Fizemos a primeira excursão em companhia do nosso amigo Diniz Santiago e dois guias que, além do barometro para as observações que Capello precisava, transportavam o indispensavel alimento.
Deixámos o hotel ás seis horas da manhã no dia 19 de setembro, principiando a subir a rampa do Vidueiro e d'ahi nas successivas rampas apenas separadas por pequenos claros até ao marco geodesico da Borregeira, tendo assim vencido uma differença de nível approximadamente de 1:092 metros em tres horas, que ás nove estavamos encostados ao marco.
Um almoço com que nos obsequiou o amigo sr. Santiago, foi devorado junto d'esta pyramide com formidavel appetite, que é endemico na serra do Gerez, e não duvidaremos aconselhar que a visitem aos ociosos dyspepticos, que se gastam na escolha de restaurantes e condimentos.
Capello fez ao meio dia repetidas e cuidadas observações com o barometro fixo no marco, e depois de admirarmos d'aquelle ponto o extenso horisonte, que não diremos bello, porque as cumiadas vizinhas carregadas de rochedos, soltos uns, outros fixos, mas todos despidos de vegetação impressiona menos agradavelmente o espirito, que pelo aspecto se julgaria n'um eivado de grossa penedia ermo e desprovido de vegetação, que abundante se esconde na mais humilde quebrada.
Olhando para SO.4O. vimos a meia distancia da linha do horisonte o templo da Senhora do Sameiro, a capellinha mais altamente situada no Bom Jesus do Monte; mais para o ponto de oeste o mar no extremo; para S.4SE. a serra da Cabreira; para L. o castello de Monte Alegre e as montanhas de Barroso; a ONO. a comeada do Cabril e para NE. as montanhas da Galliza.
Deixando o alto da Borrageira á meia hora depois do meio dia, e tendo seguido um pouco na direcção da Portella de Leonte descemos por uma carreira que depois se dirige para as Caldas, consentindo que no seu trajecto de cima para baixo, e de NE, para SO. n'uma aprumada ladeira podessemos observar por cima e a distancia as matas de Leonte, occupando uma extensão de muitos kilometros na parte mais profunda do valle já descripto e vencendo a cada momento as grandes altitudes e grosso arvoredo regado pelos numerosos regatos que serpenteiam quasi tão numerosos como as quebradas ou sulcos cavados na montanha, chgámos ás Caldas ás tres e meia da tarde, tendo descido por um caminho diverso mais extenso e mais bem agradavel que da subida.
Foi pouco fertil em successos esta excursão, cujo objectivo era principalmente a observação na Borrageira, podendo dizer-se que o terreno é em geral ascensivel a não ser no ponto denominado Pedras Ruivas, que se torna um pouco mais dificil e accidentado.
Foi n'este ponto que observámos o cometa, podendo esconder nos aos raios solares e deixando separado o astro que assim se observava com admiravel nitidez, se bem nos recordâmos, eram oito horas e quarenta e cinco minutos da manhã.
Nunca visitámos serra tão elevada e tão bem vestida de vegetação a mais surtida e variada até ás maiores altitudes, destacando, como dissemos, pelo seu aspecto nu e seco, os cumes onde parece que foram arrumados e amontoados calhaus enormes.
Deixando as Caldas e havendo principiado a elevar-nos, subindo pela encosta do Vidoeiro, sentiamos rarear as grandes arvores, raes como o castanheiro, o carvalho, para dar o campo ás grossas urzes, aos ervedeiros e a outras plantas de variado numero de especies, sendo notavel que, quasi junto da Borrageira, encontrámos pequenos especimens de fetos viçosos em setembro, estando o tojo e urzes cheios de flor.
Pelo que podémos observar póde dizer-se que existe ali uma admiravel flora, para a conservação da qual chamaremos as attenções dos homens competentes. Junto do marco geodesico observámos o zimbro rastejando nas grandes altitudes, onde a neve o persegue bastantes meses no anno. Observámos tamem o teixo habitando pontos muito elevados, de mistura com outras arvores, principalmente nas quebradas, onde os regatos lhes garantem a precisa humidade, o que succede a cada momento.
Damos ao diante uma noticia de um pequeno numero de plantas, que colhemos por curiosidade e foram classificadas pelo sr. conde de Ficalho, e transcrevemos uma noticia do livro de dr. Rebello de Carvalho, que classificou as mais raras, e assim dispensâmos o leitor de uma fastidiosa descripção que a nossa incompetencia lhe poderia dar.
Recolhendo, como dissemos, ás Caldas depois de uma digressão que durou nove horas de agradabilissimo passeio n'aquella cascata de excellentes aguas potaveis, vertendo nos pontos mesmo muito elevados, e assim se explica a existencia de vegetação quasi por todas as altitudes cerde e viçosa, fomos convidados pelo nosso consocio Diniz Santiago para assistirmos e tomarmos parte n'uma caçada que se realisou nos dias 20 e 21.
Transcrito do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa n.º 11, 4.ª série, de 1883.
Fotografia: Município de Palmela
Sem comentários:
Enviar um comentário