tipo pegmatítico penetrariam as fissuras, em especial cristalizando sobre as paredes. A estreita parte central seria essencialmente preenchida por um núcleo quartzoso. As soluções hidrotermais mineralizadas de volframite entrariam no venulo central, ao passo que a cassiterite cristalizaria junto dos encostos, num meio tipicamente pegmatítico. Em fase mais adiantada soluções hidrotermais penetrariam junto dos encostos e aí cristalizariam molibdenite. Deste modo teríamos uma secessão pegmatítica: cassiterite, volframite e molibdenite.

A cassiterite pertenceria à fase mais quente, substituindo os primeiros elementos magmáticos (especialmente feldspatos); a volframite seria uma fase seguinte substituindo também elementos de matriz pegmatítica ou fazendo parte de um enchimento hipotermal de uma finura não totalmente preenchida ainda. A molibdenite seria a última, conduzida segundo linhas de penetração fácil, encostos, etc.

O aspecto especial das ocorrências de molibdenite dá vem a ideia de uma pigmentação das superfícies em contacto dos filetes e rocha encaixante (tanto o granito como os filetes apresentam-se mineralizados nessas superfícies de contacto).

Da destruição dos filetes e posterior concentração natural resultaria os depósitos aluvionares.

VALOR INDUSTRIAL

Do exposto se deduz que somos de parecer que a parte do jazigo contida nesta mina tem valor industrial para ser objecto de concessão definitiva.

PLANO DE LAVRA

O plano de lavra aprovado para a concessão provisória ainda se adapta á parte do jazigo que interessa (parte aluvionar). Se a concessionária pretender estender a exploração à parte filoneana, deverá apresentar o respectivo plano de lavra.

DEMARCAÇÃO

Modificou-se a demarcação provisória de modo a fazer um melhor aproveitamento do jazigo.

CONCLUSÃO

Atendendo a que somos de opinião que:
1º O jazigo tem valor industrial para ser objecto de concessão definitiva;
2º O plano de lavra aprovado ainda se adapta às características da parte do jazigo que interessa;
3º Tudo quanto interessa à conversão em definitiva da concessão provisória está em ordem;

Somos de parecer favorável ao pedido do requerente.

O alvará de concessão n.º 4992 é publicado no Diário do Governo a 20 de Dezembro de 1952.

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Esta é uma transcrição integral do Relatório de reconhecimento da mina da Corga das Negras n.º 1 em 1951 extraída do livro "Minas dos Carris - Histórias Mineiras na Serra do Gerês" (Rui C. Barbosa, Dezembro de 2013).

Fotografia: © Rui C. Barbosa (todos os direitos reservados)

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