segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Para uma história das Caldas do Gerês, pelo Dr. Ricardo Jorge (IV)


Continuo a reprodução dos textos do Dr. Ricardo Jorge com os quais pretendia em 1891 traçar uma história das Caldas do Gerês. Estes textos foram publicados nesse ano na obra "Caldas do Gerez - Guia Thermal".

Para manter o rigor do texto, decidi não o adaptar ao português actual mantendo assim as características da nossa língua mãe em finais do Século XIX.

"(...)

Veiu-lhe no encalço Fr. Christovão dos Reis, botanico da Nossa Senhora do Carmo em Braga. O pharmaceitico-botanico, como elle se intitula, tudo quanto investigou de simplices e aguas, estampou-o nas sua curiosas Reflexões methodico-botanicas (1779), que teem por portada o Gerez, ao qual o carmelita descalço presta toda a primazia na serie hydrologica do paiz.

Boas especies historicas, minudente directorio dos clientes, regime de banhos e aguas, rol dos indicantes e prohibentes das caldas, eia a materia dos seus capitulos, entre os quaes se contam, ainda que dôa á memoria do pobre frade, a alchimia grotesca d'uma analyse phantastica da crase hydrologica. A A gua de Santa Luzia deve ao irmão Christovão a sua reputação de collyrio para os olhos pirélas.

Ao mesmo tempo que se affirmavam os creditos das aguas, reduzidos a escripta, devassavam-se as brenhas do Gerez, ticas de thesouros, aos curiosos da natureza. Ao findar do seculo lá estanciavam um pesquisas scientificas dois naturalistas; um, compatriota, Pereira Araujo, outro, allemão e sabio, Link.



Joaquim Vicente Pereira Araujo foi em expedição á serra com o dr. Maia Coelho em 1782, por mandado do arcebispo de Braga, e das suas impressões deixou em manuscripto um relatorio, bem trabalhado de sciencia e estylo - Diario philosophico da Viagem ao Gerez. O pioneiro dos naturalistas do Gerez percorreu a serrania, extasiando-se perante o pinturesco panorama alpestre, colleccionando rochas, indicando as essencias florestaes, analysando os monumentos romanos, e tomando nota dos habitos selvagens da gente gereziana, segregada ainda do convivio do mundo e das leis do paiz. A sua penna, tão sympathica e intelligente, acera-se para acoimar o estado vergonhoso das caldas, tão em desproporção com a sua avultada frequencia, tão chocante mesmo para uma alma bem formada. As guaritas thermaes «sujas, mal calafetadas e sem portas»; a fidalgaria, que por lá villegiava, punha-lhes escudeiros de bacamarte á entrada para servir-se dos poços quando muito bem lhe aprouvesse. Gasta a sua eloquencia o sympathico touriste em pedir protecção ao Estado contra tanta inclemencia e deshumanidade.

Dez anos depois vinha ao Gerez um professor allemão, Link, que de companhia com o conde de Hoffmansegg, excursionava por Portugal, explorando a flora do paiz. O illustre viajanta, a cuja memoria somos devedores de tanto respeito e gratidão pelo seu conhecido livro - Viagem em Portugal -, não sabe como encarecer as suas impressões encontadoras do Gerez, a formosa região de se apartou »com pesar». Ao transpor o Cavado julgou que passava o Lethes; as florestas da serra fizeram-lhe esquecer as da sua «pátria e até as da Inglaterra».

Vibra gebadas aos tanques dos banhos e às cortinas de lençol; e sabe descrever-nos com viveza aquelle mundo thermal de fifalguia minhota com embofias d'etiqueta, e damas esquipaticas defumadas do flato com thuribulos d'incenso. havia tambem gente do Porto, especialmente da colonoa ingleza. Irritado com o abandono brutal em que via tudo, exclama: «As Caldas, na extrema do reino, jazem esquecidas do governo». A dura, mas justissima phrase, só um seeculo depois é que havia de ser levantada.

(...)"

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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