Visitar Vilarinho da Furna, a aldeia mártir submersa pelas águas da barragem que lhe quis tirar o nome, é uma experiência transcendental, porém, somente quando feita no silêncio de uma manhã e longe do rebuliço mercantil e tabloide a que por vezes é condenada.
Caminhar na suas ruas por entre as decrépitas ruínas que de ano para ano se transformam em amontoados de pedras desordenados, transporta-nos numa viagem interior, talvez só possível a quem por lá caminhe sem o intuito de uma fotografia parola no Instagram ou um reels efémero que será perdido na vaidade do momento.
Vilarinho da Furna sente-se. Vilarinho da Furna chora-se. Vilarinho da Furna revolta!...
Requiem
Viam a luz nas palhas de um curral,
Criavam-se na serra a guardar gado.
À rabiça do arado,
A perseguir a sombra nas lavras,
Aprendiam a ler
O alfabeto do suor honrado.
Até que se cansavam
De tudo o que sabiam,
E, gratos, recebiam
Sete palmos de paz num cemitério
E visitas e flores no dia de finados.
Mas, de repente, um muro de cimento
Interrompeu o canto
De um rio que corria
Nos ouvidos de todos.
E um Letes de silêncio represado
Cobre de esquecimento
Esse mundo sagrado
Onde a vida era um rito demorado
E a morte um segundo nascimento.
Miguel Torga
Barragem de Vilarinhos da Furnas
18 de Julho de 1976
No dia em que me levantei cedo para visitar Vilarinho da Furna, o céu surgiu tingido de tons plúmbeos e por vezes a chuva transformou o cenário da aldeia. As águas estavam calmas e tranquilas, mesmo perante um vento que teimava frio. Porém, as nuvens acabariam por se transformar em farrapos num tapete azul.
Deixei Vilarinho para trás quando chegou o primeiro carro, destruindo a tranquilidade do local. «Fugindo» através das bouças e atravessando o Livro Aberto, chegava de novo ao caminho florestal para me ir cruzando com aquelas pessoas que não cumprimentam nem respondem a um 'Bom dia!"
Caminhando em direcção à barragem, decidi então enveredar pelo Vale Tejo e subir à Picota para vislumbrar Campo do Gerês e a Veiga de S. João, numa altura em que o ar ainda era fresco. Lá em cima, o calor já se faria sentir...
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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