quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Para uma história das Caldas do Gerês, pelo Dr. Ricardo Jorge (I)


Em 2009 fiz uma série de publicações neste blogue nas quais fiz a reprodução dos textos do Dr. Ricardo Jorge com os quais este pretendia em 1891 traçar uma história das Caldas do Gerês. Estes textos foram publicados nesse ano na obra "Caldas do Gerez - Guia Thermal" e são uma primeira aproximação, que chamarei de académica, para um traçado histórico da vila termal. Aqui estão de novo...

Para manter o rigor do texto, decidi não o adaptar ao Português actual mantendo assim as características da nossa língua mãe em finais do Século XIX.

"Nem por documento escripto, nem por achado archeologico, se póde deparar indicio de que gentes fizessem paragens nas asperezas do Gerez, antes da dominação romana. Da passagem da serra pelos grandes conquistadores do mundo, dizem os livros e fallamcom eloquencia os monumentos que, affrontando a desfeita dos seculos, ainda hoje surprehendem quem transita por aquellas solidões agreses.

Ao longo do valle que corre por poente, parallelo áquelle onde brotam as caldas gerezianas, desenrola-se um caminho meandroso, chamado pelos naturaes a Geira. É o único lanço que remanesce, atravez dos tempos demolidores, da grande via militar, que, partindo de Braga, transpunha o Cavado na Ponte do Porto, affrontava os desfiladeiros do Gerez, e depois de galgar o Homem nas voltas solidas dos arcos romanos, endireitava para Astorga, anastomosando-se com a via transpyrenaica que conduzia á capital do mundo.

Aqui e além, ao longo da estrada legionaria de Vespasiano, erguem-se ainda os marcos milliarios, truncada já a columna e meio delidas as epigraphes; veem-se na Portella do Hommem e na Ponte Feia, no caminho de Villarinho e á entrada de S. João do Campo. Num cabeço sobranceiro á Geira, no extremo da Chã de Lamas, jazem os destroços d'um presidio militar; são as ruinas da chamada cidade de Calcedónia."

Que no angusto valle thermal penetrasse o romano, tão apaixonado frequentador de caldas, nada o comprova; entre as nascentes e o seu caminho interpunha-se o quase inacessivel espinhaço da serrania. Apenas d'esse tempo piedosa lenda reza do martyrio d'uma santa, que por aquellas quebradas despenharam os pagãos; é a Santa Euphemia, a padroeira das Caldas, dona da capellinha mandada erigir por D. João V.

A descoberta das Caldas, segundo consta dos depoimentos dos primeiros gerezistas, foi casual; attribuem-n'a a uns pastores, que deram um dia pelas fontes vaporosas a jorrar da penha. O certo é que, como todos contestes o asseveram, o verdadeiro descobridor das Caldas, foi o cirurgião da aldeia gereziana de Covide, Manoel Ferreira d'Azevedo. O humilde clinico do sertão instigou os enfermos tolhidos a buscarem nas fontes thermaes o remedio d'achaques rebeldes, bebiam da agua, banhavam-se em pôças abertas no chão, e alojavam-se em cabanas improvisadas. Mas a penosa peregrinação era bem compensada pelas milagrosas curas.

Estas levas annuaes d'enfernos devem ter começado com toda a probabilidade em 1699; esta a grande data inicial d'um descobrimento therapeutico que honra a memoria do ignorado cirurgião de Covide, um benemerito da humanidade enferma."

(...)

Fotografia retirada do livro "Caldas do Gerez - Guia Thermal"

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